“Houve planejamento para golpe de Estado”, diz presidente do TRE-DF
“Lideranças se infiltraram para criar desordem e, em seguida, dar golpe de Estado para restabelecer a ordem”, disse Roberval Belinati
atualizado
Compartilhar notícia
Após dois anos como presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), o desembargador Roberval Belinati se prepara para deixar o cargo no próximo 22 de abril. Em entrevista à coluna Grande Angular, Belinati, que tem 36 anos como magistrado, deu sua opinião sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro: “Realmente, houve um planejamento para o golpe de Estado”.
Belinati disse que, na opinião dele, com base nos fatos noticiados até o momento, “o golpe foi planejado”. “Lideranças se infiltraram, coordenaram a passeata para uma parte se dirigir ao Congresso, a outra ao Palácio do Planalto e a terceira parte para o Supremo Tribunal Federal para quebrar, para criar a desordem e, em seguida, [dar] o golpe de Estado para restabelecer a ordem”, afirmou. Assista ao trecho da entrevista:
Aos 68 anos, Belinati assume o cargo de 1º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) daqui a duas semanas, assim que deixar a presidência do TRE-DF.
Em 1988, tornou-se juiz de direito substituto em Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, Belinati tomou posse no TJDFT como juiz de direito substituto. Em 2008, o magistrado foi alçado ao cargo de desembargador da Corte.
Moraes x Elon Musk
Na entrevista, o desembargador disse que o Brasil precisa “de uma regulamentação urgente” das redes sociais.
Belinati afirmou que o país não pode aceitar posição como a de Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), que ameaçou descumprir decisões do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
“Então, se o trilionário tem projetos para o Brasil, ótimo. Nós queremos receber todas essas pessoas. Mas o que o Brasil não pode aceitar é a interferência de uma pessoa na nossa política, no nosso ordenamento jurídico”, disse.
Segundo Belinati, “se esse trilionário quiser trabalhar aqui no Brasil, vai ter que respeitar a nossa lei, não vai poder chegar aqui e querer desrespeitar e ainda defender o impeachment do ministro que está cuidando dessa parte”.
Gestão
O presidente do TRE-DF também fez um balanço sobre a gestão à frente do tribunal, especialmente no período das eleições de 2022 e no pleito para escolha dos conselheiros tutelares do DF, em 2023.
“O DF foi a unidade da Federação onde as pessoas mais saíram de casa para votar. Isso é uma conquista do trabalho realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, com o apoio da imprensa e de todos os servidores”, citou Belinati. No 2º turno das eleições de 2022, a abstenção na capital federal foi de 16,72%, referente aos 369 mil eleitores que não votaram.
Assista à entrevista:
Leia a entrevista:
O senhor encerrará neste mês o mandato de dois anos como presidente do TRE-DF. Qual que é o legado da sua gestão?
Nós tivemos várias conquistas nessa gestão de dois anos. No ano passado, promovemos as eleições gerais aqui no Distrito Federal, um trabalho maravilhoso da nossa equipe. Conquistamos o primeiro lugar do Brasil em número de abstenções. O DF foi a unidade da Federação onde as pessoas mais saíram de casa para votar. Isso é uma conquista do trabalho realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, com o apoio da imprensa e de todos os servidores do tribunal. Então, foi uma grande vitória, porque ganhamos de todos os estados brasileiros. Na apuração dos votos, nós também saímos na frente. A unidade que teve a apuração em primeiro lugar foi do Distrito Federal no primeiro turno. Então, tudo isso mostra que o trabalho realizado pela Justiça Eleitoral foi eficiente e que deu tudo certo. Promovemos eleições absolutamente seguras e transparentes. Passamos a consciência para os eleitores de que eles deveriam votar para escolher os melhores candidatos para o nosso país. E assim o fizeram. Então, todos que foram eleitos tomaram posse, as urnas retrataram a vontade popular. E o TRE participou desse momento histórico. Então, nós estamos muito felizes porque conseguimos essa grande vitória nas eleições gerais do ano passado.
O TRE-DF deu início ao programa Eleitor do Futuro, para emissão do título de eleitor nas escolas. O senhor acha que a juventude está mais interessada na política? E como é que vai funcionar esse programa?
Eu vejo a juventude preocupada com o futuro do Brasil. Está interessado na política. Mas está faltando, nesse momento, o incentivo para que esses jovens procure mais os partidos políticos e acompanhem as notícias que vêm do próprio governo para exercerem com mais profundidade a sua cidadania. Aqui no Distrito Federal, nós temos hoje cerca de 40% dos jovens até 24 anos que ainda não fizeram o seu alistamento eleitoral, não tiraram o título de eleitor. Então o TRE-DF, a Secretaria de Justiça e Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal está fazendo uma campanha hoje no Distrito Federal para conscientizar a nossa juventude, a partir de 15 anos de idade, a fazer o título de eleitor. Só não pode votar com 15 anos. O jovem só vai poder votar a partir dos 16 anos.
Então, nós vamos mobilizando toda as escolas aqui do DF pela imprensa, pedindo para os pais encaminhar os seus filhos a fazerem o título de eleitor. Isso é importante porque o jovem precisa ter essa consciência de que ele faz parte desse país. Ele não é apenas o futuro, porque a já é uma palavra. O jovem é o futuro do Brasil. O jovem já é um presente. Se ele, com 16 anos, já pode escolher o presidente da República, então ele já é o presente. Ele já está participando da vida ativa de nossa nação. E ele, jovem, também é responsável pela construção da nossa pátria. Então, é isso que nós queremos deixar para a nossa juventude, essa consciência. E, também, estimular o jovem a começar a pensar no futuro dele como político, porque amanhã esse jovem vai ser o presidente da República, o senador, ele vai ser o governador, vai ser o deputado. Ele como jovem já tem que começar a refletir sobre essa possibilidade de ser um representante popular amanhã no Congresso Nacional, no Senado e até na Presidência da República. Será que os jovens não estão desestimulados? De certa forma, estão. Isso a gente vê pelo percentual elevado desses jovens que eu falei – 40% ainda não tiveram o título de eleitor, já poderiam ter feito, mas não tiveram – e até mesmo no Congresso Nacional. Você entra lá na Câmara e tem poucos deputados. A maioria já tem uma certa idade. Então, isso significa que a nossa juventude precisa procurar mais o interesse pela política.
Os próprios partidos deveriam até pensar numa cota, quer dizer, uma cota. Como tem as mulheres: nos partidos tem que registrar pelo menos 30% de candidatos mulheres. Eu acho que deveria haver uma cota também para os nossos jovens, uma para até certa idade. Os partidos deveriam lançar o jovem desse sentido, de estimular a participação mais efetiva. E nossa juventude, Nós precisamos dos jovens. E esse é o ciclo normal da vida.
Brasília foi palco de um grave e tentativa de atentado à democracia do país. A essa altura, mais de um ano depois, e com todos os fatos que já vieram à tona, o senhor acredita que houve, de fato, um plano para uma tentativa de golpe?
Nós fizemos eleições belíssimas em Brasília, uma das maiores eleições da nossa história. É verdade, não tivemos nem um incidente grave. Se você disser: ‘Ah, mas a polícia registrou dois homicídios no dia das eleições’. Esses homicídios não tinham nada a ver com as eleições. Foram em decorrência de briga de gangues numa cidade satélite do Distrito Federal. Então, o clima das eleições passadas foi maravilhoso, 100%. Nenhum incidente foi registrado envolvendo as eleições. Então, o saldo é feliz. Fizemos uma das solenidades de diplomação dos candidatos eleitos, que foi considerada a mais bonita da história. Cerca de 3 mil pessoas se reuniram no Centro de Convenções para homenagear os candidatos eleitos. O TRE abriu espaço para que os mais votados tivessem o seu pronunciamento. Então, o centro de convenções tremeu. Quando nós visitamos a presença da ex-primeira-dama [Michelle Bolsonaro] no local, o centro tremeu. Parecia que ia cair de tanta vibração. Ou seja, todas as pessoas tiveram a oportunidade de se manifestar democraticamente na solenidade de diplomação dos candidatos. Então, o nosso clima aqui no DF era de alegria, de felicidades e comemoração.
E, de repente, veio a notícia de que estão quebrando os prédios da Praça dos Três Poderes. Eu estava em casa almoçando quando recebi essa notícia e corri para o TRE. E eu fiquei preocupado, naquele momento, que alguém pudesse apedrejar o prédio, jogar pedra, colocar fogo, invadir, porque a passeata passou na frente do prédio do TRE-DF. Nós convocamos a Polícia Militar, que deu toda a cobertura, protegendo o prédio.
Nós ficamos muito tristes com esses atos de vandalismo. Então, vendo os prédios destruídos, nosso patrimônio histórico. Isso deixou o Distrito Federal e o povo do Brasil entristecido. Agora você me pergunta: na sua opinião, o que deve ter acontecido? Naquele momento das invasões, a imprensa me procurou, queria saber que eu estava achando aquilo, o que estava acontecendo e eu preferi não me manifestar naquele momento. Eu me lembro que eu conversei até com a jornalista Lilian Tahan, aqui do Metrópoles, e perguntei: ‘Você acha que eu deva falar agora? Porque que eu estou com vontade de falar. Nós fizemos eleições maravilhosas no DF. Agora vem essa vergonha aqui para o Distrito Federal. A população está chocada com tudo isso. Nós não merecíamos esses atos de vandalismo’. Aí a Lilian me sugeriu: ‘Olha, desembargador, eu acho melhor só esperar um pouco. Vamos esperar a apuração, saber o que realmente aconteceu’. E eu segui até a orientação da Lilian. Me recusei a dar entrevista.
Mas, hoje, depois de tudo que eu ouvi sobre esses atos, eu cheguei à seguinte conclusão: realmente houve planejamento para o golpe de Estado, conforme está decidindo o Supremo Tribunal Federal. Esse golpe, na minha opinião, e pelos fatos que têm sido noticiados, foi planejado. Lideranças se infiltraram na passeata, coordenaram a passeata para uma parte se dirigir ao Congresso, a outra ao Palácio do Planalto e a terceira parte para o Supremo Tribunal Federal para quebrar, para criar a desordem e, em seguida, [dar] o golpe de estado para restabelecer a ordem.
Roberval Belinati, presidente do TRE-DF
E é o que a gente tem visto aí pela pela divulgação dos fatos. Então, o que aconteceu? Hoje eu respondo: eu entendo, diante de tudo que foi falado, que planejaram o golpe de estado. Por falta de apoio superior, do próprio governo na época, não se concretizou o golpe. Se a cúpula superior tivesse apoiado, certamente que isso teria ocorrido. É a mesma opinião do ministro Alexandre Moraes. Ele entende que houve uma tentativa de golpe e os fatos estão sendo veiculados a todo momento.
Dá para afirmar que houve, de fato, a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro?
Eu acho que muita gente estava envolvida nesse planejamento. Prefiro não citar nomes.
Presidente, em 2024, o Distrito Federal não tem eleições, mas o restante do país vai às urnas. O TRE-DF se colocou à disposição das demais unidades da Federação?
Até o dia 8 de maio, os eleitores do Distrito Federal e do Brasil poderão regularizar sua situação na Justiça Eleitoral. Então, quem não votou e está com o título suspenso vai poder pagar a multa, deixar tudo em ordem para poder votar nas eleições municipais. No Distrito Federal, nós não vamos ter eleições para prefeito nem vereadores, porque não temos prefeito nem vereadores. Nós temos 35 administradores nomeados pelo governador. Então o povo do DF não vota nas eleições municipais. Mas o povo vai fazer o quê? Não vai fazer nada. Agora, quem quiser votar numa outra cidade, transferir o seu título de eleitor por mudança de domicílio, vai ter até o dia 8 de maio, data do fechamento do cadastro eleitoral. Você deve procurar a Justiça Eleitoral ou o cartório ou o próprio site do TRE-DF para regularizar a sua situação.
No dia da eleição, o TRE vai ficar de plantão para orientar as pessoas que não puderem votar no seu município. Então, a equipe da Justiça Eleitoral vai trabalhar normalmente para fazer essa orientação.
Presidente, no último fim de semana, o dono do X, o antigo Twitter, o bilionário Elon Musk, entrou em embate com o ministro Alexandre de Moraes. O bilionário chamou o ministro Alexandre de ditador brutal e ameaçou descumprir decisões judiciais daqui do nosso país. Esse embate reacendeu a discussão sobre a necessidade da regulamentação das redes sociais. Hoje, a internet no Brasil é uma terra sem lei?
Nós estamos precisando de regulamentação urgente e o Congresso Nacional já se manifestou que vai fazer isso para regularizar essa terra sem lei, chamada pelo próprio Alexandre de Moraes. Não podemos tolerar interferência externa na nossa soberania. Então, se o trilionário tem projetos para o Brasil, ótimo. Nós queremos receber todas essas pessoas. Mas o que o Brasil não pode aceitar é a interferência de uma pessoa na nossa política, no nosso ordenamento jurídico. Então, se esse trilionário quiser trabalhar aqui no Brasil, vai ter que respeitar a nossa lei, não vai poder chegar aqui e querer desrespeitar e ainda defender o impeachment do ministro que está cuidando dessa parte. Então, a minha solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes e o apelo a todas as pessoas que quiserem vir para o Brasil, sejam bem-vindas, mas aqui têm que respeitar a nossa legislação.
O senhor foi eleito o primeiro vice-presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e vai assumir esse novo cargo já agora no final deste mês de abril. Como é que o senhor se prepara para essa nova função?
A grande honra que eu tive de ter ajudado a organizar as eleições gerais, quando o DF foi o campeão em matéria de abstenção. Foi o primeiro lugar. Fizemos a solenidade de diplomação, considerada a mais festejada da história. Infelizmente, passamos pelo dia 8 de janeiro com esses atos de vandalismo. Organizamos as eleições dos Conselhos Tutelares. O DF foi o campeão do Brasil, a unidade onde as pessoas mais votaram para escolher os conselheiros: 232 mil pessoas votaram. Aí você vai dizer: ‘Ah, mas 232 mil, numa eleição facultativa, com 2,2 milhões de eleitores. O voto, como eu disse, não era obrigatório. Mas, para você ter uma ideia, em São Paulo – olha, São Paulo é o mundo – votaram 200 mil. No Rio de Janeiro, votaram 130 mil pessoas. Então, o DF foi o campeão no Brasil inteiro, o lugar onde as pessoas mais votaram para os conselheiros. Graças ao trabalho maravilhoso da equipe do TRE e das lideranças civis e políticas que ajudaram nessas eleições. O TRE não apenas emprestou as urnas, ele se envolveu com essas eleições convocando a população para participar e deu tudo certo.
Outra grande vitória que nós estamos tendo é essa campanha de mobilização para o alistamento da nossa juventude; a criação de 89 cargos; a instalação da Central de Atendimento ao Eleitor, que vai funcionar no prédio sede do TRE-DF, nós vamos reunir no local 15 cartórios eleitorais, vai proporcionar uma grande economia para a Justiça Eleitoral e vai melhorar ainda mais o atendimento aos eleitores.
Eu quero agradecer a todos que me apoiaram nessa gestão e agradecer a você, à Lilian, ao site Metrópoles, à toda a imprensa do Distrito Federal e do Brasil. Sem esse apoio, nós não teríamos conseguido tantas conquistas nesse espaço de dois anos.
Então, agora, no dia 22, e eu me despeço da Presidência e assumirei, com a graça de Deus, a primeira vice-presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Qual vai ser a minha competência? O primeiro vice substitui o presidente, nas suas ausências; cuida da posse dos novos servidores no concurso para juiz. E nós temos hoje, no TJDFT, 109 vagas para juiz. Então, a primeira preocupação vai ser fazer concurso para juiz.
Então pode dizer que tem concurso à vista?
Vamos ter concurso para juiz de direito substituto. Então, são 109 vagas. É muito importante. A Primeira Vice-Presidência vai cuidar da memória do tribunal, dos arquivos, cuida da jurisprudência, da distribuição do protocolo. Então, nós vamos ter muito trabalho pela frente. Não vai dar tempo de tirar férias. Vamos sair do TRE e já vamos assumir o cargo de primeiro vice-presidente.
Então eu quero aqui deixar a minha gratidão a todos que me ajudaram. Sem esse apoio eu não teria conseguido cumprir a minha missão. E que Deus seja louvado por tudo o que foi feito e por essa oportunidade que eu recebi na minha vida. E eu afirmo aqui para você: um dos melhores momentos da minha vida profissional, especialmente com o magistrado, foi ter presidido o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Foi um dos momentos mais feliz da minha carreira. Então eu agradeço muito a Deus e a todos que me ajudaram.
Existe um projeto para ampliar os cargos do TRE-DF. Em que pé está?
Nós temos um quadro pequeno no TRF-DF. O ministro Alexandre de Moraes ajudou muito o TRE. Ele liberou R$ 13 milhões para fazer a obra da instalação da Central de Atendimento ao Eleitor. E, agora, mandou para o Congresso Nacional um projeto de lei criando mais 89 cargos para o TRE-DF. Então, 89 pessoas serão contratadas. Esse projeto já foi encaminhado ao Congresso Nacional, deverá ser aprovado brevemente e esperamos que, até o final do ano, já tenha sido publicado edital para o concurso.