Fabiana Costa: “MPDFT se fortaleceu pelo diálogo sem descuidar do papel fiscalizador”
A procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal, Fabiana Costa, deixará a chefia do MPDFT esta semana, após quatro anos no cargo
atualizado
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Fabiana Costa se despede, esta semana, da chefia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) após quatro anos como procuradora-geral de Justiça do DF.
Em entrevista à coluna Grande Angular, Fabiana falou sobre o legado da gestão, os desafios da pandemia de Covid-19 e a relação institucional com os órgãos alvos de operações do MPDFT.
“Não tenho dúvidas que deixamos um Ministério Público mais fortalecido, mais próximo da sociedade e com alguns passos à frente na modernização tecnológica. O MPDFT de hoje é uma instituição que se fortaleceu pelo diálogo com outras instituições, sem descuidar do seu papel fiscalizador”, afirmou.
Fabiana Costa tem 47 anos e atua como promotora de Justiça desde 2000. Ela integrou a lista tríplice para a Procuradoria-Geral de Justiça do DF, cargo mais alto do MPDFT, em 2018 e 2020. Ela foi nomeada pelo então presidente Michel Temer (MDB) e, no segundo mandato, por Jair Bolsonaro (PL).
Nos últimos quatro anos, o MPDFT atuou além das paredes do tribunal e fez mais de 170 projetos com retorno imediato para a comunidade em áreas como a proteção à população de rua e acolhimento de vítimas de violência doméstica.
Um dos marcos da atual gestão é o avanço na modernização e extinção dos inquéritos físicos, em agosto deste ano. Agora, todos os documentos tramitam pelo processo judicial eletrônico.
No âmbito das investigações, o MPDFT desenvolveu parceria com o Ministério Público de outras unidades da federação e compartilhou a expertise da estrutura de combate a crimes cibernéticos e proteção de dados. O MPDFT é pioneiro nas investigações de crimes financeiros por meio de criptoativos e foi um dos responsáveis pela apreensão de R$ 1,6 milhão em criptomoedas, em recente operação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
“Esse movimento de colaboração potencializa o uso de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. Permite a ampliação do conhecimento, traz segurança na tomada de decisões e, muitas vezes, é fundamental para a conclusão de uma investigação”, disse Fabiana.
Ela dará lugar para o promotor de Justiça Georges Seigneur, nomeado novo procurador-geral do MPDFT no último dia 4 de novembro.
O novo chefe do órgão é da equipe de Fabiana Costa, na qual atuou como chefe de gabinete, e deve dar andamento a projetos iniciado pela antecessora. A posse de Georges Seigneur será na próxima segunda-feira (12/12).
Confira a entrevista com Fabiana Costa, na íntegra:
Encerrando o quarto ano à frente do MPDFT, qual o legado da sua gestão?
Não tenho dúvidas que deixamos um Ministério Público mais fortalecido, mais próximo da sociedade e com alguns passos à frente na modernização tecnológica. O MPDFT de hoje é uma instituição que se fortaleceu pelo diálogo com outras instituições, sem descuidar do seu papel fiscalizador. Firmamos muitas parcerias. Somente nos últimos dois anos, foram mais de 30, principalmente para compartilhamento de dados em áreas investigativas, para o fomento de políticas públicas e promoção do conhecimento. Nossas portas estão sempre abertas aos cidadãos, às faculdades, às instituições públicas, às organizações não governamentais que queiram atuar de forma participativa na promoção da Justiça e da paz social.
A senhora esteve no comando do MPDFT durante a pandemia de Covid-19. Como foi chefiar o órgão neste período?
Agimos em diversas frentes e reafirmamos o valor do compromisso público. Montamos uma força-tarefa com mais de 40 promotores de Justiça e procuradores de Justiça, criamos um gabinete de crise e um grupo de trabalho especial para cuidar do atendimento. Além disso, as promotorias que têm atribuição nas áreas afetadas continuaram exercendo suas atividades. Fomos atuantes na defesa do patrimônio público, onde realizamos uma das maiores operações na área da saúde. Atuamos diuturnamente na defesa da vida; da educação; dos direitos do consumidor; dos direitos humanos e da pessoa idosa, entre outras áreas. Reforçamos iniciativas contra a violência doméstica, que se intensificou; fizemos campanhas de esclarecimento e crescemos nossa presença nas redes sociais, que é uma importante ferramenta de comunicação. Também reformulamos o atendimento para assegurar que o cidadão tivesse a assistência adequada. O resultado é que, a despeito de todas as mudanças que impuseram o trabalho remoto por quase dois anos, nossos índices mostraram aumento na produtividade.
O que o período de crise ensinou ao MPDFT?
Ensinou muita coisa. Eu penso que o maior aprendizado foi enxergar uma instituição verdadeiramente comprometida com sua missão social. A gente sempre fala sobre isso, mas quando vem uma crise dessa envergadura e todos respondem prontamente, aí percebemos o quanto estamos amadurecidos.
De que forma o MPDFT ajudou diretamente a população durante sua gestão?
Olha, é até difícil fazer um recorte porque atender a população é parte de nossa missão. Somos uma instituição que se move pelo propósito de servir. Mas acho que vale a pena falar de iniciativas na esfera extrajudicial. Cito, por exemplo, os projetos voltados à mobilidade urbana, ao apoio às vítimas de violência doméstica e ao uso racional dos recursos oriundos da aplicação de medidas alternativas, que já viabilizaram a instalação de quadras esportivas, construção e manutenção de creches e escolas, centros de formação, entre outros. Também há projetos voltados à comunidade carcerária; à recuperação de crianças e adolescentes em situação de risco; à proteção da população de rua e acolhimento de vítimas de violência doméstica, inclusive estes dois últimos foram premiados pelo Conselho Nacional do Ministério Público agora em novembro. Enfim, são mais de 170 projetos oficializados na instituição, sem mencionar aqueles que são feitos por iniciativa local, no âmbito das promotorias de Justiça.
Qual foi o maior desafio da senhora diante do cargo?
A pandemia. Não poderia ser diferente quando falamos de uma instituição que se encarrega dos direitos fundamentais, como a saúde, a educação, a mobilidade, a vida. Foi um momento que exigiu mão firme nas investigações e no acompanhamento da gestão dos recursos públicos, além de muito diálogo e colaboração a fim de viabilizar as providências necessárias à garantia de vacina, leitos nos hospitais, etc.
O que o período de pandemia e teletrabalho deixa de aprendizado para o MP?
Aprendemos muito sobre colaboração, trabalho em equipe, disponibilidade e adaptabilidade. Verificamos que essas são características dos membros e servidores que muito nos favoreceram. O processo judicial eletrônico, por exemplo, avançou muito nesse período. Em agosto de 2022, nos despedimos do último inquérito físico, que virou peça de exposição em nosso Espaço Memória. Hoje, no MPDFT, não possuímos mais inquéritos e processos em papel. Para a sociedade, os ganhos são imensos: agilidade, transparência, acessibilidade para as partes e economia de recursos públicos.
Como o MPDFT trabalhou e tem trabalhado na parceria com os outros MPs do Brasil?
Existe uma cultura de colaboração muito positiva no Ministério Público brasileiro. Desde que assumi o primeiro mandato, fomos pesquisar as melhores práticas em outros estados. Compartilhamos tecnologia, informações e conhecimento. O MPDFT tem uma tradição na produção de sistemas e aplicativos, tem uma força muito grande também na área investigativa. Somos precursores na criação de estrutura de combate a crimes cibernéticos e que envolvem proteção de dados. Somos pioneiros nas investigações de crimes financeiros por meio de criptoativos. A última operação do MPMG, nessa área, por exemplo, contou com amplo apoio do MPDFT e resultou na apreensão de R$ 1,6 milhão em criptomoedas.
Qual o resultado dessa troca de expertises?
O resultado precisa ser sempre em favor da sociedade. Esse movimento de colaboração potencializa o uso de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. Permite a ampliação do conhecimento, traz segurança na tomada de decisões e, muitas vezes, é fundamental para a conclusão de uma investigação. Parcerias que mantemos com órgãos de investigação e de controle, por exemplo, têm sido muito exitosas no combate ao crime organizado.
O sucessor da senhora, Georges Seigneur, atuou na sua gestão. Quais as medidas implantadas pela senhora que devem ser mantidas nos próximos anos?
Nós temos um planejamento estratégico que foi aprovado neste ano e que tem validade de cinco anos. Ele foi feito com a participação de toda a instituição e com base nas diretrizes do CNMP. Também revisamos nossa cadeia de valores com o intuito de alinhar ainda mais os objetivos estratégicos do MPDFT aos anseios da sociedade. O dr. Georges Seigneur participou ativamente desse trabalho, então eu creio que temos a tranquilidade de saber que será uma gestão pautada pelo fortalecimento do Ministério Público e por maior aproximação com a sociedade, um direcionamento que temos seguido nos últimos anos.
Nos últimos quatro anos, o MPDFT deflagrou operações na Câmara Legislativa do DF e no Governo do DF. Como ficou a relação com os demais órgãos?
Temos uma linha de pensamento que é primar pela busca de soluções efetivas para os problemas da sociedade, sem descuidar do cumprimento da Lei e do respeito às atribuições institucionais. O diálogo é importante, principalmente no campo das políticas públicas, e acontece na esfera institucional. O combate aos crimes de corrupção não deve interessar apenas ao MPDFT, mas também às próprias instituições que, muitas vezes, são alvos nas investigações.
Quais os desafios para a próxima gestão?
O combate à corrupção é sempre um grande desafio no Brasil. Mas há muitos outros atrelados a temáticas sociais. O Ministério Público precisa estar cada vez mais próximo da sociedade. O cidadão precisa saber que estamos aqui para defender os seus direitos. É preciso conhecê-los porque somente assim é possível exercer a cidadania. Teremos questões sociais pós-pandemia que exigirão um olhar atento dos órgãos de controle e de fiscalização, além de desafios internos como prosseguir com a modernização e o aprimoramento contínuo dos serviços.