Escutas revelam troca de favores entre Tokarski e sócios do Na Praia
Transcrição das conversas embasou a decisão do juiz que autorizou a operação de busca e apreensão na casa do ex-secretário do GDF
atualizado
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Alvo de operação de busca e apreensão na terça-feira (16/10), o ex-secretário de Meio Ambiente Igor Tokarski teria trocado favores com os sócios da R2 Produções, que realiza o Na Praia. Parte do evento é financiada com subsídio público. A relação do ex-integrante do alto escalão do Palácio do Buriti com os empresários é constatada em escutas telefônicas feitas pela Polícia Civil com autorização judicial. Nos grampos, a Justiça viu indícios da mistura de interesses privados com os públicos envolvendo os investigados na Operação Praia de Goa, que apura a concessão de benefício de R$ 3,7 milhões do GDF à R2.
A relação entre Tokarski e os produtores é detalhada na decisão do juiz André Ferreira de Brito, da 2ª Vara Criminal de Brasília. O magistrado ressalta o “vínculo pessoal e financeiro” entre os investigados. Brito autorizou a investida de agentes da Coordenação de Combate ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e contra a Ordem Tributária (Cecor) na casa de Tokarski, na Asa Sul, para recolher aparelhos eletrônicos e documentos.
O documento, ao qual a Grande Angular teve acesso na íntegra, reúne transcrições de ligações telefônicas dos sócios da produtora, interceptadas pela polícia, nas quais o nome de Tokarski é citado várias vezes.
Conforme revelam as conversas, o ex-secretário – que se desincompatibilizou do posto para concorrer ao cargo de deputado distrital pelo PSB, partido do governador Rodrigo Rollemberg –, teria pedido aos sócios da produtora uma ambulância emprestada. A viatura seria utilizada durante o evento de lançamento da candidatura de Tokarski, realizado em 26 de junho.
A conversa transcrita foi entre Agnaldo Costa Silva, sócio da Bloco A Produção e Locação de Estrutura para Eventos, e um homem não identificado pelos investigadores. Veja o trecho da decisão judicial:
Outro fator que liga Igor à R2 Produções é uma doação de R$ 30 mil, feita neste ano por Rafael de Araújo Damas, um dos donos da empresa, para a campanha de Tokarski à Câmara Legislativa. A transação bancária foi efetuada cinco dias antes da operação policial, deflagrada em 18 de setembro deste ano.
Na decisão judicial, o magistrado relata que Rafael falou a um interlocutor que “teria realizado doação de campanha ao representado [Igor Tokarski], o qual já teria lhe ajudado muito”. O investimento não ajudou o ex-gestor a se eleger: com 7.453 votos, Tokarski foi eliminado da disputa pelo parlamento distrital.
Passe livre
Em outra conversa interceptada e transcrita na decisão judicial, outros sócios da R2, Bruno Sartório Silva e Eduardo José de Azambuja Alves, que é filho do ex-ministro de Turismo Henrique Eduardo Alves, conversam sobre a “autonomia” de Tokarski para liberar o acesso de pessoas ao Na Praia. Na ligação, é citada a presença do governador Rodrigo Rollemberg em um dos dias do festival deste ano.
Confira a transcrição do diálogo:
Exclusividade de espaço público
A peça judicial também indica que Igor atuou para favorecer os empresários ao impedir que uma produtora concorrente alugasse a Torre de TV Digital para uma festa. O espaço público é utilizado em um dos grandes eventos da R2, a Surreal. No diálogo, Rafael Damas e Bruno Sartório combinam o que irão falar para Tokarski a fim de evitar que a Terracap ceda o espaço para outro grupo.
“Sartório diz para Rafa ver a melhor forma de falar para não exporem a Terracap. Rafa diz que falará direto com ele [Tokarski] que pretendem fazer a Federal Music na Torre Digital, pois parece que estavam ajudando eles, e isso é péssimo. Precisava que dessem essa força, que já tem a Surreal e queriam ir para a Asa Norte, mas não dá para fazer lá e falará isso. Sartório diz que fechou e pede para Rafa ligar para o Igor pelo WhatsApp”, relatam os investigadores. O magistrado ressalta que a primeira investida policial encontrou registro de ligação de Bruno Sartório para Igor Tokarski.
Ao liberar a operação de busca e apreensão, o juiz anota: “Tais indícios conferem plausibilidade à linha investigativa de que o representado [Igor Tokarski] possa ter atuado frente à administração pública com vistas a beneficiar o grupo, já que é demonstrado um vínculo entre estes tanto pessoal quanto financeiro (doações de campanha e benesses nos eventos do grupo)”.
Confira:
Busca e apreensão
Na decisão do dia 4 de outubro, o juiz determina que a operação de busca e apreensão seja realizada após o primeiro turno das eleições. O magistrado pede ainda que os agentes sejam discretos, evitando, por exemplo, utilizar viaturas caracterizadas.
De acordo com relatório da operação deflagrada na terça-feira (16), ao qual a Grande Angular também teve acesso, foram recolhidos na casa de Tokarski duas agendas, dois notebooks, três pendrives, dois iPads, um iPhone e documentos diversos. O ex-secretário teria colaborado com os agentes da Polícia Civil.
Como Tokarski é formado em direito, a operação foi acompanhada por integrantes da Ordem dos Advogados Seccional Distrito Federal (OAB-DF). Tokarski foi administrador do Plano Piloto, nomeado logo após a posse de Rollemberg, em 2015.
A sede da administração, inclusive, foi um dos 15 alvos de busca e apreensão em setembro, também no âmbito da Praia de Goa. Além da concessão dos benefícios fiscais, entrou na mira da PCDF a emissão de alvarás e licenças de funcionamento para o evento.
O ano em que foi administrador do Plano Piloto coincide com a primeira edição do Na Praia no Distrito Federal. A atração se tornou grandiosa e conta com artistas de grife nacional. Em 2018, inclusive, houve transmissão ao vivo em canal fechado de TV.
Muito próximo a Rollemberg, Tokarski sempre ocupou posições de destaque no Executivo. Ele já atuou como secretário adjunto de Relações Institucionais e Sociais e assessor parlamentar do GDF na Câmara Legislativa.
O outro lado
Procurado pelo Metrópoles na manhã de quarta-feira (17), Tokarski disse estar perplexo com a situação. “Desconheço completamente o motivo dessa medida, certamente fruto de alguma desinformação ou mal-entendido nesse período de disputa eleitoral. Tenho convicção de que agi com total lisura e honestidade em todos os momentos, por isso tenho pleno interesse em colaborar e esclarecer tudo que for necessário para desfazer esse equívoco”, ressaltou, por meio de nota.
Após ter acesso à decisão judicial, a reportagem tentou entrar em contato novamente com o ex-secretário. Foram feitas diversas ligações para Igor Tokarski, nenhuma delas foi atendida. Até a última atualização deste texto, o ex-integrante do alto escalão do Palácio do Buriti não havia se pronunciado sobre o assunto.
A R2 Produções reiterou, por meio de nota, “a legalidade e transparência de todas as suas atividades”. Sobre as investigações afirmou que “os sócios estão à disposição das instituições a qualquer momento, ressaltando que até hoje a empresa não teve acesso aos autos, caracterizando o cerceamento da defesa, uma garantia sagrada assegurada pela constituição”. Agnaldo, sócio da Bloco A Produção e Locação de Estrutura para Eventos, não foi localizado para comentar o caso.
Praia de Goa
Em 18 de setembro, dia em que foi deflagrada a Operação Praia de Goa, os policiais apreenderam documentos na Administração do Plano Piloto, em casas de servidores e em outros órgãos públicos.
O grupo é investigado por organização criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro. De acordo com a PCDF, o inquérito teve início em 2017, durante a gestão Rollemberg, com a suspeita de desvio de recursos que deveriam ser usados em projetos sociais por meio da Lei de Incentivo à Cultura.
Com base em diligências da polícia, grande parte dos gastos custeados com os recursos da lei foi empregada na aquisição de estruturas para os eventos. No entanto, os investigadores concluíram que havia sobrepreço nos equipamentos. Por exemplo, teria sido comprovado que um gerador foi adquirido por um valor superfaturado em 59%.
Além disso, a R2 Produções, conforme dados da Polícia Civil, alegava gastar dinheiro para comprar tendas, suportes e outras estruturas para os projetos ditos sociais, mas, na verdade, tudo isso já existia no evento principal.
Ministério Público de Contas
As denúncias que deram origem à Operação Praia de Goa também estão sendo apuradas pelo Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC-DF). Chamou atenção do órgão de controle a participação da ex-funcionária da Secretaria de Cultura Moema Gomes de Faria no quadro de empresa ligada à R2.
Segundo a representação do MPC-DF, assinada pelo procurador substituto Marcos Felipe Pinheiro Lima, um dos sócios da R2, organizadora do Na Praia Social, aparece como gestor financeiro do Na Praia Cultural, cuja proponente é a sociedade empresária Banda Fura Olho Ltda., atual Ipê Entretenimento.
O Ministério Público de Contas identificou que a alteração do nome empresarial se deu após a aquisição das cotas da empresa, em 25 de maio de 2017, por parte de Moema Gomes de Faria, que era coordenadora de Fomento e Incentivo Cultural da Secretaria de Cultura, cargo do qual foi exonerada em 3 de março de 2016.