“Dívida do Jerry”: pacientes e funcionários acusam psicólogo de golpe
Pessoas supostamente lesadas por Jerry Souza da Costa criaram o grupo chamado “Dívida do Jerry”. Ao menos cinco já o denunciaram à PCDF
atualizado
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O que era para ser uma relação de respeito e ajuda em momentos de angústia se transformou em pesadelo para pacientes que acusam o psicólogo Jerry Souza da Costa, 34 anos, de estelionato. Ex-funcionários também acusam o profissional de não pagar dívidas, além de cometer falsidade ideológica e exercício ilegal da medicina.
As pessoas que se dizem vítimas do psicólogo criaram um grupo no WhatsApp chamado “Dívida do Jerry”, que contava com 24 integrantes até essa sexta-feira (25/8).
Encorajadas pelos relatos semelhantes contra o profissional, ao menos cinco pessoas já registraram boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contra o psicólogo, dono da clínica Zuza, de Brasília.
Uma delas é o enfermeiro José Abimael Ferreira Abílio, 37. Ele conta que procurou a clínica em busca de apoio psicológico e começou a ser atendido por Jerry, em 2020. O enfermeiro contou à coluna Grande Angular que Jerry estreitou os laços e começou a mandar mensagens pelo WhatsApp fora do horário das sessões.
José Abimael passou a vê-lo como amigo, até o momento no qual Jerry pegou um total de R$ 4.845 emprestados e pagou apenas R$ 2 mil, em descompasso com o Código de Ética da Psicologia, que proíbe a prática de atos de exploração.
“Sem nenhuma cerimônia, ele começou a pedir dinheiro. Primeiro, foram R$ 100. Ele dizia que o banco estava com problema e prometia devolver logo. Depois, pediu R$ 700, mais mil e poucos reais, sempre via Pix. Quando juntou mais de R$ 4,5 mil, ele começou a esquecer das minhas consultas”, relatou José Abimael à coluna.
Segundo o ex-paciente, Jerry pagou a ele apenas R$ 2 mil, após muita insistência. “Depois disso, ele sumiu, me bloqueou. Quando ia na clínica, se escondia e dizia para as funcionárias que eu era esquizofrênico e estava em surto psicótico”, afirmou. José Abimael denunciou o psicólogo à Polícia Civil do DF.
Veja trechos da conversa de Jerry com José Abimael:
A servidora pública federal R.G. também registrou boletim de ocorrência contra Jerry, no último dia 16 de agosto. A mulher disse que estava vulnerável e fragilizada quando procurou ajuda na clínica e foi atendida por Jerry. Ela contou ter emprestado R$ 14 mil para o psicólogo, que nunca pagou e a deixou “totalmente endividada, com restrições no CPF e na Serasa”.
“No dia 3 de outubro de 2022, Jerry me ligou dizendo que estava próximo da minha residência e perguntou se poderia ir lá, o que eu estranhei. Ele sabia tudo que eu estava passando, utilizou da minha fragilidade emocional e me pediu R$ 18 mil para pagar outra sala a fim de economizar no aluguel. Tirei do limite do meu cartão de crédito R$ 14 mil”, relatou a mulher em denúncia à PCDF.
No dia da transferência do montante, Jerry enviou mensagem à paciente agradecendo pelo empréstimo. “Você é um ser humano incrível. E amei o seu apartamento”, declarou, em referência à visita à casa da mulher. O combinado era que o psicólogo devolvesse os R$ 14 mil até o vencimento da fatura do cartão de crédito da servidora, no fim do mês de outubro de 2022.
Como não cumpriu com o acordo, R.G passou a cobrar Jerry pelo WhatsApp, mas ele dizia que aguardava o pagamento de convênios e que estava com problemas familiares e de saúde.
“Esse não é um profissional. Ele é um estelionatário que usou da minha incapacidade mental para me lesar financeiramente”, lamentou a mulher.
Ex-funcionários e amigo
Uma médica psiquiatra que trabalhou na clínica Zuza, entre agosto e setembro de 2022, disse à reportagem que Jerry usou um carimbo e falsificou a assinatura dela em emissão de atestados, receitas, relatórios e guias de convênio, o que configuraria falsidade ideológica e exercício ilegal da medicina. A mulher, que pediu para não ser identificada, registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil, no último dia 11 de agosto.
“Há umas duas semanas, um ex-paciente me informou que o Jerry vinha usando meu carimbo para assinar documentos da clínica, sendo que eu nunca deixei carimbo nem autorizei que fosse feito algo”, contou.
“Entrei em contato com pessoas que trabalhavam na clínica e descobri que, realmente, ele tinha carimbo meu e que não usava só para receitas, relatórios e atestados, mas também carimbava as guias dos convênios e usava assinatura falsa. Eu nunca autorizei”, enfatizou a psiquiatra.
Uma psicóloga que também prestou serviços na clínica de Jerry por seis meses disse à coluna que ele atrasou pagamentos referentes aos atendimentos realizados no local. Segundo seus cálculos, Jerry deve R$ 2 mil a ela.
“Depois de meses de tentativas infrutíferas, enviei uma notificação extrajudicial com colegas, estipulando um prazo final, que não foi atendido. Desde então, não houve mais contato ou acordo”, contou a colega de profissão, que também pediu para não ser identificada.
Em depoimento aos investigadores, no dia 18 de agosto, a mesma psicóloga relatou que o proprietário da clínica “não devolveu a via do contrato de prestação assinado e há suspeita de que ele esteja recebendo os valores das consultas e os retendo, indevidamente, a fim de enriquecer ilicitamente, apropriando-se dos pagamentos dos médicos, psicólogos e nutricionistas”.
Um outro ex-funcionário denunciou à PCDF ter prestado serviços na clínica de Jerry por quase um ano e fez dois empréstimos, de R$ 3,5 mil, para o psicólogo. Em relação ao trabalho, declarou que recebia apenas R$ 1 mil, o que não correspondia às tarefas desempenhadas no local.
Um ex-amigo de Jerry, que quis ser identificado apenas como F., contou à coluna ter emprestado R$ 6 mil ao psicólogo, em janeiro de 2022, mas ele pagou apenas metade do valor.
“Jerry começou pegando dinheiro com amigos sob pretexto de pagar dívida trabalhista da clínica, mas não devolveu. Depois, começou a pegar empréstimo com psicólogos e médicos. Diante da impunidade, o psicólogo passou a se aproveitar da confiança e da dependência dos pacientes”, afirmou.
Dívida com aluguel
Ainda pesa contra Jerry uma condenação pela 12ª Vara Cível de Brasília pelo não pagamento de R$ 10,3 mil referentes a uma dívida com aluguel de um imóvel localizado em Águas Claras.
Segundo a sentença emitida no último dia 17 de agosto, o profissional deixou de pagar R$ 7,4 mil em aluguel, no período de julho a dezembro de 2022, além de acumular dívida com IPTU, gastos com chaveiro e com a pintura do imóvel.
“Forte nessas razões, acolho a pretensão no sentido de condenar o réu a pagar os valores nominais trazidos na planilha de ID. 149740662 referentes aos aluguéis atrasados, encargos acessórios (IPTU e taxas de condomínio), multa contratual de 10% sobre o valor do débito, incidindo, ainda, correção monetária e juros moratórios de 1% ao mês, expressamente convencionados”, escreveu a juíza Priscila Faria da Silva em sua decisão.
Outro lado
Em nota enviada à coluna, o psicólogo Jerry afirma que “não houve em nenhum momento conduta a ser questionada dentro ou fora” da clínica. Ele afirma que duas ex-colaboradoras “receberam salário, alimentação e passagens, como toda a rescisão contratual”.
“Nossos prestadores têm ciência e são sempre informados sobre acerca (sic) de recebíveis e tratativas, inclusive quando há problemas com pagamentos junto aos planos de saúde — que costumam demorar um pouco mais –, na medida do possível buscamos soluções visando manter o bom andamento da clínica, a valorização de nossos profissionais e o seguimento dos nossos serviços numa conduta ética.”
O psicólogo acrescenta que a “justiça seja feita”. “Estou à disposição para dirimir quaisquer dúvidas, tenho ciência de que minha conduta é ética e meu trabalho realizado de acordo com a moral, não havendo que se falar em golpe ou abuso.”