Criação de camping no fim da Asa Sul fere projeto do Plano Piloto
Uma das principais características da capital federal do Brasil é a escala bucólica, com predomínio da vegetação e de espaços livres
atualizado
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A proposta da criação de camping, comércios e restaurantes no fim da Asa Sul fere o projeto de Brasília que rendeu à capital federal do Brasil o título de patrimônio da humanidade, concedido em 1987, de acordo com especialistas ouvidos pelo Metrópoles.
Conforme revelado pelo portal, na primeira reportagem da série “PPCub: o plano que ameaça destruir a cara de Brasília“, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub) permite trailers, tendas e barracas na região que é a primeira paisagem da cidade vista por quem desembarca no aeroporto local.
O coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Alberto de Faria, disse que camping, comércio e restaurantes na área verde do fim da Asa Sul representam desfiguração “muito grande” do projeto de Lucio Costa, arquiteto responsável pelo Plano Piloto, o coração da capital federal.
“É uma alteração de grande impacto da escala bucólica, fundamental na legislação de preservação do Plano Piloto como patrimônio mundial da humanidade e na concepção do seu criador”, enfatizou o professor.
Ele citou uma declaração de Lucio Costa registrada pela imprensa em 1984, quando o criador do projeto mundialmente reconhecido pelas características únicas visitou Brasília e destacou como a vegetação era importante para a composição da cidade.
A publicação relata o episódio: “Já na chegada, vindo do aeroporto pelo Eixão, Lucio Costa percebeu que o renque de árvores nas superquadras começava a fazer o efeito previsto no Memorial Descritivo do Plano Piloto. Foi emocionante, a cidade estava toda verde, florida. Ele ficou extasiado. E comentou: ‘Pode-se ver o cinturão verde das quadras…'”.
Ainda segundo Alberto de Faria, o PPCub “deve garantir a preservação da paisagem de Brasília como um todo e não assumir a função de plano de uso e ocupação do solo, em detrimento da política de preservação do Plano Piloto”.
Veja as imagens do local que pode abrigar, em breve, o acampamento:
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg disse que o projeto de Lucio Costa para a capital federal não previa qualquer adensamento nos limites das asas Sul e Norte.
“O projeto de Lucio tinha a preocupação de evitar conurbação, ou seja, evitar qualquer adensamento de continuidade nos limites Norte e Sul do Plano Piloto, que desfiguraria o projeto original. Daí a destinação de parque com esse papel limitador. Ainda que os comércios de apoio para um camping sejam de um pavimento, é questionável essa destinação por constituir um espraiamento ou espalhamento do projeto original no limite Sul”, explicou o docente.
Áreas mais discretas e reservadas, sem maior impacto paisagístico na capital federal do Brasil, seriam mais adequadas para abrigar o camping, de acordo com o especialista.
Brasília teve um camping, até 2014, que funcionava de forma irregular no Albergue da Juventude, região onde hoje é o Noroeste. Segundo Benny Schvarsberg, esse local, por exemplo, seria mais apropriado para as tendas, as barracas e os trailers, além das construções de apoio do camping por não desfigurar o Plano Piloto, tombado em níveis mundial, nacional e distrital.
Parque verde e livre
Coordenador do Núcleo do Distrito Federal do Comitê Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), o arquiteto e urbanista Juliano Loureiro de Carvalho destacou que um dos aspectos fundamentais de Brasília – reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) – é “a capacidade de se perceberem a forma e os limites do Plano Piloto em meio a seu entorno livre e verde”.
Para Carvalho, qualquer intervenção nessa região no fim da Asa Sul deve ser muito bem detalhada. “Assim, é fundamental que a área em questão permaneça com características de parque verde e livre, sendo necessário limitar previamente e precisamente a intensidade da ocupação por campings, equipamentos de apoio ou qualquer outra estrutura”, enfatizou.
Uma das principais características da capital é, justamente, a escala bucólica, com predomínio da vegetação e dos espaços livres para compor a paisagem da cidade-patrimônio, o que será comprometido com a permissão de tendas, trailers e quiosques bem na porta de entrada de Brasília.