Chefe do Instituto de Cardiologia que defende gestão pelo Iges é sócio do presidente
O interventor no ICTDF, Rodrigo Conti, abriu empresa com o presidente do Iges-DF, Juracy Cavalcante Lacerda Júnior, há 7 meses, na Paraíba
atualizado
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O interventor no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal (ICTDF), que defende a transferência da administração do hospital para o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), Rodrigo Conti, é sócio do presidente do Iges-DF, Juracy Cavalcante Lacerda Júnior, em uma empresa na Paraíba.
Tanto Rodrigo Conti quanto Juracy são médicos e sócios da ERJ Holding e Participações Ltda. A empresa foi aberta em setembro de 2023, em João Pessoa (PB). Eles têm projeto de uma clínica de neurologia na cidade.
Juracy foi aprovado como presidente do Iges-DF em abril de 2023, mesmo mês em que Rodrigo Conti foi nomeado diretor de Atenção à Saúde do Iges-DF. Cinco meses depois, os dois abriram a empresa na Paraíba.
Segundo dados da Receita Federal, a ERJ é uma sociedade empresária limitada que tem como atividade econômica principal “holdings de instituições não-financeiras”. Veja:
Intervenção
O Governo do Distrito Federal (GDF) decretou a intervenção no ICTDF em dezembro de 2023. Rodrigo Conti, que é médico concursado da Secretaria de Saúde do DF, foi designado como o chefe da equipe que passou a gerir o instituto.
Em março de 2024, a Secretaria de Saúde do DF criou um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar estudo técnico preliminar para viabilizar chamamento público para contratação de uma instituição gestora do ICTDF. Rodrigo Conti era um dos integrantes do colegiado.
Em 16 de abril, o Governo do DF enviou à CLDF um projeto de lei que autoria ao Iges-DF a gestão e manutenção do ICTDF. Durante reunião na CLDF, nessa segunda-feira (22/4), Rodrigo Conti defendeu que o Iges-DF assuma o hospital de transplantes.
“A intervenção é um modelo de gestão excepcional e que deve findar. Particularmente, acredito que o Iges-DF tem plena competência para continuar a gestão. O modelo de gestão e de funcionamento do atual corpo clínico deve continuar. O que eu vejo é a necessidade de uma nova gestão séria e transparente para que o ITCDF possa trazer mais benefício para essa população específica”, disse o médico.
O GDF decretou a intervenção no ICTDF após a Fundação Universitária de Cardiologia (FUC), que administrava o hospital desde 2019, comunicar a suspensão imediata de todos os procedimentos eletivos que demandam insumos, dos transplantes de medula óssea e a recusa de recebimento de órgão para transplantes. A FUC alegou que foi o próprio governo que causou a crise porque atrasou os repasses financeiros à instituição.
O hospital é responsável por 85% dos serviços de cardiologia e transplantes da capital federal. A unidade de saúde cuida de 100% dos atendimentos de pacientes cardiopatas pediátricos de alta complexidade. Em 2023, o ICTDF teve receita bruta de R$ 169,4 milhões.
O acordo com a FUC, fechado em 2019, chegará ao fim no dia 2 de maio de 2024. O termo de cooperação foi celebrado entre o GDF, a FUC, o Ministério da Defesa, o Hospital das Forças Armadas, o Ministério da Saúde, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.
O que dizem
O Iges-DF disse, em nota, que “o dr. Juracy Cavalcante Lacerda Jr. conhece o dr. Rodrigo Conti desde 2015”. Segundo o instituto, os dois têm um projeto da sociedade que foi iniciado em 2022, quando o atual presidente do Iges ocupava cargo de gestor médico/hospitalar na área privada, “não exercendo, naquele momento, qualquer cargo de gestão em entidade prestadora de serviços públicos”.
“Aliás, o uso da pessoa jurídica no meio da saúde é muito comum na área privada, bem como a sociedade entre médicos. Não obstante, tendo a transparência como princípio a ser observado, ainda cumpre esclarecer que a sociedade informada não possui qualquer contrato com o Iges ou com outro órgão de saúde que opere com verbas públicas”, afirmou.
Juracy disse que “a escolha pela transferência da gestão do ICTDF para o Iges é exclusivamente da Câmara Legislativa, não havendo qualquer ingerência da gestão do Iges capaz de influenciar na decisão da CLDF, mas que como atual gestor do instituto, acredita que o Iges pode fazer um bom trabalho pela população”.
“Ressalta-se, por fim, que o mais importante é que alguma decisão seja tomada para que os serviços aos pacientes do ICTDF não cessem e não haja prejuízo para a população do Distrito Federal”, afirmou o presidente do Iges-DF.
A coluna também acionou a Secretaria de Saúde do DF, responsável pela nomeação de Rodrigo Conti como interventor no ICTDF, e o próprio médico, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.
Resistência
A proposta de expansão do Iges-DF para incluir o ICTDF no rol de instituições administradas pela entidade provocou reação do Ministério Público de Contas, que se posicionou contra e pediu ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) a interrupção do processo.
O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) disse que não manifestou qualquer concordância com o projeto de lei do GDF. O MPDFT esclareceu que emitiu recomendação com o objetivo de impelir a Secretaria de Saúde a concluir o processo de chamamento público para a gestão do ICTDF, tendo em vista a iminência do termo do prazo do convênio com a Fundação Universitária de Cardiologia (FUC) e do caráter temporário da intervenção do GDF.
“O MPDFT não expressou preferência por nenhuma entidade para assumir o controle do ICTDF e nem manifestou qualquer concordância com a proposta legislativa do Poder Executivo, até por se tratar, em verdade, de um ente privado – e não público –, registrada na Secretaria da Receita Federal como filial da Fundação Universitária de Cardiologia (FUC)”, pontuou o MPDFT.
O corpo clínico do ICTDF emitiu uma nota contra o projeto de lei que transfere a gestão do instituto ao Iges-DF. O documento, assinado pelo representante do grupo, o médico Jorge Yssef Afiune, diz que “uma decisão tão importante como esta não deveria ser tomada em caráter de urgência, devendo ser melhor discutida e refletida pelos parlamentares e pelas diversas partes envolvidas nesse processo que sequer tiveram tempo hábil para analisar o projeto”.
“Esperamos que os excelentíssimos senhores deputados da câmara distrital do Distrito Federal tenham serenidade para tomar a melhor decisão nesse momento tão delicado para a história do ICTDF”, diz outro trecho da carta.