Assédio moral: Cade abre processo para apurar denúncias contra diretor
O diretor de Administração e Planejamento do Cade, Ricardo Blattes, foi acusado por pelo menos nove servidoras de cometer assédio moral
atualizado
Compartilhar notícia
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu, nesta terça-feira (14/5), processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar denúncias de assédio moral contra o diretor de Administração e Planejamento, Ricardo Lovatto Blattes.
Conforme revelou a coluna Grande Angular, Blattes é acusado por servidoras do Cade de fazer constantes ameaças de demissão, insinuar, sem provas, que terceirizados são corruptos, tratar mulheres com desrespeito e fazer comentários machistas na presença das subordinadas. Ao menos nove profissionais fizeram relatos de situações que configurariam, em tese, assédio moral e discriminação de gênero por parte do diretor.
As investigações preliminares abertas a partir de cinco denúncias formalizadas contra Blattes concluíram pela necessidade de abertura de PAD. Pelo menos nove mulheres já foram ouvidas. As sanções previstas em caso de confirmação são: advertência, suspensão, demissão ou destituição do cargo em comissão.
Blattes é vereador de Santa Maria (RS) pelo PT, mas se licenciou para ocupar funções em Brasília. Em abril de 2024, renunciou ao cargo. O político foi nomeado para o Cade em outubro de 2023, em ato assinado pela Casa Civil. Antes, Blattes ocupava a função de diretor do Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, desde fevereiro de 2023.
Cabe à Diretoria de Administração e Planejamento (DAP) a gestão de pessoas, as ações de tecnologia, a tomada de contas, entre outras atribuições. As denúncias contra Blattes relatam que o homem à frente dessa estrutura cria um clima de “insegurança” e “pânico” nos servidores da autarquia.
Entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, funcionárias do Cade – entre concursadas, sem vínculo e terceirizadas – formalizaram ao menos cinco queixas internas contra Blattes. Os processos são sigilosos, mas a coluna apurou que em três casos já foi concluída a investigação preliminar.
A partir da oitiva de nove testemunhas que confirmaram “fortes indícios de assédio moral na conduta do investigado”, a recomendação da área técnica foi no sentido de instaurar processo administrativo disciplinar, o que foi feito nesta terça-feira (14/5).
Depoimentos
Em uma das situações descritas pelas servidoras, Blattes teria cancelado reuniões seguidas em razão de férias do único coordenador-geral homem da equipe e justificado que só retomaria os encontros após o retorno do gestor. Na ocasião, teria dito, segundo os relatos, que o Cade “possui muitas chefias femininas”, não gostaria “de estar reunido apenas com mulheres” e não “queria ser o único homem” presente.
Segundo uma servidora, o diretor de Administração e Planejamento teria ignorado a presença das mulheres em uma reunião de chefia e “direcionava a fala prioritariamente para o único homem da mesa”. “Nesse momento, e em outras reuniões, percebi um incômodo dele com mulheres na posição de liderança, realidade que é muito comum no Cade, pois 50% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres”, afirmou a testemunha.
De acordo com servidoras, o diretor do Cade também faz comentários de desprezo em relação à própria autarquia, como: “O Cade é uma piada” e “Como vocês conseguem se motivar em um local desse?”
Uma das denúncias cita que Blattes faz ameaças em voz alta ao insinuar que fará demissões nos próximos dias. “Quem será que estará no diário na segunda-feira?” e “Quem será exonerado primeiro?” seriam algumas das falas do chefe da DAP.
Blattes também é acusado de perseguir uma das subordinadas e pressioná-la a pedir demissão. Após as denúncias, a mulher, de fato, pediu exoneração do cargo, em abril de 2024.
Antes do Cade
A coluna de Paulo Cappelli, do Metrópoles, mostrou, em outubro de 2023, que a ida de Ricardo Blattes para o Cade ocorreu após reclamações de servidoras da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), onde era diretor do Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor.
Ao menos duas servidoras do órgão disseram sofrer “abordagens inadequadas” por parte de Blattes e reclamaram da postura dele. A situação ficou insustentável no órgão.
O que dizem
A coluna entrou em contato com Ricardo Blattes, que negou as denúncias. “Eu desconheço qualquer denúncia dessa natureza e não tenho informação sobre nenhum fato”.
Em nota, o Cade disse que “as denúncias recebidas possuem tratamento sigiloso em razão da natureza das informações, de modo que não cabe ao Cade tecer manifestações sobre elas no momento”.
Apoio
Por meio de nota, duas organizações se manifestaram a favor das vítimas. A Associação Mulheres no Antitruste – Women in Antitrust (WIA) se solidarizou com elas e informou esperar que a investigação e a apuração do caso continuem, para que, “observado o devido processo legal, possam ser tomadas as medidas cabíveis, se for o caso”.
“Destacamos que, enquanto entidade voltada à promoção da participação e da liderança de mulheres e outros grupos minorizados, a devida investigação de casos de assédio é essencial para que abusos sejam prevenidos no futuro e para que todos os profissionais possam desempenhar suas atividades adequadamente”, acrescentou, em nota divulgada.
A WIA ressalta que o Cade conta com número expressivo de mulheres nos quadros do conselho há muitos anos e que a atuação feminina tem sido “historicamente reconhecida no antitruste e é fundamental garantir que tais profissionais continuem atuando em um ambiente saudável, diverso e inclusivo”.
A entidade Mulheres na Regulação expressou “tristeza com as recentes denúncias de assédio moral e discriminação de gênero em uma das mais respeitadas autarquias do país”.
“O Cade é uma autarquia reconhecida nacional e internacionalmente pela qualidade do trabalho na área de defesa da concorrência. Também, pelo ambiente de trabalho, tendo recebido, por três anos consecutivos, o prêmio ‘Lugares Incríveis para Trabalhar’ […]”, destacou a organização.
Por meio de nota, a organização acrescentou esperar que esses reconhecimentos públicos sejam traduzidos em ações concretas, para que as denúncias sejam “prontamente apuradas e, caso confirmadas, tratadas com a seriedade que demandam”. “Reforçamos nosso repúdio a toda e qualquer forma de assédio e discriminação”, concluiu.