Apartamentos “geriátricos” no Lago Sul são anunciados até nos EUA; preços chegam a R$ 5,4 mi
Empreendimento Vila Raiô tem alvará para residencial geriátrico, mas moradores dizem ser fachada para a venda de imóveis não permitidos
atualizado
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O empreendimento que tem despertado indignação de moradores do Lago Sul anuncia a venda de apartamentos de luxo por valores de R$ 3,2 milhões a R$ 5,4 milhões.
O folder com informações da Vila Raiô chegou até a brasileiros que vivem nos Estados Unidos, como confirmado pela coluna Grande Angular com moradores do país que têm família em Brasília.
O anúncio tem informações, inclusive, de empreendimentos do tipo nos EUA e na Inglaterra.
As unidades residenciais da Vila Raiô têm 128 metros quadrados, 146 m² e 258 m² — os maiores são coberturas.
Moradores do Lago Sul denunciaram a Vila Raiô ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por, supostamente, desvirtuar o uso do lote onde será erguido o empreendimento.
O alvará permite a construção de “residências geriátricas”, o que é previsto na Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos). Porém, segundo representantes dos moradores da região, tratam-se, na verdade, de apartamentos, os quais são proibidos no Lago Sul.
O Lago Sul é a região mais rica de todo o Brasil, segundo o Mapa da Riqueza, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Social. O estudo revela que a renda por pessoa na região administrativa chega a R$ 23,1 mil.
No bairro, são permitidas apenas casas e comércios. O anúncio da Vila Raiô informa que o empreendimento terá convênio com a Clínica Amplexus, para um “programa completo de atenção à saúde, com cuidado integral, acompanhamento médico e todo apoio para que as pessoas 60+ [com mais de 60 anos] possam desfrutar a vida sem preocupações, deixando a rotina fluir com leveza e tranquilidade”.
A clínica seria instalada na área externa ao condomínio.
Veja os projetos:
O folder de publicidade do empreendimento anuncia a construção de 60 apartamentos, que podem ser ocupados por pessoas a partir dos 60 anos e parentes delas. Do lado externo, além da clínica, haverá uma academia e um “pet center”.
Cada unidade habitacional terá duas vagas para carro, inclusive uma verde, com espaço para recarga de veículo elétrico.
Histórico
O terreno onde será erguida a Vila Raiô, de 11,7 mil metros quadrados, foi vendido pela Igreja Adventista do Sétimo Dia ao Residencial Garden Empreendimentos Imobiliários Ltda., em 17 de maio de 2022, segundo registro de venda do imóvel em cartório. O lote saiu por R$ 23 milhões.
Em denúncia enviada ao MPDFT, a associação de moradores alegou que a empresa Residencial Garden Empreendimentos Imobiliários Ltda. conseguiu alvará para construir clínicas geriátricas “apenas como fachada” para erguer blocos de apartamentos de luxo.
Nas informações repassadas ao MPDFT, os denunciantes afirmam que o projeto teve aprovação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) sem alguns dos documentos obrigatórios — como comprovação de aprovação prévia do projeto básico por parte da Vigilância Sanitária, por envolver uma clínica.
O advogado Paulo Cunha, morador do bairro e consultor do conselho comunitário, disse que corretores têm abordado compradores.
“Eles [os corretores] apresentaram o projeto para alguns moradores, que ficaram surpresos ao saberem que se trata, na verdade, da venda de apartamentos privativos de luxo. Na propaganda não há qualquer menção a serviços de atenção em saúde nem mesmo que clínica geriátrica será a responsável pelos cuidados com os idosos”, observou Paulo.
A ex-administradora regional do Lago Sul Natanry Osório, 83, afirmou que o edifício fere as delimitações da área verde do endereço. “Se você olhar a propaganda, vê claramente que o local não é destinado ao idoso. É indicado para quem está à procura de um apartamento de luxo. Fala-se de tudo na propaganda do edifício, menos do idoso. Que clínica é essa?”, questionou.
O que dizem
Em nota, a Seduh comunicou que o lote tem “destinação para o uso institucional, e a empresa obteve alvará de construção para empreendimento voltado à atividade de clínicas e residências geriátricas, para idosos sem condições de saúde ou que não queiram morar sozinhos (CNAE 87.11-5/01) — atividade esta que é expressamente autorizada pela Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) para o lote em questão”.
“Por essa razão, e tendo em vista que todos os demais requisitos legais foram cumpridos, o projeto de arquitetura foi aprovado. Sobre a necessidade de aprovação da Secretaria de Saúde, a Seduh esclarece que o Código de Obras e Edificações do DF exige tal aprovação para a atividade de instituições de longa permanência para idosos (CNAE 87.11-05/02), mas não para aquela declarada pelo autor do projeto e proprietário”, afirmou.
A Seduh disse que recebeu a denúncia formulada pelo Conselho Comunitário do Lago Sul e submeteu os questionamentos à equipe técnica responsável para que seja feita a devida apuração e verificação de eventual irregularidade no procedimento de aprovação do projeto.
A Secretaria de Proteção à Ordem Urbanística (DF Legal) — responsável pela fiscalização da obra, segundo o alvará de construção obtido — afirmou que enviou equipes ao local do futuro empreendimento e que autuou a empresa por não estar com a documentação, bem como pela falta de informações no tapume que sinaliza a obra. “Ademais, a obra, até o presente momento, está respeitando o projeto e alvará de construção”, disse.
A reportagem tentou, mas não conseguiu contato com os representantes da Vila Raiô. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.