A incompreensível matemática do SLU: órgão deixa de economizar R$ 11,8 mi em 180 dias
Novo contrato da Sustentare, que continuará responsável pela coleta de lixo no DF, é mais oneroso do que serviço oferecido por concorrente
atualizado
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A assinatura de um contrato milionário para a coleta de lixo e limpeza urbana vai revirar um assunto que no Distrito Federal sempre esteve cercado de grande disputa e muita desconfiança. Na última segunda-feira (23/10), a Sustentare Saneamento S/A, que já presta serviço para o GDF desde 2014, conseguiu manter a operação na capital, só que agora por meio de um convênio emergencial.
E por que o governo tomou a decisão de manter o serviço com a empresa que apresentou a proposta mais cara, abrindo mão de uma economia de R$ 11,8 milhões em 180 dias? Por uma especificidade correspondente a apenas 2,64% do contrato. Em números absolutos: R$ 2,7 milhões.Para tornar-se competitiva, a companhia teve de fazer um desconto de R$ 2 milhões por mês em um contrato da ordem de R$ 19.257.613,76. Mas a economia, aparentemente razoável, poderia ser muito maior, de pelo menos o dobro. O motivo matematicamente imbatível: a concorrente no processo de seleção apresentou proposta de R$ 15.204.735,78, valor quase dois milhões mais barato do que o proposto pela Sustentare já com desconto.
A quantia equivale a todo o valor empregado durante seis meses para a operação da usina de triagem e de compostagem na Asa Sul. Nesse lugar, o lixo comum segue por esteiras onde catadores e eletroímãs separam os restos sólidos dos resíduos biológicos.O que sobra de material orgânico passa ainda por peneiras para depois virar adubo orgânico. O rejeito segue para o aterro.
Embora corresponda a uma pequena fatia do escopo do contrato – que inclui varrição de ruas, pintura de meios-fios, lavagem de monumentos, limpeza das passagens subterrâneas e dos pontos de ônibus –, foi por conta desse item que o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) desistiu de contratar a empresa mais competitiva, deixando de fazer economia milionária.
No dia 4 de outubro, o SLU encaminhou convites a sete empresas comunicando a abertura de procedimento seletivo para o contrato emergencial da coleta e do transporte do lixo no DF. Antes disso, a empresa já havia lançado o Pregão Eletrônico n° 02/17, justamente para escolher companhias especializadas na prestação desse tipo de serviço.
A referida licitação, no entanto, foi suspensa administrativamente pelo próprio SLU para a análise de diversos questionamentos, esclarecimentos e impugnações interpostas por interessados.
Como o contrato com a Sustentare estava para vencer, o SLU lançou um chamamento de emergência para cobrir seis meses de operação. Duas empresas se apresentaram: a própria Sustentare e a Cavo Serviços e Saneamento S/A — controlada pela holding Estre Ambiental S/A. Em 13 de outubro, a autarquia chegou a emitir um parecer assinado por especialistas do órgão registrando que a Cavo atendia a todas as qualificações demandadas pelo procedimento convocatório.
No documento, consta expresso que a companhia era a “mais vantajosa para a Administração” com “capacidade técnica e operacional demonstrada nos autos, conforme Relatório de Análise Técnica”.
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Há uma semana, na terça-feira (17/10), a Cavo recebeu correspondência do Serviço de Limpeza Urbana pedindo que a mesma ratificasse sua proposta, apresentasse documentos e indicasse o responsável para a assinatura do contrato. Mas um novo parecer feito a pedido da Procuradoria Jurídica do SLU, supostamente na véspera da assinatura do emergencial, mudou radicalmente a primeira orientação emitida pelo setor técnico do órgão.
Em nova análise e sem que houvesse impugnação por parte da empresa derrotada, o SLU mudou seu entendimento e concluiu que a Cavo não tinha mais qualificação técnica para operar a usina de compostagem da Asa Sul.
“Equívoco”
Assim, no dia 19, a Cavo foi informada pelo SLU que teria havido um “equívoco” em sua manifestação e que a empresa deveria ser inabilitada. Assim, a Sustentare sagrou-se vencedora da concorrência e garantiu a continuidade da operação de coleta de lixo no DF. O revés foi tão abrupto que a Cavo já havia, inclusive, deslocado uma frota com 50 caminhões que começariam a recolher o lixo a partir da segunda-feira (23) nas ruas da capital federal. Os veículos estão todos parados em um estacionamento perto do Detran, na 908 Norte.
Diante dos fatos, a Cavo entrou com um pedido de liminar, que foi julgado improcedente pelo juiz Jaylton Jackson de Freitas Lopes. A empresa recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e, mais uma vez, teve negado seu pleito de retomar sua habilitação.
A negativa veio do desembargador em regime de plantão Flávio Rotirola. Ao analisar o caso, o magistrado, no entanto, reconheceu pontos de dúvida no processo: “O que chama a atenção é que, em 13 de outubro de 2017, o mesmo SLU em relatório de análise técnica havia declarado que a empresa Cavo Serviços e Saneamento S/A havia atendido às disposições do procedimento, no tocante à qualificação técnica”.
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O magistrado ainda expõe que “há um argumento recursal que é bastante verossímil no sentido de estar havendo tratamento diferenciado entre as empresas”. Ele pondera, contudo, que a Sustentare já presta o serviço de limpeza pública nas áreas urbanas do DF e que “neste sentido, considerando a natureza emergencial do contrato, é plausível também a manutenção de empresa já contratada na prestação do serviço”. (Veja a íntegra da decisão judicial no fim da matéria)
A Cavo entrou então com um agravo de instrumento cujo relator é o desembargador Romeu Gonzaga Neiva, que pode levar o caso ao colegiado ainda nesta quarta-feira (25).
O que diz o SLU
A diretora-presidente do SLU, Heliana Kátia Tavares Campos, admitiu que um único edital contendo exigências muito específicas e pré-requisitos gerais restringe o acesso das empresas e não seria a maneira mais austera de conduzir o processo. “Por conta de uma cerejinha, a empresa levou o bolo todo”, comparou a própria gestora. Mas Kátia disse também que, como se tratava de um contrato emergencial, com regras já estabelecidas anteriormente, o SLU não tinha como retirar a qualificação que acabou beneficiando a empresa com proposta mais cara.
Já temos uma concorrência que está na rua, fizemos todos os ajustes recomendados pela área técnica e esperamos que o edital esteja liberado ainda este ano
Heliana Kátia, diretora-presidente do SLU
A dirigente anunciou que, justamente para corrigir a distorção observada no processo emergencial, a autarquia decidiu lançar dois editais, um exigindo qualificação das empresas para operarem as usinas de compostagem e outro estabelecendo competência para varrição e limpeza urbana de modo geral. Além da usina da L4 Sul, há no DF outra unidade semelhante, a do P. Sul, em Ceilândia.
Heliana Kátia também destacou ao Metrópoles que não há nenhuma dificuldade de o SLU rever o contrato emergencial desde que a Justiça entenda que houve alguma imprecisão no processo. “Temos de observar que até agora não houve nenhuma decisão favorável à empresa que tenta barrar a seleção”, disse Kátia.
A chefe do SLU é engenheira civil, sanitarista e mestre em desenvolvimento sustentável. Ocupa o posto desde o início do governo. Como já esteve também à frente do processamento do lixo em Belo Horizonte, ela contou que está acostumada com a pressão envolvendo as licitações do lixo: “É muito dinheiro em jogo, claro que há uma disputa enorme”.
O que diz a Sustentare
Segundo a assessoria de comunicação da Sustentare, o SLU observou os rigores necessários à verificação da capacidade técnico-operacional da empresa a ser contratada. A companhia citou a Lei n° 8.666/93, que determina à administração cobrar da licitante comprovantes de aptidão para o desempenho das atividades especificadas em contrato.
“Entre outras falhas, a Cavo não comprovou habilitação técnica para o serviço de Operação de Usina de Triagem e Compostagem da Asa Sul. Aliás, a Cavo tentou ludibriar o SLU, pois apresentou ‘quatro atestados de capacidade técnica’ indicando que atenderia a esse item específico, quando, na realidade, os acervos apresentados na proposta não cumprem o escopo e tampouco o quantitativo exigido”, disse a empresa, por meio de nota.
Segundo a Sustentare, sua concorrente teria por praxe “desviar-se das exigências do edital para, supostamente, apresentar um menor preço, só possível em razão da não obediência das regras impostas pela administração pública”.
A Sustentare opera no DF desde 5 de setembro de 2014, por meio do 5º Termo Aditivo ao Contrato 12/2012. Nos últimos 12 meses, a média mensal de faturamento da empresa foi de R$ 13.015.136,97. Todos os serviços são executados por 2.670 colaboradores, envolvendo dois turnos com varredeira mecanizada, motoristas, varredores, coletores e serviços especiais. São utilizados 135 equipamentos na operação. Diariamente são coletadas 2.500 toneladas de resíduos sólidos domiciliares e urbanos.
O que diz o TCDF
Em 12 de setembro, o TCDF recebeu representação protocolada pela Valor Ambiental (outra empresa que participou da licitação em um dos lotes da coleta de lixo) e concedeu prazo de 10 dias ao SLU para apresentação de esclarecimentos. O órgão de limpeza protocolou as respostas aos questionamentos dia 19 de outubro. Desde então, o corpo técnico do Tribunal analisa o mérito dos fatos apresentados pela companhia e pelo SLU.
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