Um time formado por muitas estrelas também pode funcionar. Ou não
Basta ver os exemplos das Seleções do Brasil que disputaram as Copas do Mundo de 1970 e de 2006. Tinha craque sobrando nas duas…
atualizado
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Parece bem oportuna a discussão de um tema que foi levantado aqui no Metrópoles, em matéria assinada por Amanda Gil. Ela conversou com a psicóloga Juliana Almeida, especialista em gestão de pessoas, em busca de respostas para o fato de alguns times, compostos por grandes estrelas, simplesmente não darem certo.
“Por mais que gestores procurem sempre grandes talentos, na prática, times com muitas estrelas podem ter um desempenho catastrófico… Jogadores que não são estrelas podem se tornar chave por fazer seu time ser melhor apesar de não serem os maiores craques. Isso é verdade no futebol, em que seleções com muitas estrelas tendem a ganhar menos jogos nas Eliminatórias das Copas””, disse Juliana Almeida.
Eu penso que é mais ou menos como uma orquestra, que precisa não apenas de solistas, mas sim da harmonia de todos os instrumentos de cordas, madeiras, metais e percussão. Tudo isso sob o comando de um bom maestro. No caso do futebol, seria o técnico, alguém que, não estando preparado, pode até colocar tudo a perder.
Mas poderíamos buscar dois exemplos antagônicos envolvendo formações históricas da Seleção Brasileira. Outro dia eu vi na ESPN Brasil uma reveladora entrevista do ex-jogador Cafu, explicando porque a Seleção de 2006, que tinha o famoso quadrado mágico, formado por Ronaldo, Ronaldinho, Adriano e Kaká, mas que foi um grande fracasso na Copa do Mundo daquele ano:
“Aquele Brasil estava muito exposto. Se eu tenho aqueles quatro atacantes no time titular, significa que eu tenho quatro homens a menos na marcação. Eles não vão marcar. Eu nem vou cobrar isso deles. Se eles voltarem até o meio-campo vai faltar fôlego”, disse o ex-capitão da Seleção.
Em contrapartida, a Seleção Brasileira de 1970, considerada a melhor equipe que já se formou até hoje na história do futebol, tinha Pelé, Tostão, Jairzinho, Gérson e Rivelino, mas esse, digamos, excesso de estrelas, não atrapalhou o conjunto.
O mérito, certamente, foi do técnico Mário Jorge Lobo Zagallo, um maestro que simplesmente não atrapalhava a harmonia da orquestra.
Pior mesmo é a situação da Seleção Brasileira atual, que depende fundamentalmente de um único solista, o nosso camisa 10 Neymar, que não parece ter comprometimento com a orquestra.
Vide o exemplo recente, na véspera da batalha contra a Argentina, quando foi pra balada e teve uma inusitada e misteriosa lesão.
Réplica da psicóloga
Atualizado às 11h45 desta terça-feira (23/11), com a réplica da psicóloga Juliana Almeida, personagem da reportagem de Amanda Gil, no Metrópoles:
“De fato a seleção de 70 tinha muitas estrelas apesar disso, seu sucesso foi multivariado e aspectos importantes da gestão da equipe não foram considerados e eles levaram a seleção ao tri em 70.
A disparidade técnica entre a seleção de 70 frente as demais (que tinham suas estrelas) era maior do que o Miami Heat e os demais times da nba. Mas o maior o desenvolvimento estratégia da evolução dos aspectos táticos e de preparação física também pesaram grandemente. Ou seja, além do talento, foi investido no desenvolvimento de competências individuais e de equipe e do contexto organizacional.
A seleção de 70 se preparou muito mais adequadamente à altitude mexicana que seus adversários europeus, bem como os jogadores brasileiros sentiram muito menos os efeitos do calor mexicano (já que jogavam em clubes brasileiros), pois chegaram com bastante antecedência, permitindo uma melhor aclimatação. Assim, não apenas talento mas a estratégia e as táticas de gestão foram fundamentais.
Importante também ressaltar o papel da liderança pois a formação da comissão técnica teve caráter fundamental: o combo Parreira (técnico campeão de 94), Cláudio Coutinho e Admildo Chirol montou a preparação física de maneira inovadora, efetiva e muito avançada para a copa de 70, o que resultou em grande vantagem competitiva ao nosso histórico time. Pela primeira vez vimos atividades e trabalhos físicos individualizados, conforme a necessidade e potencial de cada jogador com uso de dados e das evidências disponíveis a época para disponibilizar resultados mais efetivos ao treinamento contribuindo para a otimização de potenciais individuais e do coletivo. Além disso Zagallo não simplesmente distribuiu coletes: o foco no resultado permitiu o desenho da estratégia, a coordenação, a seleção não jogava somente no 4-3-3, o hoje famoso 4-2-3-1 se consagrou aí, com Clodoaldo e Gerson à frente da defesa, funcionando como elementos de ligação muito efetivos, que abriam espaços para os meias e atacantes. Ou seja: havia variação tática durante a mesma partida, confundindo os adversários, e a liderança foi importante.
A liderança é fundamental e dou um exemplo final: o dream team americano de basquete de 92 tinha apenas all-stars, mas o treinador que aí poderia apenas distribuir coletes foi fundamental: deixou de convocar Isaiah Thomas (que tecnicamente tinha plenas condições de integrar o elenco), pois era sabido que ele seria um elemento desagregador ao ambiente e que alteraria a dinâmica coletiva, o que poderia resultar em derrota, eliminação precoce e hoje não reconheceríamos o dream team como o maior time de todos os tempos.
Ou seja: uma maçã podre estraga todo o cesto de maçãs perfeitas, se alguém não intervier…”
Tréplica do Futebol Etc
A dra Juliana Almeida, além de boa psicóloga, mostra que entende muito de futebol e da mecânica que move os bastidores dos esportes coletivos. Restou provado que nós concordamos pelo menos em um ponto: para a orquestra funcionar perfeitamente bem, não importa a quantidade de estrelas. Importa a competência do maestro e o seu planejamento estratégico. No caso do Paris Saint Germain, que foi a origem dessa discussão, parece óbvio que o argentino Maurício Pochettino é um péssimo gestor. Por isso mesmo, eles estão loucos para substituí-lo por Zinedine Zidane.
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