Fonoaudióloga sobre encontros com o Maníaco do Parque: “Pessoa doente”
Simone Lopes Bravo se correspondeu com o assassino confesso por 2 anos, chegou a visitá-lo no presídio e escreveu um livro sobre ele
atualizado
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Após os lançamentos de livros e, agora, o filme sobre Francisco de Assis Pereira, mais conhecido como o Maníaco do Parque, o assassino confesso voltou a ser assuntos nas redes sociais. E a fonoaudióloga luso-brasileira Simone Lopes Bravo resolveu contar detalhes dos encontros que teve com o preso e as 50 cartas que trocou com ele ao longo dos últimos dois anos.
A especialista, que mora em Portugal, esteve na Penitenciária de Iaras, em São Paulo, por 10 vezes e suas conversas com o criminoso originou o livro Maníaco do Parque: A Loucura Lúcida. Em conversa com o site UOL, Simone Lopes Bravo contou que se interessava por psiquiatria e resolveu pesquisar a fundo sobre criminosos presos.
“Escrevi uma carta para oito reclusos de Portugal e do Brasil. Desses, só um me respondeu: o Francisco. Confesso que foi a última pessoa que pensei que fosse me responder. Ele foi muito solícito: queria saber do projeto, receber minha visita. Foi uma carta direta, parecia que estava feliz e se disse ‘convertido’. Ele disse que minha carta chegou com propósito, como uma resposta de Deus para ele”, contou ela.
Em seguida, a profissional relatou que ele estava sem visitas há 1o anos e contou o motivo: “A família dele sofreu muito por tudo o que aconteceu — e sofre até hoje. Eles são de uma zona rural empobrecida e não têm condições de fazer visitas regulares. Cheguei a visitá-los algumas vezes e enviar recados do Francisco para a mãe e vice-versa”, detalhou.
Logo depois, Simone revelou que teve dificuldades em entender o que ele escrevia: “Muitas vezes precisava da ajuda do psiquiatra para decodificar o que o Francisco dizia, porque o pensamento dele é desorganizado. Às vezes, só escrevia sobre a Bíblia; outras vezes, perguntava, como todo recluso, quando eu iria vê-lo. Começava um assunto, terminava em outro: o que mais me chamava atenção era a desorganização do pensamento”, definiu.
A fonoaudióloga ainda afirmou saber dos riscos do contato com o assassino: “Sei da periculosidade dele e o vejo como um ser humano muito doente. E que não pode estar novamente em sociedade”, opinou, antes de completar:
“Ele chegou a perguntar para mim uma vez como seria se ele fosse solto em 2028 [quando deve passar por uma reavaliação]. Francisco disse que, para ele, estava tudo bem se ele não fosse solto. Mas isso é o que ele diz. O que se passa na cabeça dele nunca vamos saber de verdade. Tenho plena noção de que ele é uma pessoa doente, do mais grave nível”, comentou.
No fim da conversa, a especialista ainda falou sobre os cuidados com a saúde mentam dos presos: “Acho que as patologias mentais ainda são um tabu na sociedade e nosso sistema carcerário não está preparado para isso. A psiquiatria é uma especialidade que ainda tem pouco investimento. Deveria ter um sistema voltado para esse tipo de recluso”, analisou.
Maníaco do Parque atacou psiquiatra
Mesmo após ser condenado a 285 anos de prisão por uma série de assassinatos e estupros, Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, se tornou uma figura ameaçadora dentro do sistema prisional. Um dos relatos mais chocantes vem da psiquiatra Hilda Morana, que revelou recentemente no podcast Surtadamente que, em 2005, foi esganada pelo serial killer dentro da Penitenciária de Itaí, onde ele cumpria pena entre 2001 e 2006.
Enquanto desenvolvia uma tese de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) sobre o perfil psicológico de psicopatas e suas possibilidades de recuperação, a psiquiatra Hilda entrevistou mais de 50 detentos com esse perfil em presídios paulistas, incluindo o Maníaco do Parque.
Durante as sessões na Penitenciária de Itaí, a direção do presídio disponibilizou uma sala para os encontros, mas com uma condição: a porta deveria permanecer aberta, permitindo a vigilância de um policial penal a distância, uma medida essencial devido ao histórico violento dos presos.
No início da entrevista, o criminoso reclamou do barulho no ambiente e pediu à psiquiatra que fechasse a porta. Embora alertada pelo agente penal sobre os riscos de permanecer a sós com o detento, Hilda decidiu atender ao pedido. Assim que a porta foi fechada, Francisco avançou sobre ela, pressionando seu pescoço com ambas as mãos e ameaçando: “E se eu mato a senhora agora?” Mantendo a calma, Hilda conseguiu afastar as mãos do agressor.
Em depoimento, ela comentou sobre o episódio: “Ele não queria me matar. Era uma tentativa de chamar atenção”. Hilda ainda voltou à penitenciária para entrevistar o Maníaco mais cinco vezes.
“Apresenta um transtorno persistente de personalidade, com elevadíssima periculosidade. Este indivíduo é mais perigoso que a média e deve ser contido, pois, devido à falta de controle interno, é necessário um controle externo rigoroso. Do ponto de vista médico-legal, é considerado semi-imputável e, geralmente, não responde ao tratamento. Não sendo um caso passível de tratamento curativo específico, conforme estabelece o Artigo 98 do Código Penal, não se recomenda a aplicação de medida de segurança. No entanto, é certo que, mesmo após 30 anos de cárcere, o indivíduo continuará a representar uma ameaça”, escreveu Hilda sobre o Maníaco do Parque em sua tese de doutorado.
Francisco, que virou tema de filme, deve ser solto em 2028, após cumprir o limite de 30 anos da pena, dos 285 anos aos quais foi condenado. Na avaliação de Edilson Mougenot Bonfim, promotor responsável pela acusação no Tribunal do Júri, a liberdade do criminoso representa um perigo para as mulheres. “Voltará a matar“, afirmou ele, em recente entrevista a Ulisses Campbell, de O Globo.