Exclusivo: “Susto absurdo”, desabafa Léo Áquilla ao recordar atentado
A jornalista e escritora bateu um papo com a coluna, fez um balanço de 2024, falou sobre seu livro e da relação com os filhos e a neta
atualizado
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Faltam poucos dias para o ano acabar e, nesse período, muitas pessoas fazem um balanço do que viveu nos 365 dias que passaram. E, durante um bate-papo exclusivo com a Coluna Fábia Oliveira, Léo Áquilla abriu o coração, falou sobre os filhos, a neta, a carreira e recordou os momentos difíceis de 2024.
Um dos episódios mais marcantes foi o atentado a tiros que sofreu durante as eleições de São Paulo. Na entrevista, a jornalista e escritora desabafou.
“Foi um susto absurdo e a ficha de que era uma tentativa de homicídio, que poderia ter sido morta, só caiu muito depois”, afirmou.
Confira a entrevista completa
O ano está acabando, qual o balanço você faz de 2024?
2024 foi um ano muito positivo pra mim, pois cresci muito profissional e politicamente. Realizei meu grande sonho de publicar um livro, um desejo que me acompanhava desde que me formei em jornalismo, em 2008. Na minha atuação como Coordenadora da Diversidade da cidade de São Paulo, o município ficou em 1º lugar e fui reconhecida como melhor gestora no levantamento das políticas públicas de promoção da cidadania LGBTQIAPN+ no Brasil, promovido pelo Programa Atena, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos. Esse realmente foi um grande feito, porque fazia muito tempo que São Paulo não ganhava uma premiação dessas.
Quais os planos para as festas de fim de ano?
Como estou reassumindo meu cargo como Coordenadora da Diversidade, estou totalmente dedicada a isso. Então, não tenho grandes planos para o fim de ano. A Secretaria de Direitos Humanos, da qual faço parte, não para. Então, não posso planejar viagem. Vou passar com a minha família mesmo, meus pais, meus filhos, minha neta, bem tranquila. Esse foi um ano onde fiquei mais voltada para mim porque sempre fui casada e sempre cuidei dos outros. Agora, resolvi cuidar do meu emocional, curando feridas.
Em 2025, quais são as novidades que virão pela frente na carreira?
Pretendo lançar dois livros em 2025, também tenho planos de fazer algum trabalho de televisão que não comprometa minha atuação política. Talvez um talk show, algo que consiga fazer no fim de semana para realmente não interferir nos meus compromissos de luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e de todos os grupos vulneráveis.
Pretende voltar à TV e ao jornalismo?
Pretendo sim voltar pra TV. Mas, como comentei, com algo que não comprometa meu trabalho na política, que é minha prioridade. Meu desejo não é ser lembrada no futuro como uma personalidade da televisão, mas sim pelo meu trabalho na política, em prol da população.
Desde 2006 você vem tentando um cargo político (vereadora, deputada estadual e federal), mas ainda não conseguiu se eleger. Vai continuar tentando nas próximas eleições?
Sim, vou seguir me candidatando em todas as eleições, porque é uma luta que venho travando há bastante tempo. Lá por volta de 2006, se não me engano, eu era a única pessoa candidata que se apresentava assumidamente como LGBTQIAPN+. Então, embora eu não tenha sido eleita ainda, sou pioneira nesse campo, de incentivar outros membros da comunidade a se candidatar. Muitos que apoiei, ganharam. Inclusive, quando essas pessoas ganham, eu também ganho, pois é a mesma causa. Boa parte das vezes que me candidatei, nem estava pensando em ganhar… Me candidatava exclusivamente para provocar a comunidade LGBTQIAPN+, para despertar esse desejo de se candidatarem, de verem que era possível alcançar esse espaço também. Nessa eleição de 2024, não fui eleita, mas tive uma votação muito expressiva. O número de votos que recebi dobrou em São Paulo: sempre fiz uma média de 8 mil votos na capital e fui para 16 mil. Então, isso é resultado de um trabalho que acredito que foi muito bem feito.
Quais são seus objetivos ao entrar na política?
Sou uma pessoa muito politizada, esclarecida e tenho absoluta clareza de que quem não governa, é governado. E não vejo no poder pessoas suficientes, formando até uma bancada, para cuidar das pautas para pessoas trans, para pessoas LGBTQIAPN+. Então, como quem não se representa, é representado, o que eu espero na política é trazer mais pessoas para se envolverem em política e despertar a comunidade LGBTQIAPN+ a cuidar da própria comunidade. Eu sou uma mulher trans, sou mãe, tenho um filho hétero e um filho LGBTQIAPN+. Tenho que cuidar do futuro dessas próximas gerações e faço isso por meio de vários projetos, como as minhas palestras e agora também os próximos livros que lançarei e que terão histórias de sensibilização e letramento.
Nas eleições deste ano, você sofreu uma tentativa de homicídio. Como se sentiu na hora que entendeu o que estava acontecendo?
Foi um susto absurdo e a ficha de que era uma tentativa de homicídio, que poderia ter sido morta, só caiu muito depois. As investigações ainda estão em andamento e fui orientada a não comentar muito sobre o tema, justamente para não atrapalhar esse processo e também preservar minha integridade. Acredito que esse crime foi motivado por LGBTfobia de empresas que denuncio, por exemplo, os hotéis que não permitem a hospedagem de pessoas trans. Estou sempre denunciando casos de preconceito. Então, sei que sou visada para esse tipo de violência.
Você lançou uma biografia recentemente. Fala um pouco do trabalho? O que o público pode esperar?
No meu livro Um Salto Para o Sucesso, fiz um apanhado da minha história com os fatos que considero mais relevantes e as lições que aprendi passando por esses desafios. Então, meu foco não foi apenas contar esses episódios, mas também compartilhar as estratégias que usei para superar obstáculos e alcançar meus objetivos. Acho que são lições que podem ajudar mais pessoas, LGBTQIAPN+ ou não, a lutar pelo que desejam. Discuto no livro o significado de sucesso, pois é uma coisa muito relativa. Para algumas pessoas, é ter muito direito, mas para outras, como as pessoas trans, sucesso significa sobreviver para além de 35 anos, que é a expectativa de vida de uma mulher trans no Brasil. Eu oriento quem compra o livro para que, antes de começar a ler, defina na sua cabeça onde quer chegar, o que é sucesso. Aí, depois leia o livro, pois aí sim vai poder aproveitar essas estratégias na sua própria vida.
Por que você resolveu escrever um livro sobre sua vida?
Resolvi falar sobre mim porque a minha vida serve de inspiração para muita gente há anos. Sempre conto a minha história para muitas pessoas e em muitos espaços onde participo como palestrante ou entrevistada. A minha trajetória reverbera nas ruas, as pessoas me param falando “poxa, você falou sobre isso e, ouvindo você, meu pai passou a me aceitar, minha mãe passou a me aceitar, minha família passou a me aceitar, ou eu mesmo resolvi me assumir incentivado por você, inspirado por você”. Então, eu acho que a minha vida, de certa forma, é sim uma inspiração para as pessoas e eu quero que essa inspiração seja eternizada através da literatura.
Como foi sua descoberta como mulher trans? Como foi o processo?
Sempre soube, desde criança. Com 5 anos, falei pra minha mãe que era menina e a gente debateu ali, entre mãe e filha que eu não era, né? Minha mãe dizendo que não, que eu era menino e eu falando que, sim, que eu era uma menina. Isso era tão real na minha vida que até hoje eu penso como tinha essa certeza na época, mesmo ainda tão pequena. Eu sou, sim, uma mulher, sempre me vi como uma e isso se chama identidade de gênero, que não tem nada a ver com a genitália das pessoas. É preciso ter esse letramento de separar as coisas. Sou uma mulher trans, não sou uma mulher que nasceu “fêmea”, mas eu sou uma mulher na construção social, né? E, aí, fui beber lá na fonte de Simone de Beauvoir quando ela diz que ninguém “nasce mulher, torna-se”. Ela tá falando exatamente que ser mulher é uma construção social. E o que é coisa de mulher? Isso alguém inventou. Então, é nessa construção que me identifico: uma mulher como todas as mulheres. Sei que sou mulher desde criança, mas foi um processo muito difícil para mim porque lutei muito contra isso no decorrer da minha vida. Inspirada por igreja, fui forçada a buscar a “cura gay”. Tive um filho biológico com outra mulher nessa tentativa de mudar. Foi algo difícil, mas isso me deu uma família hoje, me deu minha neta Heloisa. Eu tive uma condição psicológica fortalecida, mas é um processo que pode culminar em suicídio, em depressão, como a gente tem visto acontecer todo dia no mundo. Eu mesma só consegui me assumir com muita maturidade e viver essa minha verdade depois de muito estudo, aos 40 anos de idade.
Sua família aceitou bem sua orientação sexual?
A minha família não aceitou prontamente a minha sexualidade, houve resistência, principalmente do meu pai. A minha mãe sempre mais amorosa e maleável, porque minha mãe sempre foi uma leoa, sempre me abraçou. A única coisa que minha mãe temia era o que eu ia sofrer na rua, que é o temor de todos os pais, né? Só que aí vem uma orientação que eu sempre dou, que falo nas minhas palestras, que às vezes o pai não aceita porque o filho vai sofrer na rua, mas aí ele acaba sofrendo duas vezes: na rua e em casa. Tive bastante resistência em casa, com meu irmão, com meu pai. Mas com o tempo, fui mostrando meu caráter, minha competência no trabalho, nos estudos. Consegui me formar e fui a primeira pessoa da minha família a ter um nível superior e tudo isso foi trazendo respeitabilidade. Sempre cuidei dos meus pais, tirei da favela, dei uma casa melhor como presente… Então, tudo isso foi mostrando para eles meu valor, não no sentido de comprar minha família, sim de que ser LGBTQIAPN+ é apenas uma parte de quem eu sou.
Você sofreu muito preconceito durante toda a vida. Como você transformou tudo isso em força para lutar pelo que deseja?
Sempre disse que com as pedras que me atiraram, construí o meu castelo. Sempre fui uma pessoa que tentou transformar dor em poesia e isso eu devo a minha maturidade espiritual. Então, toda vez que alguém falava “você não é capaz”, eu ia lá e provava que era. Quando falavam “você não chegará”, eu ia lá e provava que chegava. Sempre desafiei essas crenças limitantes, mostrando que, sim, eu seria capaz. Todo mundo dizia que eu jamais seria uma mulher e me sinto completamente mulher, absoluta e maravilhosa, talvez uma das mais bonitas do país, como ouço muito. Então, sou muito realizada por ser a mulher que sou e por ter lutado contra todas as setas do fracasso apontadas para mim. Essa força é do meu espírito, eu nasci assim.
Você é mãe de 2 meninos. Como é a Léo mãe? Muito babona?
Tenho dois filhos, o Wagner e o Vitor. O Vitor é meu filho biológico e o Wagner é meu sobrinho que eu criei, por isso digo que é meu filho também. Os dois estão com 27 anos. Eu sou babona, sim, amo os meus filhos, sou muito respeitada, paparicada também, cuido muito bem deles. Infelizmente, não consigo estar tão presente porque trabalho demais, uma média de 15 horas por dia. Então, não sou aquela avó presente, aquela mãe que está o tempo todo presente, mas sempre estou muito atenta e busco ser prestativa. Tudo que eles precisam, me procuram e eu ajudo. Tive que trabalhar muito a vida inteira e isso permanece até hoje, para conquistar as minhas coisas e as deles também, porque nada vem fácil na minha vida. Tenho que matar literalmente um leão por dia pra ter o meu lugar ao sol, porque é muito fácil perder esse lugar sendo uma pessoa trans, então não posso descansar minha cabeça.
E a Léo vovó? Heloísa acabou de completar 2 aninhos, está curtindo muito?
Minha neta Heloísa Áquilla, assim como eu, Leonora Áquilla, é uma linda menina preta e minha paixão. Como comentei, não consigo estar tão presente, mas minha família entende bem isso. Tenho sido, de certa forma, o alicerce da minha família e não posso deixar esse alicerce ruir de jeito nenhum. Então, o excesso de cuidado para que eles tenham essa estrutura me obriga a me ausentar em alguns momentos. A minha forma de dar o amor para eles é cuidar para que eles tenham estrutura para estudar, principalmente para ter uma boa educação.
Após o rompimento com Chico, já está namorando de novo? Tem algum pretendente?
Bom, o relacionamento acabou porque fui traída e depois disso fiquei muito machucada. Passei quase dois anos de luto porque foi muito difícil pra mim. Eu era louca, apaixonada, doente por ele. Essa traição foi como uma apunhalada nas costas. Então, eu demorei muito pra me recuperar. Agora recuperada, continuo solteira e apaixonada, sim, por mim mesma. Não estou namorando, pois no momento estou realmente focada em mim e no meu trabalho.