“Ditadura da magreza” da TV Globo acaba em indenização milionária
A emissora dos Marinho foi condenada em uma ação aberta pela jornalista Veruska Donato por direitos trabalhistas e denúncias de preconceitos
atualizado
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A TV Globo pode ter que pagar mais de R$ 8 milhões de indenização para uma ex-jornalista da casa, após um processo por direitos trabalhistas e denúncias de misoginia (ódio às mulheres), etarismo (preconceito por idade) e imposição da “ditadura da magreza”.
Segundo o site Notícias da TV, a emissora dos Marinho foi processada por Veruska Donato e perdeu a causa. A profissional afirmou, nos autos, que o “padrão Globo de beleza” determinado pelos chefes a deixou doente. A prática foi considerada misógina pela Justiça, em uma decisão inédita. Isso porque até hoje a empresa não havia recebido uma punição pela “ditadura da magreza”.
Ainda de acordo com o portal, Veruska Donato ficou na TV Globo por 21 anos e saiu de lá em 2021, após ficar afastada do trabalho por 77 dias. A jornalista desenvolveu síndrome de burnout (estresse e esgotamento físico devido a trabalho desgastante). Em janeiro do ano passado, ela resolveu abrir um processo contra a empresa exigindo alguns direitos trabalhistas e acusando a emissora de misoginia (ódio às mulheres) e etarismo (preconceito por idade), além de falar sobre a “ditadura da magreza” imposta nos bastidores.
Na ação, a autora contou que ao se aproximar de 50 anos de idade, começou a ouvir críticas da chefia da área de figurino sobre ter “flacidez, ruga ou gordura fora do lugar”. Por conta do “ambiente misógino” que passou a incomodá-la, a jornalista revelou que passou a “apresentar variação de humor com agressividade, isolamento, irritação, ansiedade e depressão”.
Nos autos, os advogados da repórter, Carlos Daniel Gomes Toni e Kiyomori Mori, anexaram como prova um comunicado interno, distribuído em 2017 pela direção de Jornalismo de São Paulo, que listava regras de beleza apenas para mulheres. O texto determinava desde a cor de esmalte até a proibição do uso de franjas, porque dariam um “visual frágil e infantilizado” às funcionárias. Além disso, o documento aconselhava que elas evitassem roupas de tecido aderente, pois marcavam “um estômago mais avantajado e barriguinhas persistentes”.
O juiz Adenilson Brito Fernandes, da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu em sua sentença, proferida na última segunda-feira (1º/4), que “a perseguição estética [da Globo] importava na ditadura da magreza”, configurando “misoginia intolerável”. O magistrado condenou a emissora por dano moral, estabelecendo uma indenização de R$ 50 mil para Veruska Donato.
“O empregador pode impor padrões mínimos em seu ambiente de trabalho, mas não pode exigir condutas, comportamentos, padrões de vestimenta, de peso, de idade, aparência, de cor do cabelo, penteado, etc., pois isso tem a ver com autodeterminação individual e privada do trabalhador. Ainda que existam estudos, estatísticas de que a televisão pode ditar padrões, esse tipo de conduta se encontra superado atualmente, o próprio reclamado [Globo] tem procurado se adaptar a essas mudanças”, afirmou Fernandades.
O juiz declarou que documentos e testemunhas do processo permitiram “concluir pela existência de discriminação face às mulheres” por “sexo, idade (etarismo), peso, cor, hipóteses de misoginia intolerável, evidentemente, já que toda forma de discriminação está proscrita desde o texto constitucional”.
“Fiquei convencido de que houve invasão e violação dos direitos de personalidade da reclamante [Veruska], como tais, o de intimidade, da vida privada, à honra e à integridade físico-mental”, concluiu o magistrado.
Apesar de considerar a “culpa patronal grave” e a “gravidade da patologia”, Adenilson Brito Fernandes estipulou a indenização em apenas R$ 50 mil. O defensor da jornalista, Carlos Daniel Gomes Toni, que tem experiência no ramo trabalhista, indenizações baixas por danos morais são comuns, pois visam efeito pedagógico e não meramente punitivo. Porém, ele contou que vai recorrer do valor.
Direitos trabalhistas definidos
A Justiça de São Paulo também invalidou, segundo a página, o contrato de prestação de serviços como pessoa jurídica (PJ) que a Globo e Veruska Donato mantiveram entre abril de 2002 e junho de 2019. Com isso, a empresa terá que registrar em carteira , com um salário mensal final de R$ 52.582.
Para Fernandes, a determinação não afronta decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça), considerando legais relações chamadas pejotizadas, porque no caso de Veruska Donato havia claramente uma situação de subordinação, não de terceirização.
“O conteúdo jornalístico pertence com exclusividade à direção do reclamado [Globo], é este quem dita e determina o que será ou não veiculado, determina quais matérias serão preparadas, se serão exibidas ou não, edita, determina determina seu refazimento e etc. Logo, não há autonomia, nem liberdade nesta tarefa”, analisou ele.
Por conta da decisão, a jornalista irá receber adicional por tempo de serviço, residuais de aviso prévio e 13º salário, vale refeição, FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), multa de 40% sobre o saldo do FGTS, horas extras, intervalos de refeição e adicional noturno.
Esses valores serão baseados, de acordo com a Justiça, sobre os últimos cinco anos de relação trabalhista, contados a partir da data de protocolo da ação, em janeiro de 2023. O juiz estimou a indenização em R$ 3,5 milhões, mas segundo os advogados de Veruska, esse valor é extremamente conservador, mais para estipular honorários advocatícios, e deve ficar acima de R$ 8 milhões.
O Notícias da TV revelou, ainda, que nem todas as indenizações pedidas por Veruska foram concedidas. A autora tentou anular sua dispensa da Globo, o que o juiz negou, pois foi dela a decisão de se demitir. Fernandes também a condenou a pagar R$ 5 mil de multa por litigância de má-fé, porque seus advogados tentaram desqualificar testemunha da Globo, o que foi considerado um “incidente processual”.
O magistrado decidiu também que a Receita Federal e o INSS sejam oficiados para que a Globo seja multada pelo não recolhimento de impostos e contribuições previdenciárias nos 17 anos em que Veruska foi PJ.
Após deixar a Globo, Veruska se mudou para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e trabalhou durante dois anos como apresentadora da Record local. Hoje, ela atua como assessora da senadora Tereza Cristina (PP).
A TV Globo ainda pode recorrer da decisão e não quis comentar o caso.