Alegação de que radar só serve para arrecadar é rasa, diz juíza
Magistrada federal que homologou acordo para garantir pardais nas rodovias federais lembra: argumento tem pouca densidade científica
atualizado
Compartilhar notícia
Nesta segunda-feira (12/08/2019), o presidente Jair Bolsonaro ‘anunciou’, em visita a Pelotas (RS), o fim do uso de radares móveis nas rodovias. No domingo (11/08/2019), havia pedido ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que acabasse com os pardais da capital. Não encontrou guarida em nenhum dos dois lugares. “Defendo a vida”, reagiu Rocha.
Bolsonaro também tem enfrentado a determinação de uma juíza: Diana Wanderley, da 5ª Vara Federal de Brasília. Há duas semanas, ela homologou um acordo para a instalação de radares em rodovias federais, a partir da orientação do DNIT. Antes, havia decidido, cautelarmente, manter no lugar todo medidor de velocidade das BRs brasileiras.
Em entrevista ao Entre-eixos, a magistrada reforça que é importante mantê-los nos locais mais críticos e que o acordo – bem estruturado – será executado de modo uniforme em todo o Brasil. Ela considera rasa a alegação de que os radares só servem para arrecadar multas – e de pouca densidade científica. “Os radares só atestam o fato: a velocidade que trafegou o veículo naquele momento do registro”, ressalta a juíza. Confira trechos da entrevista.
A senhora acaba de homologar acordo com vários órgãos para a manutenção dos radares em rodovias federais. É suficiente, diante da opinião manifesta deste governo de ‘acabar’ com esses aparelhos? A senhora está satisfeita com o resultado?
O acordo foi composto por dois momentos: o primeiro é garantir a existência dos radares nas rodovias federais nos locais mais críticos, o que representa 1.140 radares. Já no segundo momento, será realizado estudo para analisar quais localidades das rodovias federais ainda necessitam da alocação destes. O acordo ficou muito bem estruturado e contemplou todas as nuances do problema levado à apreciação da Justiça Federal – e será executado de modo uniforme em todo o Brasil. Foi um excelente acordo para o país.
A insistência do presidente Bolsonaro de retirar das rodovias os radares e sua pronta contra-ação mexeram num ponto crítico de percepção social: o uso de multas pelo Estado para arrecadar. Como conciliar esses dois extremos: educar, salvar vidas e arrecadar?
Inicialmente, é importante não politizar a atividade do juiz. O magistrado não atua de ofício, é demandado pelo detentor do direito de ação – e a sua obrigação é julgar a questão trazida ao juízo. A alegação de que os radares só servem para arrecadar multas é rasa e de pouca densidade científica. Até por que os radares só atestam o fato: a velocidade que trafegou o veículo naquele momento do registro. Pelo que percebi dos debates que surgiram em torno do tema, as críticas estão principalmente nos radares de vias municipais e estaduais, e que não são de competência do governo federal (União e autarquias federais).
E como avançar nesse tema?
Nada impede que o caráter pedagógico seja reforçado e as velocidades limites das vias passem por uma nova avaliação, dentro do devido processo legal. Contudo, isso não retira a importância dos dados técnicos que constatam: os radares salvam vidas. Fora isso, também não se pode negar que todo o processo pedagógico passa por um aprendizado. O aluno estudioso tira notas altas, o relapso com o estudo tira notas baixas e faz recuperação. Assim é no trânsito. Quem cumpre a velocidade limite e as leis impostas de trânsito não é multado, não fica em recuperação.
Os pontos de radares devem ter detalhes como sinalização visual e luminosa e limites de velocidade apropriada. Isso será, em sua opinião, cumprido?
Não ocorreu determinação específica deste juízo estabelecendo qual o mecanismo que deva ser adotado para fins de informação ao condutor da existência do radar e da velocidade das rodovias. Isso fica a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O importante é que tenha a informação de forma que o condutor que não deseja descumprir a lei possa tomar conhecimento. Neste caso, fora o dever de cooperação, há o dever de informação por parte do poder público. Isso já está previsto no contrato com as empresas de radares e cabe ao governo reforçar. Caso algum dever estabelecido no acordo não seja cumprido, a justiça irá analisar e se posicionar.
Aliados deste governo ‘denunciam’ supostas fraudes no sistema de fiscalização? Alguma informação sobre esse tema surgiu nessas reuniões? O DNIT, por exemplo, manifestou-se à senhora?
Nada foi tratado quanto a isto. Até por que não integra o objeto da lide (demanda, pleito).
E quanto às ameaças que a senhora sofreu de, supostamente, seguidores do presidente? A senhora tem informações sobre as investigações? Algum ameaçador foi identificado?
Estas informações estão em sigilo. Mas há duas demandas já tramitando na Justiça: uma penal e uma cível.