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Tive o que fui buscar, um país e um povo, na avenida, com a Mangueira

Quando vi o arco de Oscar Niemeyer, liguei meu coração do Rio a Brasília e me fiz ainda mais brasileira

atualizado

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mangueira carnaval campea
1 de 1 mangueira carnaval campea - Foto: DIEGO MARANHAO/AM PRESS & IMAGES/ESTADAO CONTEUDO

Não sabia mais o que era a batida do meu coração, o que era o som retumbante da bateria, o que eram os versos do samba-enredo da Mangueira. Era o renascimento de meu país dentro de mim.

“Brasil, tira a poeira dos porões, ó, abre alas, pros teus heróis de barracões. Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões”. Mandei beijo pra Leci Brandão, ela lá no alto, eu aqui embaixo, as duas na avenida. (E ela retribuiu o beijo!)

O desfile toma tudo da gente, toma e devolve, devolve e toma, uma espiral que nos faz atravessar a avenida com o corpo e a alma entregue a tudo aquilo: o samba, a bateria, a escola, o público, as fantasias. Deixei de me ser para ser a Mangueira. Queria rir e queria chorar… mas alguma coisa me levou, sem choro nem riso, “pra história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra”.

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A escola denunciou o genocídio dos povos indígenas, a escravidão e o feminicídio
Mangueira fez crítica a cortes de verbas
Eduardo Paes cancelou a festa
A víuva de Marielle Franco participou de desfile que homenageou a vereadora
Evelyn Bastos saiu como rainha de bateria da Estação Primeira de Mangueira
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Desfile da Estação Primeira de Mangueira

Marco Cavalcante/Fotos Públicas
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A escola denunciou o genocídio dos povos indígenas, a escravidão e o feminicídio

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Mangueira fez crítica a cortes de verbas

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Eduardo Paes cancelou a festa

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A víuva de Marielle Franco participou de desfile que homenageou a vereadora

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Evelyn Bastos saiu como rainha de bateria da Estação Primeira de Mangueira

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A Mangueira foi a sexta agremiação a entrar na avenida

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Mestre-sala e porta-bandeira da verde e rosa

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Durante o desfile, a verde e rosa emocionou os foliões na Marquês de Sapucaí e arrancou gritos de “é campeã”

Wilton Junior/Estadão Conteúdo
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A Mangueira homenageou os heróis esquecidos na história brasileira

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Integrantes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira reunidos na quadra da agremiação, na Zona Norte do Rio de Janeiro, acompanham a apuração das notas dos desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Carnaval

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Clima de comemoração quando a escola foi anunciada campeã, antes mesmo do anúncio da última nota, no quesito fantasia

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A Mangueira conquistou sua 20ª vitória no Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro

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Com troféu em mãos, os integrantes da Mangueira vibraram na quarta-feira (6/3)

FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Como se tivesse, finalmente, encontrado a minha cosmogonia, “do sangue retinto pisado, atrás do herói emoldurado. Mulheres, tamoios, mulatos, eu quero um país que não está no retrato”.

Nos dias anteriores, enquanto decorava o samba, a 1.156 km da Sapucaí, fui entender “os versos que o livro abafou”. Fui saber por que, “Brasil, o teu nome é Dandara, e a tua cara é de cariri”.

Mulher de Zumbi, Dandara foi uma estrategista da resistência aos ataques a Palmares. Acredita-se que ela tenha influenciado Zumbi a romper com Ganga-Zumba, porque divergia do acordo com o governo português para que, em troca de alguma paz e alguma liberdade, o quilombo se comprometesse a entregar às forças policiais todos os escravos fugitivos que chegassem.

“E a tua cara”, Brasil, “é de cariri” por herança da resistência de várias etnias tapuias, entre os séculos 17 e 18, contra a tentativa portuguesa de lhes tomar as terras. Ficou conhecida como Guerra dos Bárbaros, porque era assim que o colonizador denominava os índios que compunham a Confederação dos Cariris, que lutou no Nordeste brasileiro durante 30 anos para ter direito ao que lhe pertencia muito antes de este lugar se chamar Brasil.

O fim da escravidão “não veio do céu, nem das mãos de Isabel”. Veio de muita luta, da qual participou um caboclo chamado Chico da Matilde, jangadeiro nascido em Canoa Quebrada, Aracati (CE), que comandou um movimento de resistência: ele e seus companheiros negaram-se a transportar da praia até os navios negreiros os escravos vendidos para senhores do Sul/Sudeste. Chico da Matilde passou, então, a ser conhecido como o Dragão do Mar. Por isso, “a liberdade é um dragão no mar de Aracati”.

Depois de cantar “os caboclos de julho”, que lutaram pela independência da Bahia (2 de julho é feriado por lá), e lembrar “quem foi de aço nos anos de chumbo”, a Sapucaí canta à capela: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”. Canta uma, duas, três, quatro vezes, e a cada uma delas me sinto mais viva, mais forte, novamente brasileira.

Maria é Maria Felipa, baiana de Itaparica que participou das lutas pela independência da Bahia. Com outras mulheres, índias e índios, defendeu a costa da ilha contra a invasão portuguesa.

FABIO MOTTA/ESTADAO CONTEUDO

Luísa Mahins foi uma escrava que pagou pela própria alforria e virou quituteira em Salvador. Os meninos que compravam seus quitutes levavam, dentro dos doces, mensagens em árabe para os integrantes da Revolta dos Malês, negros de origem islâmica que lideraram um levante contra a escravidão em 1836.

Quando vi o arco de Oscar Niemeyer, liguei meu coração do Rio a Brasília e me fiz ainda mais brasileira. Na dispersão, quis muito dar um beijo numa negra de cabelos brancos, rosto vincado, miúda, andando bem devagar sob o peso da fantasia da Ala da Baianas. O desfile já havia acabado, mas ela ainda cantarolava de si pra si: “Brasil, meu nego, deixa eu te contar…”.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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