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Tião Provisório, o candango que levou a utopia ao limite da loucura

Após assentar meios-fios na nova capital, Tião abandonou Brasília e subiu o Goiás à procura de um lugar para erguer a sua própria cidade

atualizado

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Sérgio Amaral/Reprodução
tiao candango
1 de 1 tiao candango - Foto: Sérgio Amaral/Reprodução

Existem personagens que não desgrudam da gente, passam-se os anos, as décadas, ele está lá nítido e cristalino como um acontecimento, uma revelação, um nome gravado na pedra.

Tião Provisório sempre volta às crônicas desde que o conheci há mais de 20 anos. Um candango fabuloso, uma fábula em si mesmo, no seu corpo preto, tenso e miúdo, no movimento imperativo de seu desejo, o de inventar sozinho uma cidade num certo ermo ao norte de Goiás.

Depois de assentar meios-fios na nova capital entre o final dos anos 1950 e o começo de 1960, Tião abandonou Brasília e subiu o Goiás à procura de um lugar para erguer a sua própria cidade, a que ele estava inventando dentro de si sem papel, sem caneta, sem dinheiro nem arquiteto nem engenheiro.

Ninguém inventa uma cidade do nada, nem as cidades reais nem as que a gente constrói dentro da gente com a matéria das nossas lembranças. A do Tião Provisório precisou de um chão de realidade. E ele saiu em busca desse lugar, numa Missão Cruls dele mesmo.

Arrebatado pela construção de Brasília em tão pouco tempo, pelo movimento monumental de terra, por tudo o que quase milagrosamente acontecia, o candango fugidio atravessou o tênue limite entre sanidade e loucura, subiu o norte goiano em estrada de terra e finalmente chegou a Mandinópolis, a quase 400 km da nova capital.

Tião tinha deixado a cidade de Lucio Costa para procurar o marco zero de sua própria invenção, o cruzamento de duas estradas de cascalho. Encontrou e nele fincou um pedado de madeira, no qual escreveu: Limolândia, capital de Goianorte. (Tem uma Goianorte, verdadeira, no estado do Tocantins).

Era tão fabuloso, o Tião, que a notícia de seu feito chegou a Brasília no começo dos anos 1990. O documentarista Vladimir Carvalho foi atrás dele (seguindo a pista do jornalista Edson Beú, o primeiro a ter notícia do incrível personagem), para compor o imprescindível Conterrâneos Velho de Guerra, documentário sobre a construção de Brasília sob a perspectiva dos operários.

Dez anos depois de Vladimir entrevistar Tião, encontrei o candango fabuloso no mesmo lugar, Mandinópolis, ainda erguendo a sua cidade. Morava num barraco de adobe na beira da estrada de terra com a mesma obsessão: seguir construindo Limolândia, cidade imaginária, mas que tinha marcas concretas: um aeroporto, um escritório e a própria moeda.

O aeroporto era uma clarão que ele mesmo abriu na mata; o escritório, um barraco de adobe; e a moeda, papeizinhos cortados em quadrado com um carimbo: Cherisreais, o nome do dinheiro em Limolândia.

Cheguei à cidade de um homem só em janeiro de 2002. Já com quase 80 anos, Tião ainda tinha os nervos dos braços enrijecidos, as veias crispadas até a palma das mãos. Ganhava R$ 30 por dia na lida do milho. E gastava quase tudo na construção da sua delirante utopia.

Nenhum parente procurou por ele nesses anos todos. “Éramos seis, fomos criados sem pai nem pai, todo mundo se esparramou por aí”. Depois de fixar os olhos no vazio, ele me disse: “Sou preto, pobre, feio e sozinho. Minha sorte é que um presidente me mandou construir essa cidade”.

Três anos depois, Tião morreu de mal de Chagas. Deixou marcadas na terra e na memória de Mandinópolis a utopia de um homem tomado pela maravilhosa loucura de criar uma cidade a partir do nada. E criou.

Tião Provisório tinha esse apelido porque muita coisa na construção de Brasília era “provisória”, a Cidade Livre, os barracões nos canteiros de obras. Até o Catetinho era o palácio provisório do presidente. A cidade  que o Tião inventou também era “provisória”, ele vivia repetindo.

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