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Riquezas do Iphan sob risco de serem chamadas de a “porra do prédio velho”

Atacado em todo o país, instituto protege o patrimônio mais importante do povo brasileiro, suas festas, tradições e seus sítios históricos

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Antes de eu vir para Brasília, o Iphan despertava em mim uma vaga admiração, como se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional fosse uma espécie de pai-tutor-protetor de Ouro Preto, Pelourinho, Aleijadinho e um monte de igrejas barrocas. Se fosse só isso, já seria demasiado num país que tem um vazio simbólico a ser preenchido e ao mesmo tempo uma história vigorosa que nos constitui como povo e nação – e que precisa ser protegida. Vazio que precisa ser ocupado para nos fortalecer como civilização brasileira.

Nesse vácuo, entre o que verdadeiramente somos e o que nem sabemos que somos, está o Iphan (e outras instituições de igual valor). Nesse abismo aonde estamos sendo atirados, como povo e nação, o Iphan é a bola da vez – nunca, em seus 82 anos, a instituição esteve tão ameaçada por interferências políticas.

Nunca foi fácil cuidar do patrimônio cultural (material e imaterial) num país que não cuida nem das escolas públicas. Mas agora o Iphan está sendo invadido pela política mais rasteira, e seus cargos estão sendo ocupados por uma gente que dá tanto valor ao casario colonial brasileiro quanto Bolsonaro dá à Floresta Amazônica, a qual reduziu, dias atrás, à “porra da árvore”.

Para nós, brasilienses, o Iphan é o divã de nossas dores arquitetônicas e urbanas (sim, aqui a arquitetura e o urbanismo doem). Poucas cidades têm um vínculo tão direto com o instituto e têm noção tão clara de sua importância, talvez as cidades históricas de Minas, Salvador, Rio, Recife, Belém.

Mas ainda assim, em Brasília, por sua condição de patrimônio da humanidade, por ser um incomum sítio moderno – o maior do planeta –, o Iphan é uma espécie de SUS da arquitetura e do urbanismo. Há quem o odeie e terá suas razões, todas elas da ordem do capital, da especulação imobiliária e dos interesses políticos.

Brasília nem existia como possibilidade real quando o Iphan foi criado, em 1937, ano em que começava a construção do Ministério da Saúde e Educação Pública, no Rio. Primeiro edifício moderno naquelas proporções e com aquelas funções, o atual Palácio Gustavo Capanema juntou os dois futuros criadores do urbanismo e da arquitetura da nova capital, Lucio e Oscar – o primeiro, já consagrado, e o segundo, um iniciante querendo aprender com o melhor.

Se fosse só a Superintendência do Iphan em Brasília que estivesse sendo ocupada por quem entende de patrimônio tanto quanto Bolsonaro entende de índio, árvore e Amazônia, se fosse só no quadrado, não seria pouco, mas a extensão do dano seria concentrada. O Iphan está sendo atacado em vários estados, nos quais profissionais comprometidos com o patrimônio cultural brasileiro vêm sendo substituídos por gente que talvez, a exemplo do presidente, não sabe exatamente quem foi João Gilberto.

Antes que o atual presidente venha dizer que o Iphan cuida da “porra do prédio velho”, o instituto acompanha, estuda, faz inventário e protege o patrimônio cultural, seja ele físico ou simbólico, seja o Palácio da Alvorada ou o tambor de crioula do Maranhão, as casas de madeira do Paraná ou os queijos artesanais antigos de Minas Gerais. A Feira de Caruaru ou o Bolo de Rolo, o Palácio do Catete ou o samba de terreiro.

São partes da alma brasileira, que foi se constituindo ao longo de cinco séculos, a despeito do desinteresse do poder e do capital. Fomos feitos, o povo brasileiro, na resistência miúda de quem não tem nada além de si mesmo e do que nos foi transmitido pelos que vieram antes de nós.

Mas essa gente que está atacando a alma brasileira não entende de alma… nem de Brasil.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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