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Rio não é o mar, não é a montanha, não é o samba. É gente!

A cidade mais linda do mundo, mesmo muito sofrida, revela humanidades na praia, no metrô, na favela. Como é bom colar o corpo na vida urbana

atualizado

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Conceição Freitas/Metrópoles
Rio de janeiro centro
1 de 1 Rio de janeiro centro - Foto: Conceição Freitas/Metrópoles

A cidade é o lugar que a gente inventa, por pior que seja. Às vezes ela é tão imponente, força da natureza, que nem o homem, por mais que tente, não consegue destruí-la. O Rio é uma dessas cidades. Não é só a soberania do território – haverá mais belo? –, é outra coisa que me toma como chuva no deserto.

É o menino de fralda que se aproxima da ondinha no mar, entre aflito e extasiado, e diz pra mãe: “Piscina!”. Vai e volta e não cede nem à aflição nem ao êxtase e, desse modo, aprende que a felicidade é um risco.

Ou o homem que me puxa pra dentro do vagão do metrô no instante em que a porta se fecha. E eu nem tenho como agradecer, porque já fui parar no meio dos pés espremidos.

Ou a dupla de jovens que canta tangos em espanhol dentro do trem e é aplaudida. Ou a mãe de três filhos, um de colo, os outros dois de não mais de 4 anos, que diz: “Senhores e senhoras, bom dia. Antecipadamente peço desculpas pelo inconveniente…” – e pede um trocado para ajudar a alimentar as crianças (as duas pequenas, uma a cara da outra e a cara da mãe).

Ou o vendedor de abacaxi que me responde: “Sou eu quem agradece”. Sou eu quem agradece! Música para meus ouvidos cansados de “obrigado eu” ou “gratidão”. Ah, como é bom encontrar a língua portuguesa em estado de plenitude.

Rafaela Felicciano/Metrópoles

No rumo da estação do metrô, subo a Favela do Cantagalo, seguindo o passo das gentes. Ainda não são 9h da manhã, e um homem negro, meio esquálido, não mais de 40 anos, sai do boteco contando vantagem: “Vou buscar meu fuzil”. Está bêbado.

Muita gente descendo o morro no sábado de muito sol. Moradores modelo classe média. Lá embaixo, duas viaturas da polícia.

Na entrada da estação do metrô, o gostosão/malhadão/tatuado/só de bermuda chama a menina de saia curta e cabelos longos, pede o número do telefone e põe a mão no ombro dela. Aquilo me assusta, identifico assédio. A menina dá o número, sorri meio maliciosamente e vai embora. Cinquenta metros adiante, dentro da estação, um rapaz a espera. Beijam-se de bicota e seguem para um mesmo destino.

Numa calçada de Copacabana, o morador de rua dorme colado, de conchinha, com um cachorro. Quando o bicho se coça, o homem dá uma olhadela pra ver se está tudo bem com o amigo e volta a dormir.

No Bar do Bacana, o lugar do caldinho de feijão mais honesto que já provei, dois rapazes conversam atrás de mim: “Eu chego, tiro a camisa, ponho na cadeira. Não necessariamente vou usar de novo. Pode ser que use no outro dia”.

A outra diz pra amiga, andando pela calçada: “Acordei, fiz café, dei uma arrumada na casa”.

(Qual é o gosto de ficar detalhando rotinas enfadonhas? É pra viver o enfado novamente?)

Peço um mate com limão, o vendedor me serve e pergunta, pra ser gentil, se não quero um chorinho. Já tinha visto chorinho de uísque, mas de mate?

Me aproximo do vendedor de canga – R$ 40 cada uma. Peço um desconto e logo me envergonho. O homem está sob o sol do meio-dia, andando na areia fofa e quente, carregando quilos de pano, e eu querendo um desconto que não pediria numa loja de marca ou de departamento porque nem seria possível. Engulo a vergonha e pago os R$ 40.

“Não tenho idade mais pra ter paciência”, me diz a vendedora de roupas indianas numa feirinha. “Você não acha?” Respondo que não. Ela fica sem jeito. Digo que quanto mais velha fico, mais paciência tenho. Ela diz que está com 75 anos e com pressão alta. Não me comove.

Experimento a roupa, decido comprar e no final, sem que eu pedisse, ela me dá um desconto de R$ 5.

Está na hora de pegar o caminho de casa. Não é nem da praia ou das montanhas ou da comida boa e barata ou do sambinha do boteco. Terei mesmo é saudade de gente.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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