Que Nossa Senhora do Cerrado proteja o Eixão do Lazer
Protetora de Brasília, fazei com que cheguemos sãos e salvos ao Eixão sem o espetáculo de antialegria e anti-Brasília que se viu no domingo
atualizado
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Travessia do Eixão é um poema de Nicolas Behr que foi musicado por Nonato Veras e gravado por Renato Russo. É assim:
Nossa Senhora do Cerrado,
protetora dos pedestres
que atravessam o Eixão
às seis horas da tarde,
fazei com que eu chegue são e salvo
na casa da Noélia
Peçamos, então, proteção à Nossa Senhora do Cerrado:
Nossa Senhora do Cerrado, protetora do samba, do chorinho, do jazz e do rock, que ocupam o Eixão todos os domingos, fazei com que os brasilienses continuem chegando sãos e salvos ao canteiro das músicas, das alegrias, dos encontros e da cidade verdadeiramente viva.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora das cadeirinhas de praia, das cangas, dos piqueniques, das sombras e dos gramados, fazei com os brasilienses que ainda têm na alma o gosto pela vida coletiva, pelo gosto de viver misturado, fazei com que eles cheguem sãos e salvos aos próximos domingos no Eixão.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos brasilienses que suportam o reflexo e o calor implacáveis do Sol no asfalto só pelo prazer de caminhar, correr, trotar, andar de bike, de triciclo, de patins, de patinete, de skate, de rolimã, fazei com que todos eles possam continuar transformando esse asfalto indiferente e intolerante num recanto de convivência, num exercício de humanidade.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos jogadores de capoeira, de frescobol, de qualquer joguinho domingueiro no gramado, fazei com que eles voltem ao Eixão nos próximos domingos, com a tranquilidade de todos os domingos desde 1991, ou seja, há 23 anos, o tempo do surgimento de uma nova geração, a geração dos domingos no Eixão.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos vendedores de água de coco, água sem coco, água com gás, água sem gás, caldo de cana, sucos, refris, cervejas, chopes, fazei com que eles voltem ao Eixão nos próximos domingos, com seu sagrado direito ao trabalho.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora das baianas do acarajé, do Seu Zé da cerveja, do Seu João do chope artesanal, da dona Joana do sanduíche vegano, de dona Mariinha do espetinho e do queijo coalho, de seu Santiago do algodão doce, de seu Quincas da pipoca, fazei com que todos eles possam voltar ao Eixão para transformar o asfalto implacável num recanto de felicidades doces, geladas, quentinhas, saborosas e refrescantes.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos pets que esperam por um tutor, fazei com que eles cheguem sãos e salvos ao Eixão nos domingos vindouros, sem que sejam ameaçados de expulsão pelos comboios da intransigência.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora das famílias de todo jeito, de todas os formatos, de todos os tamanhos, de todas as cores, de todas as ideologias, de todas as crenças, de todas as idades, que possam atravessar o Eixão da Asa Sul à Asa Norte, fazendo o milagre que só as pessoas vivas de vida sabem fazer: transformar desertos de asfalto em florestas de domingueiras alegrias.
Nossa Senhora do Cerrado, protetora de Brasília, fazei com que os brasilienses cheguem sãos e salvos a todos os próximos domingos no Eixão sem o espetáculo de anticidade, anticidadania, anti-humanidade, antidiversidade, antiutopia, antialegria e anti-Brasília que se viu no domingo passado.
Nossa Senhora do Cerrado, nos protegei.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.