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Quando Bioy Casares veio ao Brasil e fugiu para conhecer Brasília

Bioy decidiu se antecipar, largou os colegas e seguiu sozinho para a novíssima capital do Brasil

atualizado

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Cronica
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Adolfo Bioy Casares não tinha a menor intenção de vir ao Brasil, muito menos a Brasília, cidade que acabara de ser inaugurada. Mas acatou, meio a contragosto, o convite impositivo do presidente do Pen Clube, organização internacional de escritores.

– Já está tudo acertado. O senhor e eu vamos ao congresso do Pen, no Rio de Janeiro, ordenou Antonio Aita, o presidente da entidade de cuja diretoria o autor de A invenção de Morel fazia parte.

– Como assim?, perguntou Bioy. Por que eu iria, se não sei falar? Sou um escritor por escrito.

– Isso não importa.

– Além disso, tenho muito o que fazer. Não posso sair de Buenos Aires agora, insistiu o marido de Silvina Ocampo e amigo de Jorge Luis Borges. Não demorou e Bioy aceitou a proposta. Saiu do encontro com Aita e, no meio da rua, ouviu uma frase que ecoou de uma conversa de um grupo de homens desconhecidos.

“Quem diria que você voltaria a ver a Ofélia”. Pareceu-lhe um presságio “porque Ofélia não é um nome muito comum”, pensou o escritor andante. Ofélia! O argentino se lembrou da brasileirinha que havia conhecido, nove anos antes, numa viagem marítima pela Europa. Encontro para nunca mais esquecer: Bioy tomava o café-da-manhã no restaurante do navio, sozinho, quando uma mocinha “dourada e corada, de olhos azuis” passou bem perto dele e “com assombrosa lentidão, desmaiou”.

Mais tarde ficou sabendo que a garota havia desmaiado de amor por ele. A história do portenho com a brasileira estava só começando: Bioy desembarcou na francesa Cherbourg e pegou o trem para Paris. Quem se sentou ao lado dele? A desmaiada de amor, totalmente refeita. A amorosa não apenas se acomodou pertinho do escritor como envolveu o braço dela no dele e apoiou a cabeça no ombro amado, como se fossem bem íntimos.

Em Paris, depois de muito insistir, Ofélia conseguiu marcar um encontro com Bioy num parque da cidade. Tão logo pode, a brasileira atirada lascou um beijo no escritor de amados escritos. “Por pouco não me sufoca com seus beijos de língua. Já era noite quando a deixei, voltei para o hotel e me enfiei em uma cama de onde só sairia quinze ou vinte dias depois.

Aquela foi a pior gripe de que tenho memória. Quando me recuperei, Ofélia já tinha sumido de Paris”, relembra Bioy em um diário de viagem. Depois desse encontro, os dois trocaram um par de cartas e tudo ficou por isso mesmo, até que o “escritor por escrito” teve de vir ao Brasil. Era julho de 1960, nove anos depois do desmaio da apaixonada.

As reuniões do Pen Clube no Rio de Janeiro pareceram-lhe enfadonhas, embora presididas pelo italiano Alberto Moravia e com a presença, entre outros, do britânico Graham Greene. Entediado, Bioy fugiu do congresso literário e foi ao endereço da brasileirinha beijoqueira, mas o porteiro do prédio não a conhecia.

Na programação do encontro de escritores, havia uma viagem a Brasília. Bioy decidiu se antecipar, largou os colegas e seguiu sozinho para a novíssima capital do Brasil. Viajar sem nenhuma companhia era uma das coisas que inspiravam a literatura fantástica do argentino.

No pouquíssimo tempo que ficou em Brasília, Bioy percorreu decepções: para comprar uma escova de dentes teve de viajar 30 quilômetros do Plano Piloto até a Cidade Livre. Constatou que “as pessoas obrigadas a se mudar do Rio para Brasília estão ressentidas e tristes”. E que a nova capital “é ambiciosa, futura, pobre de resultados presentes, desconfortável”.

Bioy não deixou barato: “Aquilo [Brasília] tem um quê de sonho de arte moderna de um funcionário imaginativo, talvez de um demagogo imaginativo”. Era julho de 1960, a capital ainda estava em construção. Em Uns dias no Brasil (em Obras Completas, editora Biblioteca Azul), Adolfo Bioy Casares relembra tudo o que aqui escrevo e
conclui: “A melhor lembrança da viagem: sentir-me sozinho em Brasília, a muitos quilômetros de qualquer pessoa que soubesse quem eu sou. Provavelmente brinco com os riscos da aventura e da solidão, sem correr riscos”.

Talvez a solidão voluntária não seja mais do que o medo de correr riscos, como Bioy mesmo percebe. As fotos que ilustram essa crônica são dele.

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