O Rio é uma constelação de arquiteturas. Até Brasília nasceu lá
O Rio é uma constelação de arquiteturas: eclética, neoclássica, art déco, colonial, moderna, contemporânea. E ainda a da sobrevivência
atualizado
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Tento tirar o Rio de mim, porque afinal é de Brasília que vivo, mas a cidade não me deixa. Durmo, acordo, passo o dia com ela. Foram apenas cinco dias, cinco eternos dias percorrendo as ruas do Centro. Entendi, então, os motivos que fizeram a Velhacap conquistar o título de capital da arquitetura 2020, concedido pela Unesco e pela União Internacional de Arquitetos. (Velhacap era como os candangos chamavam o Rio de Janeiro).
A fusão entre natureza e cultura, arquitetura antiga e arquitetura moderna, somada ao bem-sucedido exemplo de reocupação urbana do Centro antigo, deram ao Rio o merecido título.
Ah, o Rio. Esqueça, por alguns instantes, a escandalosa composição de mar, baía, montanhas, enseadas, lagoas, praias, florestas, ilhas, tente esquecer e se concentre apenas na arquitetura e no urbanismo da cidade, nas ruas estreitas, na mistura de estilos, na superposição dos séculos, na variação de escalas – prédios compactos, edifícios monumentais –, nas áreas verdes, nos calçadões, nas praças, e sentirá o gosto bom de ser brasileiro, sabor que anda escasso por estes tempos.
E esse Rio é o que sobreviveu às muitas investidas do mercado imobiliário, dos prefeitos insanos e até de um general-presidente decidido pela demolição do Palácio Monroe, uma joia da arquitetura eclética que os modernistas odiavam. Para eles, Lucio Costa incluído, arquitetura brasileira era só a colonial e a moderna, Ouro Preto e (depois) Brasília.
Ruy Castro conta em Carnaval no Fogo (Cia das Letras) que, em 1944, perto de 500 casas antigas, três igrejas do século 17 e a Praça Onze foram destruídas para dar passagem à Avenida Presidente Vargas. Nos anos 1920, o Morro do Castelo foi demolido e com ele construções com traços medievais, onde a cidade começou no século 16.
Mas o Rio é tão vasto, rico e diverso que conseguiu salvaguardar a arquitetura antiga e acolher a moderna. Foi na ainda capital do Brasil que surgiu o primeiro edifício institucional de linhagem modernista, a sede do então Ministério da Educação e Saúde Pública, atual Palácio Gustavo Capanema. Quem estava na prancheta, entre outros? O já consagrado Lucio Costa e o recém-formado Oscar Niemeyer.
O Rio serviu para outros ensaios do que viria a ser Brasília: o paisagismo do Aterro do Flamengo, obra de Burle Marx, e o Parque Guinle, precursor das superquadras de Lucio Costa. O arquiteto inventou Brasília em sua casa/escritório no Leblon. E a cidade foi desenvolvida por um grupo de arquitetos amontoados em pranchetas do Palácio Gustavo Capanema.
Se a arquitetura do Rio fosse enredo de escola de samba, a moderna teria direito a um carro alegórico e uma ala, não mais. Dito de outro modo, a arquitetura do Rio é uma paleta de cores e a capital do país é apenas uma delas, embora com variações de intensidade.
O Rio é uma constelação de arquiteturas: eclética, o Teatro Municipal; neoclássica, a Candelária; art déco, a Central do Brasil; colonial, o Paço Imperial; moderna, a Catedral; contemporânea, o Museu do Amanhã. E ainda tem a arquitetura da sobrevivência, a das favelas.
O Rio não me deixa.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.