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O poeta nos revela a pós-moderna Brasília: fragmentada e mutante

As cidades sempre estiveram na literatura, mas agora elas estão de outro jeito: expressam os guetos, as etnias, as ironias urbanas

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1 de 1 poeta - Foto: Kacio Pacheco/Metrópoles

A cidade, qualquer cidade, “é uma poesia em si mesma”, escreve o poeta Ronaldo Costa Fernandes. Autor de alguns poemas fortes, alguns quase cáusticos, sobre Brasília, Ronaldo reuniu em livro ensaios sobre o lugar da cidade na literatura (A cidade na literatura e outros ensaios, Edições AML).

Tantas vezes escrita, tantas vezes filmada, tantas fezes cantada, em todos os tempos, a cidade de agora é “o lugar privilegiado da dispersão pós-moderna. O lugar que é o não-lugar”. O muito discreto, quase recluso, Ronaldo Costa Fernandes nos oferece ferramentas para confrontar o Plano Piloto (a Brasília originária) com toda a Brasília. A platitude ficou na maquete moderna.

A Brasília inteira, de Planaltina ao Gama, de Ceilândia ao Paranoá, é a pós-moderna, a que, nas palavras do poeta e ensaísta, “permite a multiplicação do múltiplo, a singularidade do singular, a expressão caleidoscópica dos guetos, das etnias, das reivindicações de um sujeito mutante e fluido”.

Ainda aproveitando as reflexões de Ronaldo, dá para dizer que a Brasília que transborda do Plano Piloto é “uma topografia da ausência, um espaço vazio onde cabem todas as supostas verdades e as muitas ironias urbanas”.

Ironias como: a cidade que nasceu do lixo, a Estrutural; as duas cidades que nasceram para ser demolidas, o Núcleo Bandeirante e a Candangolândia; a cidade que nasceu do barro das olarias, São Sebastião; a cidade vertical na maquete horizontal, Águas Claras; os condomínios que a classe média inventou para não morar nas satélites. Não nos faltam ironias urbanas.

As cidades que contornam a maquete de Lucio Costa são, em si mesmas, ironia e resistência urbana, são a presença na ausência, são os vazios planejados para o vazio, mas ocupados pela verdade de quem também quis um cadinho da utopia que se pretendia para 500 mil privilegiados. Somos, agora, 3 milhões de brasilienses mais o 1,2 milhão de habitantes dos municípios que compõem a região metropolitana. Haja poesia.

Ainda Ronaldo Costa Fernandes: “O poeta está na cidade pós-moderna como a cidade pós-moderna está nele: fragmentariamente, subjetivamente, autoralmente, moral, étnica, marginal, excêntrica, paródica, fantasmal e alegoricamente. A cidade é uma poesia em si mesma, uma poesia não-concreta, uma poesia de um mundo virtual. O poeta hoje está em simbiose com a cidade que o ameaça e o traga, o seduz e o faz vítima da trama da pós-modernidade. Mais do que simbioticamente preso à cidade, o poeta não é mais aquele que somente acusa a cidade, mas também aquele que constrói o imaginário das cidades”.

Em outro livro, O Difícil Exercício das Cinzas, Ronaldo Costa Fernandes nos conta que a cada dia os operários reinauguram Brasília, e nos diz que somos, os brasilienses, náufragos do céu:

Se o céu é o mar de Brasília,
Estamos todos naufragados na luz intensa
que move o motor do nosso corpo
e a terra pronta para plantio da nossa mente.
E quando chega o planetário da noite
vêm as estrelas ciciar saudades.
Sob o céu transatlântico de Brasília
navega a nau dos operários
que a cada dia reinauguram a capital
ancorada neste porto sem água.
Difícil é dialogar com os pássaros,
riscos ariscos no céu de Brasília.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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