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O grego que tinha a arquitetura no corpo, como Lucio, como Oscar

Eupalinos foi uma mistura de arquiteto e engenheiro que projetou e construiu um aqueduto tombado como patrimônio da humanidade

atualizado

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Zack Marshall/Wikicommons
Imagem colorida do interior do Túnel de Eupalinos, na Grécia - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida do interior do Túnel de Eupalinos, na Grécia - Metrópoles - Foto: Zack Marshall/Wikicommons

Se a tarefa é escrever a biografia de um arquiteto, então é necessário logo de cara tentar saber o que é arquitetura. A bibliografia é inesgotável, é preciso não se perder no excesso de informações, nem acreditar na ilusão de que quanto mais se lê mais se sabe. Há que se escolher o que ler, separar o joio do trigo, procurar a coisa fundante, aquilo que vai sustentar toda a estrutura. Ir ao conhecimento e dele sair, desanuviar as ideias, e entrar novamente até que a construção interna esteja invisivelmente pronta.

Tenho lido desde livros de arquitetura para crianças até uma ficção que foi buscar num dos mais antigos arquitetos da história a raiz filosófica e – por que não? – poética e espiritual da arquitetura. Um deles, Eupalinos ou O Arquiteto, do poeta francês Paul Valéry (Editora 34), é um diálogo imaginário entre Sócrates e Fedro, no qual eles conversam sobre arquitetura, arte, sobre inquietações humanas diante de si mesmo e daquilo que cada um sente que precisa fazer.

– Os viventes têm um corpo que lhes permite sair do conhecimento e neles reentrar. São feitos de uma casa e de uma abelha, diz Sócrates. Corpo, casa e abelha, arquiteturas que sustentam o existir.

O grego que dá título ao livro, Eupalinos, foi uma mistura de arquiteto e engenheiro que projetou e construiu um aqueduto (foto em destaque) debaixo de uma montanha na ilha de Samos, na Grécia, 600 anos a.C.. Duas frentes de trabalho saíram cavando um túnel, uma em cada extremidade, e se encontraram debaixo da terra, com leve desvio de rota, sem nenhum instrumento tecnológico, mas com um espantoso, intuitivo, conhecimento das latitudes e longitudes debaixo da terra. O Aqueduto de Eupalinos existe até hoje e é tombado como patrimônio da humanidade.

A estratégia de abrir o túnel em duas frentes, cada uma numa ponta, é a mesma que mais de 2,5 mil anos depois, o engenheiro Bernardo Sayão usaria para abrir a Belém-Brasília e ligar a Amazônia ao Cerrado.

A conversa fictícia entre os dois gregos, com várias referências a Eupalinos, é um deleite filosófico de fácil leitura. Serve como um alimento espiritual para quem lida com as coisas da arquitetura, da arte, da existência como um feito poético.

Na conversa de gregos, lá pelas tantas, Fedro cita algo que ouviu de Eupalinos:

– Quando mais medito em minha arte, mais a exerço; quanto mais penso e faço, mais sofro e me regozijo como arquiteto – mais me sinto eu mesmo, com volúpia e clareza sempre mais precisas.

O grego do aqueduto arquiteta a si mesmo, em palavra e gesto, desejo e ato, projeto e execução, tudo se fazendo quase ao mesmo tempo.

Um corpo arquitetônico, o de Eupalinos.

Não há devaneios, não há impossibilidade, não há desculpas, não há adiamentos, tal qual um Juscelino decidindo Brasília, um Lucio Costa inventando a cidade, um Niemeyer projetando os palácios, tudo ao mesmo tempo agora.

– De tanto construir, diz Eupalinos, creio ter-me construído a mim mesmo.

Assim Brasília surgiu, de sucessivas e incansáveis construções de si mesma, numa circunstância mítica. A arquitetura (e o urbanismo) brotando como destino inescapável.

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