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Ninguém sente mais solidão e saudade que o brasiliense. Desde o começo

Nem Oscar Niemeyer escapou: trouxe 15 parças para não ficar sozinho em Brasília. Não adiantou muito. Somos todos ilhéus na cidade insular

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1 de 1 Coluna-da-Conceição-abre - Foto: Conceição Freitas/Metrópoles

Brasília foi construída na saudade e na solidão, elas andam sempre juntas. Todos os que vieram para o sertão goiano, na segunda metade dos anos 1950, deixaram família, casa, amigos, paisagens, cheiros, sabores. Sessenta mil candangos e apenas um, porque não se soma nem se compartilha a saudade e a solidão, é de um e do outro e do outro.

Oscar Niemeyer imaginou que assim seria. Trouxe 15 parças para morar com ele em Brasília. Chegaram em agosto de 1958. “Todos amigos, todos guiados pelo mesmo idealismo. Primeiro nos veio a depressão da mudança, muitos de nós saídos de uma cidade adiantada para aquele sertão imenso. Depois, a nostalgia da distância, a ausência da família e dos amigos, do ambiente em que vivíamos, daí decorrendo problemas, os mais íntimos e irreprimíveis” (Minha experiência em Brasília, Editora Revan).

Sessenta mil candangos insulados no sertão. Os telefones funcionavam precariamente e somente na Novacap e nos escritórios das empreiteiras. O único meio de contato democrático eram as cartas, que chegavam no ansiosamente esperado voo das cinco da tarde, vindo do Rio de Janeiro. Ou nos caminhões dos Correios que demoravam dias para descarregar os malotes de cartas, vindas do restante do país – especialmente do Nordeste.

Milhares delas se perderam por falta de endereço – só havia o nome do destinatário e da cidade que ainda nem existia.

Em Brasília, a saudade resgatou uma profissão muito antiga, a do escrevedor de cartas. Sentados em tamboretes num palmo de sombra na Cidade Livre, uma mesinha de caixote à frente, eles deitavam palavras nas folhas finas de papel. E muitas vezes o remetente confiava ao escrevinhador a postagem da correspondência. Cartas que se sabiam sem resposta, que se contentavam em si mesmas – garrafinhas com pedido de socorro lançadas ao mar.

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Outra geografia

Quase 60 anos depois da inauguração de Brasília, um em cada dois habitantes tem um pedaço de si mesmo em outra geografia – na terra onde nasceu ou onde viveu. Apenas metade da população é nascida aqui.  A cada quatro anos, a saudade muda de lugar, com as mudanças democráticas na Esplanada, no Congresso e no Palácio do Planalto (às vezes, como agora, são os quatro anos mais longos da história).

É de solidão que fala Juscelino em sua frase mais famosa, inscrita no Palácio da Alvorada: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os meus olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.”

Muito mais tarde, perseguido pela ditadura militar de 1964, exilado em Paris, Juscelino sentiria dolorosa saudade do Brasil e de Brasília. Era um homem, mas era um território, uma cultura, um povo.

Logo ele que havia aquietado a saudade dos 60 mil candangos que construíram Brasília, com sua capacidade de reconhecer o outro, um a um. E, se não dava para falar com o presidente no canteiro de obras, os candangos enviavam-lhes cartas. Muitas delas estão guardadas no Arquivo Público do Distrito Federal. Algumas estão em Brasília, em 51 cartas, precioso documento de Ivany Câmara Neiva.

A solidão e a saudade construíram uma cidade e dela nunca mais saíram.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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