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Marco Zero: de onde partiu o desejo sedutor de reiniciar o mundo

Engenheiros, arquitetos e topógrafos esquentavam os miolos na cidade ainda inexistente. O Zero teria de ser encontrado

atualizado

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Arquivo Público do DF
marco zero
1 de 1 marco zero - Foto: Arquivo Público do DF

Vinicius de Moraes disse melhor do que ninguém: no começo, era “uma paisagem de oxigênio, silêncio e saudades das origens”. Ali, no centro de um vale rodeado por um anel de chapadas, a cidade haveria de pousar, como uma borboleta procurando lugar para abrir as asas. Era preciso encontrar o ponto certo para o pouso incerto de uma cidade que só existia em folhas de papel.

Antes de tudo, coragem. Ninguém havia feito nada parecido, e se porventura alguém fez, a façanha estava sumida na longa história do surgimento das cidades. Era como fazer-se a si mesmo, aventura solitária ainda que cercada de gentes, modelos, palpites, juízos, medos e incertezas, mandos e desmandos. Era preciso lançar-se ao nada apenas com uma calculadora Facit à manivela e uma linha radiotransmissora continuamente ligada.

Engenheiros, arquitetos, topógrafos esquentavam os miolos em dois lugares distintos e distantes: parte deles numa sala no Rio de Janeiro e outra parte na cidade ainda inexistente. Homens inquietos calculando coordenadas, latitudes e longitudes de uma terra que não tinha começo nem fim. Homens que pareciam movidos pelo mais verdadeiro viver que até então ninguém ali havia experimentado.

Sem que soubessem, havia dentro deles o desejo sedutor e soberano de reiniciar o mundo. Na intersecção de duas linhas perpendiculares, no rápido instante geográfico do encontro de uma com a outra, elas seriam uma só, o Zero, e do Zero nasceriam.

O Zero teria de ser encontrado no lugar certo para que dele partissem as duas asas, levemente curvas, acompanhando docilmente a inclinação do terreno ao norte e ao sul. A borboleta, decidiu seu inventor, pousaria no chão de peito aberto para o nascer do Sol.

Quem acreditava que o terreno era plano como mesa de sinuca, caiu com a cara no chão. Havia uma variação de até 250 metros de altitude no cocoruto de um vale (há quem prefira comparar o relevo do Plano Piloto a uma cratera dadas as ondulações do terreno dentro do anel de chapadas). A inclinação levava as águas de córregos e riachos na direção do Rio Paranoá, corredeira volumosa e pedregosa que a certa altura formava uma cachoeira de chuá-chuá ecoando muito longe.

Ponto para marcar localização do Marco Zero encontrado no buraco do Tatu
Marco Zero de Brasília foi marcado no pavimento do Buraco do Tatu e na parede da passagem do Eixão, entre as asas Sul e Norte

Só no primeiro ano de obras de aterrissagem da cidade-borboleta no chão do cerrado, 428 máquinas gigantes de terraplenagem movimentaram 7 milhões de metros cúbicos de terra. E se pensam que a urgência resultaria num serviço malfeito, os candangos-astronautas tiveram o capricho de tirar a terra do cruzamento dos eixos, o Zero, e levá-la para a futura Praça dos Três Poderes, levantando assim o terreno para que de longe, da plataforma superior da Rodoviária, toda a Esplanada, os palácios e o largo fossem vistos como o ombro vê a palma da mão no braço estendido em dádiva.

Como foi possível calcular o Zero apenas com uma Facit à manivela, lápis, papel, um radiotransmissor irritado e centenas de placas com imagens aerofotogramétricas esquadrinhando os relevos que se escondiam sob arvorezinhas tensas e arbustos nervosos? Foi possível como são possíveis os feitos extraordinários que ninguém sabe explicar muito bem como aconteceram.

Sessenta e sete anos depois, numa obra fortuita, os novos candangos reencontraram no Buraco do Tatu a Estaca Zero, o Marco Zero, o Zero de onde partiu a estranha cidade nascida da força do desejo de não deixar tudo como está.

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