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Estranhas coincidências que acontecem com os biógrafos

Os mistérios encantadores de quem escreve biografias e que fazem as histórias se descortinarem sob os olhos dos autores

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Imagem retirada do documentário O Risco: Lucio Costa e a utopia moderna, de Geraldo Motta Filho, 2003 - Metrópoles
1 de 1 Imagem retirada do documentário O Risco: Lucio Costa e a utopia moderna, de Geraldo Motta Filho, 2003 - Metrópoles - Foto: Reprodução

Dias atrás, o jornalista Mário Magalhães, biógrafo de Carlos Marighella e agora imerso na biografia de Carlos Lacerda, contou nas redes sociais algo que lhe aconteceu recentemente: uma fã do ex-governador da Guanabara colecionou durante muitos anos tudo o que saía na imprensa sobre seu ídolo, recortes devidamente arquivado em três álbuns grandes e pesados.

Depois da morte da colecionadora, os documentos ficaram esquecidos até que chegaram, de mão beijada, ao biógrafo, graças à boa vontade voluntária de pessoas que Magalhães nem conhecia. São coisas que acontecem muito com quem faz biografias, uma torcida animada vai se formando ao redor do biógrafo. Porém, o mais incrível são mesmo as coincidências que começam a acontecer, uma atrás da outra.

Dias atrás, o professor de arquitetura José Carlos Coutinho viu cair diante dele, em casa, do nada, uma pilha de livros. No meio da montanha espalhada no chão, apareceu um texto datilografado e encadernado que tinha se perdido há mais de 30 anos. Era a degravação de uma entrevista que ele mais dois outros arquitetos fizeram com Gustavo Capanema, personagem imprescindível para quem está mergulhado na biografia do urbanista Lucio Costa.

Capanema foi o ministro da Educação que chamou LC para fazer o edifício fundador da arquitetura moderna brasileira em grande escala. Recebi uma cópia da cópia da entrevista com a alegria de quem encontra o que não procurava porque nem sabia que existia.

Ruy Castro conta em A vida por escrito (Companhia das Letras, 2022) movimentos inacreditáveis que trouxeram a ele informações que tanto buscava e não conseguia encontrar. Um deles deu-se já aos 48 do segundo tempo da preparação de Metrópole à beira-mar (Companhia das Letras, 2019), quando o biógrafo precisava procurar a família do cartunista J. Carlos para conseguir a liberação dos direitos de publicação de um dos desenhos do artista.

Como fazia todas as manhãs, Ruy e sua mulher, a escritora Heloísa Seixas, tomavam água de coco num quiosque do calçadão de Ipanema, quando ele comentou que precisava encontrar algum dos herdeiros de J. Carlos e tinha de ser logo porque o tempo estava se esgotando. No que fez esse comentário com Heloísa, Ruy se lembrou que era hora de voltarem para casa. Sem relógio nem celular, o biógrafo perguntou as horas à primeira pessoa que passava.

O homem sorriu, disse que conhecia o casal e se identificou: “Eu me chamo José Carlos de Britto e Cunha. Sou neto de J. Carlos”. Ruy arrepiou-se. Sentiu o sopro do Sobrenatural de Almeida, o personagem que Nelson Rodrigues criou para se referir aos inexplicáveis acontecimentos que mais parecem milagres nessa vida de meu Deus.

Biógrafo de Nelson, de Carmen Miranda, da Bossa Nova, de Ipanema, do Rio de Janeiro, Ruy Castro é um colecionador de coincidências. Uma das que mais gosto aconteceu na apuração da vida de Garrincha, quando o jornalista tentava confirmar um show que teria acontecido na noite de 30 de março de 1964, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, depois do discurso histórico de João Goulart, na véspera do golpe.

Precisando confirmar se o show tinha ocorrido mesmo e se Elza Soares dele havia participado, Ruy decidiu voltar aos microfilmes dos jornais antigos da Biblioteca Nacional. (Naquele tempo, os arquivos ainda não estavam digitalizados).

Depois de horas diante da máquina de microfilme, sem conseguir as informações das quais precisava, o biógrafo olhou para o lado e viu um homem de meia-idade também fazendo consultas. Pelo jeitão forte, bronzeado, cabelo branco passado na máquina, percebeu que era um ex-militar.

O homem puxou conversa, contou que era da Marinha e que “estava até o pescoço na subversão”. As orelhas de Ruy ficaram em pé: “O senhor foi ao Automóvel Clube na noite do discurso do presidente?”. Sim, o ex-militar tinha ido.

– O que aconteceu depois que o presidente foi embora?, perguntou Ruy.

– Teve um show…

– Com quem?

O homem enumerou os artistas da noite: Jorge Goulart, Nora Ney, Jorge Veiga, Jararaca, Mario Lago, Elza Soares…

Bingo. Era a informação que Ruy tanto procurava, a de que a então mulher de Garrincha tinha participado do show pré-golpe de 64. Como escreve o biógrafo em A vida por escrito: “Assim se esclareceu um esquecido episódio da vida nacional, graças a um senhor de cabelo à escovinha que, entre 5,5 milhões de pessoas, se sentou por acaso ao meu lado na Biblioteca Nacional e me deu a informação que os outros 5.499.999 cidadãos cariocas não conseguiam dar”.

Mistérios encantadores de quem escreve biografias.

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