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Brasília se despede de TT Catalão com samba, índios e orixás

Durante cinco horas, a família do poeta, artistas, ativistas e amigos participaram do velório-festa-culto ecumênico no Espaço Renato Russo

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Conceição Freitas
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1 de 1 enterro-tt-catalao - Foto: Conceição Freitas

TT Catalão não foi sepultado na tarde dessa sexta-feira (03/01/2019) na cova 705 da Ala dos Pioneiros do Campo da Esperança. Não foi, creiam. Ele foi plantado, como semente de um homem delicado e amoroso. Dirão que tinha defeitos – até você e eu temos e não são poucos, a gente é que faz de conta que não vê. Mas, na média sofrível da humanidade, TT estava entre os melhores dos humanos toscos que somos.

Mãe Baiana foi quem disse a todos os que estavam na homenagem no Espaço Cultural Renato Russo que TT não foi sepultado, foi plantado. Não morreu, virou um encantado.

A gente só tem a dimensão das coisas que nos acontecem depois que aconteceram, às vezes muito depois. Também é assim com os vivos de nossas vidas. Só depois de mortos, eles nos surgem em sua real dimensão. Assim, foi na despedida de TT Catalão, o jornalista, compositor, artista plástico, artista gráfico, poeta, ativista, músico, gestor público, torcedor do Fluminense, candango e brasiliense.

No velório mais bonito, vivo, cantante, verdadeiro e brasileiro de que já participei, TT surgiu em sua inteira grandeza. Nos quase 50 anos de Brasília, o carioca de Madureira abraçou toda a brasilidade que se junta na capital do país. A festa de despedida teve bateria da Aruc, ritual indígena, oração para os orixás, rock, Ave Maria de Schubert e uma legião de amigos – quase toda a geração que ocupou o concreto gelado e o cerrado ferido com as intervenções intrépidas e libertárias dos anos 1970/1980.

Agência Brasil

Encerro a crônica de despedida de TT Catalão com as palavras do artista plástico Bené Fonteles que, impedido de ir à despedida do amigo, mandou um texto que o também artista plástico Ralph Gehre leu. É um rápido inventário amoroso do ideário de uma geração:

“TT amado, daqui da cama no mezanino da pousada onde estou na Chapada dos Veadeiros, há um buraco no teto por onde a impermanência chove, passam o efêmero das nuvens e o brilho do sol, da lua e das estrelas. Lembrei da mitopoética da criação dos Kaiapó-Xicrin: no começo de tudo havia um buraco no céu onde os seres de lá e os de cá trocavam muitas figurinhas para que uma tremenda diversidade fosse possível neste mundão. Gerou-se uma confusão e o buraco foi tapado. Nós ficamos tapados até hoje em nossa ignorância de poder sermos humanos e divinos ao mesmo tempo.

Só a arte e a poesia nos ativa a memória original. Você é um indígena urbano que continuou fazendo este intercâmbio ancestral pra não deixar a peteca cair no vazio e no obscuro. Você nos iluminou como artivista apaixonado pela Cultura Viva do povo da Terra brasileira que você tanto amou, valorizou trabalhando arduamente pelo país para que tudo tivesse visibilidade digna e generosa para todos. Você foi guardião exemplar e amoroso de uma arte luminosa que nenhum ser sem luz irá nos roubar porque seremos leais a teu trabalho e a tua memória.

Você sempre nos inspirou e vai continuar, aí do Eterno, nos inspirando para que o buraco poético e criativo entre o céu e a terra possa ampliar-se em nossa consciência desperta – nunca esperta – e que a diversidade esplenda seus fogos sobre a adversidade que jamais vai triunfar sobre o amor e o bem.

Você foi um mestre em nos fazer aprender a amar da mesma forma como construiu sua bela família e sua rede virtuosa de amizades pelo Brasil brasileiro. Amor e gratidão por você existir plenamente entre nós.

É uma honra ser seu irmão na arte e na espiritualidade porque jamais poderei falar de você no passado. O presente é um presente e você sempre esteve em mim em muitas encarnações e haverá outras porque ainda não aprendemos a amar como necessitamos.

Peço-te duas gentilezas: dê beijos e abraços luminosos no Athos Bulcão, na Lucia e no Rubem Valentim, no Reynaldo Jardim e no Ary Para-raios, nossos amigos em comum, e aproveite e beije e abrace todos os candangos que construíram e deram seu sangue a esta cidade que você tanto ama e deu tanto, a Brasília que fizestes a cabeça. E que você vele por nós com profunda compaixão por ainda estarmos na prisão do corpo e da mente carentes de libertação.

E o maior elogio que posso te fazer: você é foda, meu irmão!!! Compreendi agora o porquê dos dois Ts de TT: tremenda tesão por dois Vs, Verinha e a Vida. Até já.

E vocês aí neste velório, não peguem no pé do passarinho carioca-candango-brasilis, e deixem ele voar, voar, voar…”

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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