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A incrível história da mulher que não sabia viver só na realidade

Joan Lowell viveu entre a ficção e o real. Escreveu autobiografia fantasiosa e veio para Brasília, ela, o marido e a fantasia

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1 de 1 ouro - Foto: Reprodução

A atriz norte-americana Joan Lowell habitou o lusco-fusco entre o real e o sonho. Foi uma das personagens mais incríveis que aportaram no Cerrado naqueles anos 1950. Já tinha feito Em Busca do Ouro, com Charles Chaplin, em 1925, quando o cinema ainda era mudo (foto em destaque).

Joan viveu com um pé na realidade, outro na ficção. O pai, Nicholas Wagner, capitão do mar, teve um acidente com um navio na costa americana. Sobreviveu ileso. Alguns anos mais tarde, Joan, já estrela de cinema, escreveu uma autobiografia, Cradle of the Deep (Berço das Profundezas, em tradução literal), que virou best-seller.

No livro, ela conta que o pai a levou, desnutrida e aos 3 meses de idade, para junto dele nas viagens mar afora. Relata que viveu até os 17 anos com a tripulação (toda masculina). Nessa convivência, aprendeu a ser marinheira e arpoou sozinha uma baleia. A escuna de madeira desapareceu num incêndio na costa australiana e a adolescente nadou cinco quilômetros com uma família de gatos grudada às suas costas.

Com o tempo, se descobriu que de fato Joan Lowell esteve no navio, uma escuna de madeira de quatro mastros, e que houve mesmo um incêndio a bordo. Mas a embarcação conseguiu atracar em terra firme. Aí terminava a realidade. Tudo o mais foi invenção da atriz.

Seis anos depois, Joan estava no Brasil com o marido, o também capitão do mar Leek Bowen. Em entrevista à revista O Cruzeiro, em março de 1956, ela conta como conheceu o amado, no mar – a atriz carecia de imensidões reais e imaginárias. Relata que embarcou num navio em Nova York rumo à América do Sul. Que certa noite de luar, já ao sul da Linha do Equador, o comandante do vapor se aproximou dela no tombadilho e disse:

– Existem ali muitas terras desabitadas. O Brasil ainda tem regiões inexploradas a distribuir para os colonizadores.

O capitão fez uma pausa, como se estivesse se ausentado por instantes e voltou:

– Sabe, desde menino sonho com uma nova terra, o mais longe possível da civilização (…). Acho que a selva é o único lugar onde se pode ver quem é homem, quem é boneco.
– E por que não vai então buscar um pedaço de terra?, perguntou a atriz ao capitão.
– Talvez porque não encontrei ainda mulher que me amasse bastante para viver comigo, e só para mim, sem dar muita importância ao resto do mundo.

Quando desembarcaram, já eram um casal. Foram morar, segundo os relatos de Joan, numa aldeia de pescadores em Santos (SP). Depois, pararam em Anápolis (GO), seguindo os passos da Marcha para o Oeste, programa de Getúlio Vargas de ocupação do Centro-Oeste brasileiro. Lá, conheceram Bernardo Sayão, venderam terrenos para atrizes norte-americanas. Vieram Janet Gaynor e Mary Martin. A vinda dos astros rendeu um filme, Hollywood no Cerrado, de Armando Bulcão e Tânia Montoro.

Dona Joana, como os brasileiros a chamavam, não desistiu dos relatos autobiográficos. Em 1952, publicou nos Estados Unidos Promised Land (disponível na Amazon por US$ 125), que a Editora Melhoramentos mais tarde publicaria no Brasil como Terra Prometida.

Um ano depois do lançamento do livro nos EUA, os jornais anunciavam que Joan Crawford iria ser a estrela do filme inspirado em Promised Land e que a brasileira Ruth de Souza faria parte do elenco principal. A revista Manchete, edição 0056, de 1953, conta a história de Ruth de Souza (morta em junho passado aos 98 anos), com lindas fotos da atriz brasileira. Segue um trecho da reportagem:

“– Você vai fazer um filme em Goiás, com Joan Crawford?
– Parece até impossível! Eu, ao lado da Crawford, a quem sempre admirei tanto! Por enquanto é apenas tempo de esperança, não de notícias. Estou tão encantada que chego a ficar mais humilde ainda. Deus seja louvado.”

O filme não foi feito.

O casal norte-americano ficou amigo de Bernardo Sayão, e isso está nos relatos de uma das filhas do engenheiro, Lia. Vieram para Brasília, não seria de outro jeito. Movida a sonhos, a americana percorreu a rodovia Belém-Brasília, no começo dos anos 1960, dirigindo um Fusca.

Uma revista brasileira publicou a aventura da atriz de cabelos loiros, pele muito clara e sempre vestida de calça de brim. A incrível dona Joana, já viúva, morou numa fazenda no Núcleo Rural Tabatinga, em Planaltina. Tanto em Anápolis quanto em Brasília, foi acusada de fraude na compra e venda de terrenos. Na manhã de 14 de novembro de 1967, aos 65 anos, foi encontrada morta. A vira-lata Pretinha vigiava o corpo. Foi sepultada no Campo da Esperança.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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