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A comida é mais feliz na Barraca da Galega, na Feira da Ceilândia

Na Galega, tudo parece que se resolve – no mínimo, a fome, a sede e a vontade de reencontrar o Brasil que nos alimenta e alegra

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1 de 1 feiraceilandia - Foto: Daniel Ferreira/ Metrópoles

— Arroz ou baião?
— Macarrão?
— Jiló?
— Quiabo?
— Maionese?
— Salpicão?

A voz rouca da Galega se sobrepõe ao murmurinho da feira. Diante dela, 16 panelões fumegando, algumas panelinhas avulsas e, ao lado, a chapa com linguiça, carne de sol e mandioca. Passa pouco do meio-dia de uma quinta-feira e a barraca de Evânia Bezerra dos Santos está quase cheia. O movimento começa às 7h, quando chegam os primeiros fregueses do mocotó. É a rebatida da ressaca, o suadouro para começar o dia.

O cheiro de quem chega pela entrada ao lado das Casas Bahia é tipicamente goiano – de pequi. Para quem sentiu enjoo só de ler o nome, é bom saber que a temporada do mais goiano dos frutos vai até fim de janeiro/começo de fevereiro.

São enormes os carrinhos de pequi. Tudo na Feira de Ceilândia é maior do que nas outras feiras do DF. A barraca de melancia, só de melancia, é uma montanha de bolotas verdes que quase bate no teto. A de queijo é uma parede em variações entre o creme e o amarelo. A de grãos a granel parece uma barricada, de tão grande que são os sacos de ráfia. Os rolos de jabá e carne-seca são da espessura da coxa do Papai Noel. Há um corredor inteiro só de calçados.

Tenho pressa de chegar à Galega, sentar no banco diante do balcão e pedir uma cerveja. A dona do estabelecimento, o marido, Buga, e as duas outras funcionárias logo percebem que não sou da comunidade. Pra facilitar minha vida, digo que sou jornalista. De qual jornal? Digo e explico que não é de papel (a parede superior do quiosque é uma vitrine de matérias sobre ela). “Por que não faz de papel? É muito melhor. E ainda prego na parede”. Galega busca solução pra tudo.

A cada nova temporada de eleição, é certo o desfile dos candidatos pela Feira de Ceilândia e, por extensão, pela Barraca da Galega. “Roriz, Cristovam, Arruda, Ibaneis, Rollemberg. Até o Bolsonaro. Ele passou ali na rua, foi uma confusão. Só o Lula e o Agnelo não vieram.” Em seguida, olha para uma das funcionárias e emenda: “Mas a Kokay e o Vigilante vieram [os petistas Erika Kokay e Chico Vigilante]”.

O PF da Galega custa entre R$ 10 e R$ 25 (o mais barato, o mocotó; o mais caro, a cabeça de bode). E o freguês escolhe os complementos. Com a liberdade de pedir mais arroz ou mais feijão ou mais mandioca ou mais cheiro-verde ou mais qualquer complemento. O prato feito é uma montanha média para um peão sem fome exagerada. Com o refri, o almoço pode ficar em “12 merréis”, diz Buga, José Edson da Silva, marido e parceiro da Galega. (Mirréis, para os mais jovens, é corruptela de “mil réis”; réis, plural de real, unidade monetária portuguesa usada no Brasil desde os tempos coloniais, em períodos variados). A casa oferece água gelada em garrafa PET de 2 litros reciclada.

A mim coube pagar 30 mirréis, por dois caldos, um de sarapatel e um de mocotó, com bastante cebolinha e muita pimenta, e três longnecks, porque senão não tem graça. Nesse tempo, deu para anotar o cardápio: mocotó, sarapatel, dobradinha, rabada, buchada de bode, costela de boi, carne de sol, costelinha de porco, lombinho, galinha caipira, costela de tambaqui, cupim, baião de dois (na quarta, arroz de leite; e na quinta, peixe frito). A cabeça de bode só por encomenda. “E se não vier, fico brava, porque dá muito trabalho!”

Quando o movimento diminui, Galega aproveita para pôr o casamento em ordem. “Eu vi… Ela chegou toda no social, esticou o pescoço e chamou… ‘Tio’… Eu sei o tio que ela quer!” Buga sorri, envaidecido. Sabe que a mulher está com ciúmes e comenta, malicioso: “Chegando em casa, tudo se resolve”.

Na Galega, tudo parece que se resolve – no mínimo, a fome, a sede e a vontade de reencontrar o Brasil que nos alimenta e alegra.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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