A Brasília que Hollywood verá é a pior delas. Existe amor em BsB
Democracia em Vertigem mostrará ao mundo uma cidade gelada e vazia. Não se enganem: a verdadeira capital do Brasil é outra
atualizado
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Brasília nunca terá, em sua história, tantos visitantes (virtuais) numa só noite, a de 9 de fevereiro próximo. A se levar em conta a audiência do ano passado, 26,5 milhões de adoradores do cinema devem assistir à entrega do Oscar, em Los Angeles. Por segundos que seja, o maior sítio moderno do mundo estará nos telões do Teatro Dolby e nas telinhas domésticas do planeta.
Pobre Brasília, mais uma vez será julgada pelos seus mais graves defeitos – a monumentalidade excessiva (pleonasmo necessário) e sua frieza de mármore no deserto. As imagens da cidade em Democracia em Vertigem se resumem ao circuito do poder, e não poderia ser diferente, posto que é um documentário político.
O tom de voz confessional e lamentoso da narradora, a também diretora e produtora Petra Costa, ajuda a reduzir Brasília a um cemitério, e os ministérios, a túmulos cartesianamente dispostos. Mesmo quando a câmera dá rasantes sobre o canteiro central da Esplanada, em dias de grandes manifestações, o que se vê são os vazios da cidade pontuados de vermelho sobre o verde da grama. Como se o deserto tivesse sido temporariamente ocupado por um bando de camelos avermelhados (O coletivo de camelo é cáfila, palavra que deixaria Brasília ainda mais estranha).
O que será aquela luz horizontal flutuando na escuridão? Seria o visitante de um planeta-poético pousando delicados poemas geométricos na noite do Planalto Central? Mais bela obra de Niemeyer, pro meu gosto, o Palácio da Alvorada surge numa belíssima imagem noturna à altura de seu esplendor ao mesmo tempo monástico e diáfano.
Quando clareia o dia, o Palácio da Alvorada aparece em estado de solidão sepulcral. Talvez tenha sido mesmo a intenção da diretora, visto que o documentário acompanha o percurso dos acontecimentos letais para a frágil democracia brasileira. Mas, novamente, Brasília aparece como um fiapo do que ela é. A capital dos Três Poderes é a hospedaria eventual dos políticos, mas é a morada de 3 milhões de brasilienses, mais 1,5 milhão que vive nas bordas do quadradinho.
A cidade que surgirá (por segundos) na tela é perfeita para representar cenograficamente o que denuncia o documentário de Petra Costa. Quisesse montar um cenário, não encontraria melhor. Há um lastro de frieza, impessoalidade e ruína nas imagens aéreas da Esplanada e igualmente nas imagens internas do Alvorada. Como se um desbravador de cidades perdidas estivesse entrando pela primeira vez num palácio abandonado há séculos.
Não é o mesmo palácio que visitei por duas vezes, como turista. Ao rés do chão, o Alvorada tem a solenidade singela e imponente de um palácio moderno feito para um Brasil que se pretendia igualmente moderno. Não há nenhum excesso, exceto o pé direito imponente. As vidraças trazem o cerrado para dentro do palácio; o mobiliário e as obras de arte traduzem o melhor dos brasileiros nos anos dourados.
Mesmo as imagens da votação do impeachment, quando a Esplanada se dividiu em vermelho ao norte e verde e amarelo ao sul, mesmo essas cenas aéreas revelam um lugar fantasmagórico – ruínas de uma cidade feita para um futuro que não aconteceu, alguma coisa entre Metropolis, do Fritz Lang, e Blade Runner, de Denis Villeneuve – ou seja, o fracasso da civilização.
Não se engane, Hollywood, existe amor em BsB, mas ele passa ao largo da Esplanada.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.