“Sou a mãe certa”: psicóloga desconstrói inseguranças da maternidade
Mestre em sociologia e psicóloga, Luciana Lima aconselha a não criar pânico, pois as mães aprendem com a experiência. “Vai dar certo”, frisa
atualizado
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“O maior medo em relação à maternidade é errar”. Por trás da afirmação está a psicóloga Luciana Lima, fundadora do Parental Lab, programa no qual as mães recebem um direcionamento sobre matrescência e uma rede de apoio de confiança. Tendo cinco filhos – Rudá, Serena, Ayssô, Morena Maria e Cora -, a especialista atua na área da parentalidade há 13 anos. Enquanto a maioria das mulheres carrega a preocupação de causar algum trauma ou colocar em risco a vida do bebê, a profissional aconselha a não criar pânico, pois tende-se a aprender por meio da experiência.
Mestre em sociologia pela Sorbonne Université, em Paris, Luciana conversou com a coluna Claudia Meireles a respeito do ato de maternar. Ela compara o processo como uma travessia, marcada pela notícia da gravidez. Caso tenha descoberto esperar um bebê faz pouco tempo, é normal entrar em choque, avalia a expert: “Uma enorme mudança se coloca. Uma angústia vem dessa situação completamente desconhecida. Mesmo sendo uma segunda ou terceira gestação, você viverá outra realidade”.
Processo
Matrescência se resume no processo da vida feminina que compreende a gestação, puerpério e maternidade. Segundo a psicóloga, as mulheres passam por uma crise de identidade durante o período: “É um lugar que me tira de uma margem, ou seja, eu era uma mulher antes de chegar um bebê. Estava em uma margem do rio. A gravidez me coloca em movimento nessa aventura e leva a outra beirada que ainda não conheço”. Em consequência, surgem o medo, a ansiedade e a pergunta: como sei que darei conta?
Para as mamães de primeira viagem e em atividade há mais tempo, fica o lembrete de não carregar a culpa ou a crença de que já deveria saber o que fazer. “Ser mãe é a condição de tornar-se alguém capaz de se adaptar às necessidades do outro e de si mesma”, salienta. De acordo com a especialista, cada interação com o filho funciona como uma oportunidade de avaliação, reflexão e, talvez, de dizer não. Independentemente de ser bom ou ruim, o relacionamento com a figura materna interfere em toda a estrutura de desenvolvimento físico e emocional da criança.
“Sou mãe”
Na avaliação da psicóloga, as mulheres passaram a se sentir um pouco vítimas da maternidade. Entretanto, sofrer em relação ao papel de ser mãe é opção, explica Luciana. “Procuro motivar e incentivá-las a perceberem o maternar como uma grande oportunidade”, argumenta. Ela equipara o contexto a uma promoção profissional. No caso, ao assumir uma responsabilidade maior, busca-se capacitação, coragem e superação para dar conta do novo ofício.
“Eu preciso assumir esse lugar proativo. Ser alguém que diga: ‘Eu vou fazer dar certo’. E não ficar falando que não dará conta, porque é difícil, ou pensar no mundo. Isso conduz as famílias a um lugar de vulnerabilidade”, garante a especialista. Ao colocar-se na posição de “fazer funcionar” e ter sim a condição de cuidar das crianças e de si, a mulher começa a pensar em como deseja ter as experiências com o filho. “Eu quero assim. Então, como posso nos proporcionar essa possibilidade?”, esclarece.
Aceitar a realidade que se impõe tende a deixar a matrescência com mais leveza. “Foco na conscientização de que existem características nesta travessia naturais e inerentes ao processo”, endossa a expert. Luciana cita a polaridade de sentimentos. Ao mesmo tempo que a mulher está superfeliz com o bebê no colo, também vivencia a insegurança e aspira sentir a autoconfiança de quando ainda não era mãe. De acordo com a psicóloga, a “confusão leva muitas vezes a enxergar as mudanças com clareza”.
Pilar
Entender ter se tornado o pilar de uma casa, traz a noção de precisar ser uma boa estrutura a fim de conseguir sustentá-la. Em outras palavras, a mulher deve praticar o autocuidado e meditar a frase “eu preciso me dar condições”. Primeiro, por não haver como voltar atrás, se desfazer, afinal um filho é para sempre. Ela será mãe de um recém-nascido, depois de um bebê, criança de 3 anos, adolescente e de um adulto. Resumindo, uma adaptação constante, conforme demonstra a mestre em sociologia.
“Diferente de se sentir vítima por não conseguir tomar banho tranquila, deve-se raciocinar o que faço para me proporcionar esse tempo, banho, carinho e cuidado comigo. Meu trabalho envolve as situações, incluindo o bebê na história. Não dá para acreditar ser necessário sair de casa caso queira vivenciar tais momentos. Como consigo à medida que eu aprendo? É voar, voando. Nunca tinha pilotado o avião e cá estou em pleno voo”, defende Luciana Lima.
Apoio
Sentir-se sozinha e entediada integra a matrescência, segundo a especialista: “Por ser um processo individual, configura-se como solitário”. No período, as mulheres também podem entrar em crise com o marido, familiares e irmãos. Uma forma de espantar a sensação é compartilhando com quem enfrenta a mesma condição. Por exemplo, um grupo de apoio. Contudo, Luciana alerta a respeito da condução do profissional para não gerar uma dependência.
“Se no grupo eu não garanto o protagonismo dessa mulher e me coloco como um profissional que sabe mais, estou criando uma dependência nada saudável. Tem de trabalhar para ela conquistar espaço nesse processo de modo mais empoderado. O papel de quem está em torno é garantir sua plenitude e segurança para viver o processo”, frisa a psicóloga. Autoconfiante da própria maternidade, a mãe tende a não preocupar-se com o julgamento alheio. A expert caracteriza as críticas como uma das piores experiências da maternidade.
“O maior erro, dano e prejuízo que percebo no consultório são mães que passaram esses primeiros momentos corrompidos por profissionais e parentes cheios de boas intenções. Eles criticam, não validam o processo e olham a mãe com [julgamentos como] ‘nossa, quanta inexperiência’. Eles chegam a dizer: ‘Você não está apta a isso, eu sei mais do que você’. É o pior episódio para uma mãe. Elas só precisam de tempo-espaço”, assegura a psicóloga e mestre em sociologia.
Luciana orienta a rede de apoio a dizer: “Você que sabe” e “Estamos aqui para o que precisar”. Como a mulher não sabe como o ritmo funciona, o melhor a fazer é dar a ela liberdade de se reconhecer capaz: “Nos primeiros meses, é normal ficar desorientada por ter pouca experiência. Ela vai precisar ouvir uma vez o choro e tentar com os recursos que têm. O bebê chorou, ofereci o peito, troquei a fralda e optei por embalar. Assim, vai afinando a percepção e confirmando as hipóteses. Não se aplica imediatamente. Cada bebê tem um jeito de agir, assim como as mães”.
Experiência própria
Mãe de Rudá, Serena, Ayssô, Morena Maria e Cora, Luciana Lima destaca como maior surpresa da maternidade o poder e o impacto do processo na vida pessoal, familiar e em sociedade. “Relacionamos com o mundo da forma que nos relacionamos com a nossa mãe”, endossa. A profissional cita a ocasião do filho passar por algum momento difícil e a procurar de braços abertos por saber que só ela consegue resolver. “Quando você se dá conta da dimensão, chega a ser assustador. Outra pessoa depende de mim. É uma potência enorme”, garante.
Na bagagem de Luciana, a formação em psicologia, experiências profissionais e a própria maternidade se misturaram. A princípio, a expert acreditava que a escola era o lugar para iniciar os cuidados com a saúde mental. Com o exercício da profissão e a chegada dos filhos, ela percebeu a necessidade de investir na relação mãe e bebê a fim de prevenir transtornos futuros. Entretanto, as mulheres não sabem que são as mamães certas e se tornarão essa pessoa durante o processo.
“Precisamos deixar esse período mais leve e colorido por ser de muita neblina e confusão. Por quê? É uma crise, não o dia mais feliz da minha vida, apenas. Eu relaciono isso como uma travessia. Nela, há momentos de calmaria, onde consigo compreender, pensar, refletir, mas também existem instantes de tempestade”, salienta a mente à frente do Parental Lab. De acordo com Luciana, a frase a seguir deveria ser o mantra da maternidade até por permitir viver a experiência com maior tranquilidade: “Eu sou a mãe certa para o meu filho.”
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