Promotora Gabriela Manssur avalia 1º ano do Projeto Justiceiras
Uma das principais promotoras do país e especialista em casos de violência contra a mulher, Gabriela está à frente do Projeto Justiceiras
atualizado
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No dicionário, a palavra justiceira significa “quem se empenha na aplicação da Justiça; rígida no fazer cumprir a lei”. Assim será no que depender de Gabriela Manssur, promotora que atendeu e escutou as vítimas do caso João de Deus, em São Paulo, e idealizadora do Projeto Justiceiras. A iniciativa completa 1 ano nesta segunda-feira (29/3) perante a realidade de que, a cada 5 minutos, o Brasil tem uma denúncia de violência contra a mulher, segundo levantamento publicado no início do mês com as informações dos canais Disque 100 e Ligue 180.
Com o aumento de casos de agressão desde o início da pandemia, Gabriela não poupou esforços em criar uma rede de apoio, acolhimento e orientação para meninas e mulheres que sofrem qualquer tipo de violência doméstica e familiar, incluindo ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, abuso sexual ou psicológico. Atualmente, ela tem agido, principalmente, na luta contra assedio sexual no trabalho e na violência sofrida por mulheres da classe média-alta e alta com independência financeira e que ocupam cargo de poder e de liderança. O intuito é fazer com que as vítimas denunciem o agressor, lutem pelos direitos de defesa, saiam do cenário de opressão e reconstruam a vida.
União faz a força
Promotora de justiça de São Paulo e especialista na Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, a idealizadora comanda o Justiceiras em parceria com a advogada Anne Wilians, fundadora do Instituto Nelson Wilians; e João Santos, nome à frente do Bem Querer Mulher. Com o propósito de abranger todo o país, o projeto conta com voluntárias das áreas do direito, psicologia, medicina e assistência social. Até então, são mais de 5 mil colaboradoras conectadas no Brasil e no mundo e 4 mil mulheres atendidas.
Em entrevista com a coluna Claudia Meireles, Gabriela Manssur avaliou o primeiro ano do Projeto Justiceiras: “É a realização de um sonho. Os obstáculos são muitos, mas agradeço a todas as voluntárias que diuturnamente doam o tempo para atender com excelência as vítimas de violência. Quem salva uma [mulher], salva a si mesma, salva a todas”. Segundo a promotora que atendeu e escutou as vítimas do caso João de Deus em SP, indiretamente mais de 10 mil pessoas foram impactadas positivamente com o iniciativa necessária.
Ciclo da violência
No Dia Internacional da Mulher (8/3), Gabriela participou do programa Morning Show, da Jovem Pan. Para a promotora, nenhuma mulher morre assassinada do dia para a noite. Ela afirma existir “uma escalada da violência”. Nas palavras da especialista, o homem começa a ameaçar a mulher, intimidá-la e controlá-la excessivamente. Com o passar do tempo, a relação entre agressor e vítima evolui para lesões corporais e cárcere privado, até chegar ao feminicídio.
“Muitas mulheres não se sentem em risco quando estão sofrendo violência doméstica. Na maioria das vezes, elas nem entendem serem vítimas de violência, por isso, demoram em procurar ajuda. Quando decidem buscar socorro, elas estão em uma situação de extremo risco e que podem, de alguma forma, virem a ser vítimas de feminicídio”, comentou Gabriela. No primeiro semestre de 2020, 648 mulheres foram assassinadas em razão do gênero. Trata-se de um aumento de 1,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com os índices do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Como pedir socorro?
Quando o Justiceiras completou sete meses de atividade, em torno de 2,4 mil casos já tinham sido atendidos pelo serviço gratuito. De acordo com a TV Cultura, 53% dos pedidos de ajuda vieram do estado de São Paulo. Outro dado importante, 50% das solicitações foram de mulheres que nunca haviam denunciado antes. Três a cada quatro relatos mostram que a agressão ocorreu dentro de casa e tem como principal autor o homem com quem a vítima se relaciona.
As vítimas que querem pedir socorro ao Projeto Justiceiras devem entrar em contato via WhatsApp pelo telefone (11) 99639-1212. Ao enviar uma mensagem, elas recebem automaticamente um link para preencher um formulário. A partir desse contato, são feitos os encaminhamentos às voluntárias que acompanharão o caso. Com total sigilo, a equipe multidisciplinar prestará o atendimento necessário. As colaboradoras orientam quem quer fazer o boletim de ocorrência — presencial ou on-line — e sobre as medidas protetivas.
Agora, com 12 meses de operação, os números são outros. “No decorrer de um ano do projeto, recebemos 350 casos de violência por mês e, à medida que crescemos, chegamos a 519 solicitações no mês de março deste ano”, conta Gabriela Manssur à coluna. Questionada a respeito do que pretende incluir à iniciativa nos próximos meses e anos, a idealizadora frisou sobre expandir o projeto, fomentar mais políticas públicas por meio de dados obtidos e inaugurar um espaço físico no cenário pós-pandemia. O ambiente visa acolher vítimas e colaboradoras.
Quero participar
A iniciativa engloba uma força-tarefa de profissionais “unidas, com o objetivo de proporcionar mais dignidade, afeto e acolhimento a outras mulheres”, descreve Gabriela. Quem aspira tornar-se uma voluntária da iniciativa deve se inscrever por meio do site Justiceiras (acesse aqui). Após preencher o formulário do cadastro, as colaboradoras entram em contato para informar e auxílio sobre os próximos passos.
Na avaliação da idealizadora, ao integrar o Justiceiras, as voluntárias acabam por ressignificar o próprio poder pessoal: “É arrepiante essa sinergia de mulheres em prol de si mesmas. Os problemas se esvaem e fica uma troca mútua de aprendizados, sabedoria e acolhimento”. Todos os estados brasileiros foram contemplados com colaboradoras do projeto. Somando, há mais de 350 psicólogas, 520 assistentes sociais, 52 médicas e 1,7 mil profissionais do direito.
Conectadas
O Justiceiras tem um perfil no Instagram, acompanhado por mais de 38 mil seguidores. Além de ser um canal de divulgação das ações do projeto, a conta traz depoimentos de mulheres acolhidas, lives temáticas, últimas decisões dos Três Poderes em torno de assuntos femininos e posts de entretenimento. Sugestões de filmes, séries e programas estampam o feed com o propósito de incentivar as pessoas a abrirem a mente sobre assédio, violência doméstica e empoderamento das mulheres.
De olho nos homens
Na avaliação de Gabriela, não adianta só trabalhar e desenvolver políticas públicas voltadas às vítimas, sem olhar quem está por trás da violência, no caso, o agressor. “Há uma necessidade de conscientizar esses homens e informá-los sobre o direito das mulheres. Eles têm de entender que, hoje em dia, é crime no Brasil qualquer tipo de violência e discriminação contra a mulher”, disse a promotora no programa da Jovem Pan. Outra alternativa para modificar o atual cenário e reduzir os índices é a mudança comportamental.
Desde 2014, a promotora comanda um projeto em Taboão da Serra, em São Paulo, que visa inserir os agressores em grupos reflexivos com profissionais, como juízes, delegados, psicólogos, advogados e assistentes sociais. Batizada de Tempo de Despertar, a iniciativa tem por objetivo debater o tema violência contra a mulher nas rodas de conversa. Segundo a idealizadora do Justiceiras, dados mostram que homens ao ficarem por dentro da lei, consequentemente, param de cometer os crimes.
Em abril de 2020, tornou-se obrigatório perante a lei o agressor frequentar programas de recuperação e reeducação, além de contar com acompanhamento psicossocial. Na avaliação da promotora que desvendou o caso João de Deus, a violência contra as mulheres acabará se cumprir cinco pontos: investimentos em campanhas de conscientização; tratamento penal e processual mais rígidos; grupos reflexivos e ressocialização do agressor; enfrentamento da violência institucional de gênero; e engajamento da sociedade civil.
Ações com parceiros
O Justiceiras se uniu à empresa de mobilidade urbana 99 para oferecer um serviço de acolhimento pelos próximos três meses, a contar a partir deste mês de março. O aplicativo da empresa disponibilizou a opção Central de Segurança, na qual a vítima preenche um formulário que a direcionará para a equipe de Gabriela Manssur. Um levantamento estima que a cooperação poderá atender até 300 mil mulheres.
A iniciativa Justiceiras também fechou parceria com o Magazine Luiza, uma das empresas mais valiosas do Brasil. A varejista anunciou a ampliação de uma de suas ferramentas de combate à violência contra a mulher. No aplicativo desenvolvido pela rede, o botão de denúncia terá uma nova função: redirecionar o usuário ao projeto Justiceiras. Habilitado desde 2019, a plataforma funciona como meio de campo entre a vítima e o Ligue 180. Atualizado em 2020, o dispositivo passou a englobar as opções de chat e direcionamento ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
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De acordo com a revista Exame, entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, o botão de denúncias do app Magalu já recebeu mais de 890 mil cliques. Para as denúncias ao 180, foram mais de 60 mil acessos e 18 mil no chat on-line. O botão é propositadamente discreto para garantir máxima segurança às vítimas que desejam denunciar seus respectivos agressores.
Quem é Gabriela Manssur?
Ao longo desta matéria, já foi possível entender a grandiosidade do trabalho social de Gabriela Manssur. Além de atuar como promotora de Justiça desde 2003, outros títulos integram o currículo da profissional. Formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestranda em Direito Político e Econômico pela Mackenzie, Gabriela é especialista em violência doméstica pela Universitá di Roma, na Itália. Ela também preside o Instituto Justiça de Saia e está à frente do MeToo Brasil, movimento contra o assédio e abuso sexual lançado em setembro.
Atualmente, a promotora é membro colaboradora na Ouvidoria das Mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), atuando no canal Ouvidoria das Mulheres para receber denúncias de todo o Brasil sobre lesão a Direitos Humanos das Mulheres, sob comando do ouvidor nacional do MP e conselheiro Oswaldo D’Albuquerque. Também é coordenadora geral da Comissão de Mulheres (CONAMP – Associação Nacional de Membros do Ministério Público); diretora das Mulheres da Associação Paulista do Ministério Público; idealizadora do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público; e uma das integrantes do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo (GEVID).
Além da função de professora, Gabriela integra o Comitê Nacional Impulsionador Eles Por Elas, da ONU Mulheres. A promotora é coautora de diversas obras literárias que abordam, principalmente, seu tema de conhecimento, além de ter idealizado projetos de lei que defendem a mulher. A promotora já se apresentou duas vezes no TEDx São Paulo. Ela é embaixadora do projeto Respeita as Minas, desenvolvido pelo clube de futebol Corinthians.
A idealizadora do projeto Justiceiras foi uma das finalistas do Prêmio Claudia 2019 na categoria Influenciadora Digital. Em 2019, ela entrou para a lista das 20 mulheres mais poderosas do Brasil da revista Forbes. Outras importantes premiações contemplam a trajetória da promotora. Gabriela Manssur atuou também no caso João de Deus, em São Paulo, atendendo mais de 500 vítimas que a procuraram.
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