Neurologista revela por que não tomar melatonina se tiver insônia
A coluna conversou com o neurologista e neurofisiologista André Ferreira sobre melatonina e insônia. O médico é especialista em insônia
atualizado
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O portal norte-americano New York Post costuma publicar artigos relacionados à saúde um tanto quanto polêmicos. Um dos últimos conteúdos traz o título: “Sou médico do sono — este suplemento comum é a pior coisa que você pode tomar se tiver insônia”. Quem não consegue dormir certamente se interessou pelo tema e pode ter se questionado sobre qual é a fórmula mencionada pelo especialista. Segundo Michael Grandner, a melatonina não deve ser utilizada, por piorar o problema.
Para entender melhor a questão, a coluna Claudia Meireles conversou com o especialista em sono, o neurologista e neurofisiologista André Ferreira, do Hospital Santa Lúcia, de Brasília. De acordo com o médico, a melatonina não deve ser prescrita como tratamento para insônia crônica. O expert detalha que a maioria dos estudos clínicos não mostrou a eficácia do ativo maior que o placebo recebido pelos pacientes que enfrentam essa enfermidade.
Antes de abordar mais sobre a ação da melatonina no organismo, André explica o que vem a ser a insônia crônica: “Pode ser definida como uma dificuldade persistente e crônica (por mais de três meses) para iniciar ou manter o sono e/ou como um persistente despertar antes do horário habitual, com diminuição da qualidade do sono”. Ele acrescenta quanto a essa condição favorecer o “comprometimento do funcionamento do corpo ao longo do dia”.
Uso de melatonina
Publicada na Journal of Sleep Research em agosto de 2023, a última atualização da Diretriz Europeia sobre Insônia não recomendou o uso de melatonina por mais de três meses, conforme cita o neurologista. Outro tópico frisado pelo médico e salientado no estudo trouxe que o uso da fórmula deve ficar restrito ao tratamento de insônia aguda somente em pacientes acima de 55 anos. Esse quadro tem duração menor que um mês.
O especialista em sono sustenta que a ingestão de melatonina em doses adequadas não causa efeitos colaterais, entretanto grande parte dos suplementos à venda dispõe de índices excessivos, isto é, acima de 5 miligramas.
As fórmulas, que ultrapassam esse teor, “podem provocar dores de cabeça, tonturas, náuseas e, ironicamente, sonolência excessiva diurna”. André Ferreira faz um adendo aos idosos consumidores do composto.
“Os idosos, que muitas vezes são portadores de outras comorbidades, em uso excessivo de melatonina, eventualmente podem ainda apresentar efeitos colaterais menos comuns, como sentimentos de depressão de curta duração, tremores leves, cólicas abdominais, irritabilidade, ansiedade leve, estado de alerta reduzido, confusão ou desorientação”, lista o neurofisiologista.
Interferências
André esclarece quanto a melatonina ter a capacidade de interferir “no ciclo sono vigília” e em “outros relógios do corpo”.
Assim, o ativo torna menos eficaz a ação de determinados medicamentos, a exemplo das fórmulas para epilepsia, diabetes e hipertensão arterial. O neurologista aponta que a suplementação oral do composto se popularizou “como um auxílio para dormir nas últimas décadas”.
“Na grande maioria dos países, inclusive no Brasil, a melatonina é vendida como suplemento alimentar e, como suplemento, não há legislação específica para sua composição. Cada fabricante tem uma fórmula, sem qualquer padrão. Não há controle dos órgãos fiscalizadores sobre o rigor para fabricação, determinação de doses, forma de absorção e associação com outras substâncias”, enfatiza o médico.
Brasil
O neurofisiologista argumenta sobre “não existir melatonina como fármaco no Brasil”. André Ferreira aproveita para apresentar um estudo elaborado em 2017 e publicado no Journal of Clinical Sleep Medicine. “A pesquisa analisou 31 suplementos de melatonina nos Estados Unidos e descobriu que a quantidade do ativo contido variava muito em relação ao que estava listado no rótulo”, refere-se. Segundo o especialista em sono, o hormônio serotonina também foi detectado em 26% das amostras analisadas.
“Isso pode ser potencialmente prejudicial para algumas pessoas, em especial aquelas que tomam inibidores seletivos da recaptação da serotonina, no caso, antidepressivos capazes de aumentar os níveis desse hormônio no cérebro. A combinação de medicamentos ou suplementos que aumentam conjuntamente a serotonina pode gerar um acúmulo e fazer atingir níveis anormais elevados no corpo, levando a uma doença grave chamada síndrome serotoninérgica”, explica.
Aos adeptos do ativo, o neurofisiologista pondera que o uso crônico da melatonina induz ao “fenômeno de tolerância”.
“Serão necessárias doses cada vez maiores para o mesmo efeito e, ao longo do tempo, observa-se efeitos colaterais resultantes das superdosagens”, avalia. No ponto de vista de André, o melhor tratamento para a insônia consiste “em uma boa higiene do sono”. Caso a condição persista, deve-se recorrer a um especialista.
Ação da melatonina
O médico também ressalta que o ativo é um “regulador do sono, não um iniciador do sono”. “Coloquialmente conhecida como ‘hormônio do escuro’, a melatonina é produzida em resposta à escuridão. A melatonina endógena é um hormônio produzido naturalmente, sintetizado e secretado principalmente na glândula pineal”, elucida André. Ele especifica o processo de produção e de atuação da fórmula.
“A produção do ativo começa com a conversão do triptofano, um aminoácido essencial, em serotonina, por meio de uma via específica. Parte dessa serotonina chega à glândula pineal, onde passa por um processo cíclico e dependente da ausência de luz para ser convertida em melatonina”, particulariza André Ferreira.
O neurologista complementa em relação à fórmula estar “envolvida no ciclo sono vigília dentro do ritmo circadiano, mecanismo que regula as atividades do corpo ao longo de um dia, sincronizando-as com a duração do dia e da noite.”
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