Morre, em Brasília, o jornalista Gilberto Amaral, aos 87 anos
Ele estava hospitalizado na UTI do DF Star, na Asa Sul, após sofrer uma queda em casa, precisando passar por uma cirurgia
atualizado
Compartilhar notícia
Morreu, em Brasília, nesta terça-feira (12/7), o jornalista Gilberto Amaral, o colunista social mais antigo do país. Ele estava hospitalizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do DF Star, na Asa Sul, após sofrer uma queda em casa, e precisou passar por uma cirurgia. Nas últimas semanas, o jornalista teve uma piora no quadro. O velório acontecerá nesta quarta-feira, às 13h30, no cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.
Mineiro, com carreira no rádio e na televisão, Gilberto Amaral chegou a Brasília dias antes da inauguração para ajudar na “epopeia” da mudança da capital. Ele deixa três filhos, Rodrigo, Bernardete e Marcelo; e a esposa, Mara, com quem foi casado por mais de seis décadas.
Como colunista, circulou nos eventos mais prestigiados do DF e se tornou amigo de vários presidentes da República – teve Juscelino Kubitschek como padrinho de casamento, estabeleceu amizade com Costa e Silva, passou feriados na fazenda de Collor e conheceu todos os mandatários da nação desde 1959.
Ele esteve presente em alguns dos momentos determinantes para a história do país e do mundo. Conviveu com os militares, conheceu Rússia e Japão a trabalho e teve até um bate-papo com a rainha da Inglaterra, quando ela visitou Brasília e recebeu jornalistas para o tradicional beija mão.
Até os 84 anos permaneceu ativo com três programas na televisão, colunas sociais em dois veículos impressos e um blog. Em março de 2021, passou o bastão de sua coluna homônima no Jornal de Brasília para a colaboradora Lia Dinorah.
“Jornalismo é uma cachaça, difícil de largar”
Gilberto Amaral
Trajetória
Gilberto nasceu em São Sebastião do Paraíso (MG). Segundo de quatro filhos, ele costumava contar que, em 1939, o pai abriu uma rádio na cidade. Ainda criança, começou a redigir, por livre e espontânea vontade, sua primeira coluna. “Catava milho” na máquina de escrever e contava onde tinha baile e quais casais iam se formando. No final do dia, pregava a folha no quadro de um clube – as pessoas faziam fila para ler a chamada “coluna mural”.
Dono de uma memória afiada, ele se recordava vividamente de datas e nomes completos. Morou em Ribeirão Preto (SP) e em Poços de Caldas (MG), onde ignorou a escola para trabalhar na rádio. Chegou a receber uma carta do pai, preocupado com o futuro do filho rebelde: “Nós te embalamos com tanto carinho e amor. Será que você vai ser uma negação?”.
Enviado a Belo Horizonte (MG) pela família com uma proibição expressa de trabalhar em rádios, discretamente realizou um teste para ser locutor na Inconfidência. Dono de um vozeirão grave, não conseguiu a vaga, porém, chamou atenção de Celso Siffert – responsável, à época, pelo marketing da loja B Moreira e de um programa de variedades.
Gilberto lia as notícias até ser interrompido por Rubem Tomich, o Repórter Esso. Era um trabalho de prestígio – o Variedades B Moreira, antes, tinha apresentação de César Ladeira, narrador mais importante do período.
Jantares dançantes
Sempre muito interessado em estar próximo aos burburinhos, o locutor passou a frequentar o jantar dançante do Iate Clube da capital mineira (aproveitava para dar uma palhinha no microfone cantando Eu Sou o Samba, de Zé Keti). Em uma edição, durante show de Cauby Peixoto, subiu ao palco e chamou o amigo Fernandinho Melo Viana, exímio dançarino de rock, para animar o público.
Na plateia estava Benjamin Levi, diretor da mobiliadora Casas Levi que, naquela ocasião, lançava um programa na televisão. Ao ver aquele homem, enxergou um apresentador. Gilberto comandou o Boliche Mobin, no qual os participante disputavam prêmios. “Tomei conta da atração. Comecei também a fazer a crônica social na TV Itacolomi”, rememorou, em um entrevista ao Metrópoles.
Após uma discussão com a direção da emissora, Gilberto decidiu voltar a São Sebastião do Paraíso. Nem teve tempo de se readaptar à rotina da cidade interiorana: recebeu uma ligação de Celso Siffert com um convite para voltar à televisão e animar um programa chamado Chute em Gol B Moreira.
“Respondi que a televisão não me aceitava, mas ele disse que iria aceitar sim. Cheguei lá e não me acolheram. O Oswaldo Chateaubriand, irmão do Assis, tinha um filho moderno, jovem e fumador de cachimbo administrando a emissora. Pedi uma audiência e fui conversar. Ele acabou permitindo o programa”
Gilberto Amaral
Grande amor
Com a influência adquirida na TV, Gilberto se juntou aos colunistas Wilson Frade e Mario Fontana na organização do Miss Minas Gerais. Enquanto discutiam os pormenores da premiação (regada a uísque e cerveja no bar Elite, um dos mais frequentados de Belo Horizonte), viram passar duas moças na rua. Uma delas era Mara. Convidada para ser Miss Iate, ela começaria a namorá-lo.
Depois de noivos, Gilberto deixou Belo Horizonte para se casar com Mara, no dia 15 de agosto. A moça, filha do então deputado federal Manoel França Campos, inseriu Gilberto no mundo do poder. Acompanhando o sogro em uma entrevista, o casal conheceu o presidente Juscelino Kubitschek, que foi convidado para ser padrinho de casamento dos “pombinhos”.
Na volta da lua de mel, coincidentemente, Gilberto conheceu Assis Chateaubriand. Recém-nomeado como conferente de valores da Casa da Moeda, porém, decidiu mudar de área. Foi atrás do velho amigo e padrinho de casamento Mário Pires, diretor das Empresas Incorporadas da União, responsável pela Rádio Nacional, pedir oportunidade na emissora. Conseguiu. Era o locutor comercial das novelas e foi até convidado a substituir Heron Domingues, o mais famoso Repórter Esso.
A vinda para Brasília
A passagem pela rádio durou pouco. Recebeu uma proposta de Felinto Epitácio Maia (avô do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia), seu chefe na Casa da Moeda. Ele o convidou a vir para a capital em construção. Em 27 de março de 1960, partiu rumo à futura Brasília. “A vida vai na valsa”, disse, ao citar um de seus mantras.
“Eu não sabia o que era Brasília. O Israel Pinheiro esteve na casa do meu sogro, mostrou o mapa da cidade e nem tomei conhecimento. Vim para cá trabalhar no GTB [Grupo de Trabalho de Brasília, que virou Codebras]. Cheguei com um terninho tropical inglês e gravata, mas aqui não havia nada. Só uma poeira insuportável”, relatou, se referindo à chegada à capital. Foi chefe de recepção e relações públicas do órgão. À frente de 20 pessoas, tornou-se responsável por receber a primeira leva de funcionários da nova capital, cerca de 10 mil pessoas.
Depois de três anos longe de colunas sociais, rádio e televisão, Gilberto conseguiu voltar à Rádio Nacional, à época instalada em Brasília. O programa ia bem até o golpe de 1964 – ou “revolução”, nas palavras do colunista. Durante uma transmissão, um funcionário avisou que o diretor Édimo do Vale gostaria de conversar.
“Ele disse que precisaria de mim durante a noite para entrevistar alguns deputados defensores do governo Jango Goulart. O Repórter Esso lá no Rio dava uma notícia, nós, do Repórter Nacional, inventávamos uma outra desmentindo. A revolução já estava ganha, e a gente criando uma disputa em andamento”, recordou-se.
Depois da Cadeia da Legalidade – movimento comandando por Leonel Brizola que utilizou as rádios do governo para convocar o povo a lutar contra a insurgência dos militares –, e o apresentador Gilberto foi investigado junto com Darcy Ribeiro, o ex-arcebispo de Brasília dom José Newton e o então consultor geral da República, Waldir Pires.
Encaminhado para depor, foi recebido por amigos militares que jogavam futebol semanalmente. A pena mínima, na época, era de 15 anos de prisão, mas o processo terminou arquivado no Tribunal Militar de Juiz de Fora (MG). Enquanto respondia à ação, esteve em um uma festa no antigo Clube do Exército, localizado próximo ao Brasília Palace. Lá, por intermédio do general Arnaldo Calderari, conheceu o presidente Costa e Silva. “O homem virou meu fã”, ressaltou, ao Metrópoles.
Flerte com o poder
Gilberto Amaral e o presidente tornaram-se grandes amigos. Costa e Silva costumava pedir a sua opinião sobre a política do país. Uma vez, depois de um jantar no Palácio da Alvorada, o mandatário sentou de costas para o piano, com um copo de uísque em mãos, e perguntou como estavam as coisas. O jornalista fez vários elogios e ousou dar uma sugestão controversa.
A reforma da Constituição estava sendo feita e Gilberto sugeriu a inclusão da reeleição dos futuros presidente no documento. “Ele meteu os cotovelos no piano e perguntou o que eu sabia sobre comandar a República. O Costa e Silva não desejava ficar mais tempo no Planalto, pois não tinha liberdade para fazer nada”, mencionou, na mesma entrevista concedida ao Metrópoles.
Parte dessa desilusão com o poder, segundo Amaral, era consequência do endurecimento do regime por meio do Ato Institucional nº 5. A partir da medida, foram fechados o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas de todos os estados, com exceção de São Paulo; o presidente e os governadores passaram a assumir as funções legislativas; a censura prévia de música, cinema, teatro, televisão e imprensa institucionalizou-se; e o presidente ganhou o poder de demitir qualquer funcionário público, incluindo políticos eleitos e juízes.
Durante o governo Costa e Silva, Gilberto teve oportunidade de conhecer a rainha Elizabeth. Em visita a Brasília, os repórteres se enfileiraram para beijar a mão da monarca britânica. Os jornalistas, acanhados, andaram para trás e logo ficaram encurralados no local onde ocorria a recepção. Elizabeth reparou no rapaz à frente da linha e puxou assunto com ele. Gilberto, por sua vez, sem saber o que falar, inventou uma frase sobre a filha dele, Bernadete, e finalizou com um “God Save the Queen” (Deus Salve a Rainha, em português).
Gilberto recordava-se com saudade da época na qual todos vestiam casacas e pegavam emprestados distintivos e medalhas. Quem nunca tinha comido caviar enchia a boca, outros cuspiam os caroços de uva no chão. “Agora não existe nada disso. O charme de Brasília acabou”, ressaltou na entrevista. O presidente seguinte, Emílio Garrastazu Médici, já havia sido escolhido, pela cúpula militar, para ocupar o Planalto, e Gilberto Marinho, então presidente do Senado, se desentendeu com Costa e Silva.
Marinho, homem de “estopim curto”, andava com um terço no bolso do paletó e um revólver no da calça. No dia da despedida de Médici do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), Gilberto levou seu xará e promoveu a paz entre Marinho e Costa e Silva. “Ele disse: Gilberto, me dê a honra e sente-se na minha mesa. Eu respondi: ‘Claro, presidente’. Mas não era comigo, ele falava com Gilberto Marinho.”
A proximidade entre Gilberto e Costa e Silva se estendia às famílias. Iolanda, esposa do general, confidenciou ao amigo jornalista que o marido abandonou o tratamento de um derrame.
“O Costa e Silva tentou reabrir o Congresso Nacional no dia 7 de setembro de 1968. Mas não conseguiu assinar o decreto, por conta do problema de saúde. A mão direita estava imobilizada. Tentou assinar o documento com a esquerda. Não conseguiu, jogou a caneta no chão e começou a chorar. Ele fingia tomar o medicamento e colocava tudo dentro de um buraco no colchão”
Gilberto Amaral
Médici gostava muito das gravatas de Gilberto, sempre diferentonas e chamativas. Quando o militar se tornou presidente, a casa do colunista ficou lotada, pois todos sabiam da amizade com o general. Para ele, o linha dura foi o líder mais amável do regime.
Depois, veio Figueiredo, e Gilberto o acompanhou em viagem ao Marrocos. Logo após a visita, o presidente precisou passar por um procedimento em Cleveland para tratar do coração – assim que voltou, os dois conversaram e o ocupante do Planalto confessou temer a morte. Preocupado, pediu aos amigos um curioso protocolo no enterro: gostaria de ter, dentro do caixão, dois pacotes de cigarro e duas costeletas de porco. Nada de flores.
Fim da ditadura militar
No final do governo militar, Tancredo Neves foi eleito indiretamente como o primeiro presidente pós-ditadura. A posse seria em uma sexta-feira. Na segunda, Gilberto compareceu a um jantar oferecido pelo Jornal do Brasil e encontrou o futuro chefe do Executivo: “E a saúde, está boa?”. Tancredo, com o característico jeitão político, respondeu que o presidente da República estava sempre bem. No entanto, três dias depois, entrou na sala de cirurgia.
Ainda na semana da nomeação, o colunista encontrou o médico Pinheiro da Rocha, um dos responsáveis pela cirurgia. O especialista decretou: “Esse homem não toma posse”. Cumprindo o que acreditava ser um dever de ofício, Gilberto contou ex-ministro da Casa Civil Leitão de Abreu sobre a saúde de Tancredo. Figueiredo, até então o presidente empossado, não gostava do maranhense e se recusava a passar a faixa.
“Eu estava jantando na Academia de Tênis com o alto comando do Exército quando chegou a notícia [da morte de Tancredo]. O Aloysio Faria de Carvalho, que foi um grande presidente da CEB, chegou com a Constituição debaixo do braço. O general Leônidas Pires, nomeado para o Ministério do Exército, abriu texto legal e leu um trecho inexistente, inventado na hora, confirmando que Sarney deveria tomar posse”, confidenciou.
O jornalista e Sarney são muito amigos. O político maranhense teve o aval dos militares à 1h daquele dia. O General Leônidas ligou e sacramentou: “O senhor tomará posse. Boa noite, presidente”.
Governo democrático
Durante o mandato de Sarney, Gilberto participou como repórter de uma viagem à Rússia para acompanhar o líder político. Esteve no Kremlin para conhecer o presidente Nikita Khrushchev.
Gilberto também foi muito próximo de Fernando Collor de Mello. Desfrutava da confiança do ex-presidente como poucos jornalistas. Chegou a acompanhá-lo durante viagem ao Japão. E por alguns anos virou tradição passar o feriado de 21 de abril com a família do então chefe do Executivo em Araxá (MG). A proximidade com o Palácio do Planalto continuou na gestão de FHC.
Atento aos bastidores, notou uma rixa entre Fernando Henrique Cardoso e José Sarney: os dois disputavam quem recebia mais aplausos durante o evento.
Ele também foi apresentado a Lula durante uma festa. Disse, ao Metrópoles, que o petista é muito “sabido”. Antes mesmo de se conhecerem formalmente, o ex-metalúrgico disse: “Tchau, Gilberto!”, após um evento na capital. Só que até então não haviam sido apresentados. Dilma entrou para o rol de presidentes colegas: o encontro ocorreu em um jantar oferecido por Michel Temer no Palácio do Jaburu.
Gilberto foi amigo de Temer – o uso do passado é enfatizado pelo colunista. Eles se conheceram durante a gestão do emedebista na Presidência da Câmara dos Deputados. Em Gramado (RS), quando o atual Temer ainda era vice, os dois estiveram em um jantar e não ficaram na mesma mesa. “Fui questionado por outros frequentadores do local sobre o motivo de cumprimentá-lo. Falei que ele era o vice-presidente e que merecia respeito. Passei a convidá-lo a jantares e falava diariamente com ele sobre vários assuntos”, contou. Diálogo interrompido às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff. “Depois que assumiu o governo, [Michel Temer] não falou mais comigo”, justifica.
Sobre a política atual disse: “Não vejo nenhum futuro. É uma incógnita. Precisa de uma lavagem na Câmara e Senado”.
A coluna se solidariza com os amigos e familiares de Gilberto Amaral. Que Deus o receba!