Mirian Goldenberg, Cris Pàz e Patricia Pontalti falam sobre etarismo
À Coluna, Mirian Goldenberg, Cris Pàz e Patricia Pontalti abordaram temáticas pertinentes ao etarismo, por exemplo, ações para combatê-lo
atualizado
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“O etarismo é um preconceito contra si mesmo no futuro”, sustenta a escritora Cris Pàz, de 52 anos. Estudiosa do tema longevidade há mais de três décadas, a doutora em antropologia Mirian Goldenberg, de 65 anos, é outra personalidade que adotou como mantra a seguinte frase: “O jovem de hoje é o idoso de amanhã”. O posicionamento da jornalista Patricia Pontalti, de 48 anos, também leva a reflexões sobre o mesmo assunto: “Tudo o que é velho, de um carro a um eletrodoméstico, de um celular a uma roupa, deixa de ser interessante, inclusive as pessoas, né?”.
Cris, Mirian e Patricia querem abrir os olhos a respeito de um assunto que, até pouco tempo, era considerado invisível e continua envolto de estigmas: o etarismo. Alguma vez você chegou a ler ou ouvir a palavra? Independentemente da resposta, cabe trazer o significado da expressão antes de discorrer as análises do trio. Segundo a Academia Brasileira de Letras (ABL), o termo pode ser definido como “discriminação e preconceito baseados na idade, geralmente das gerações mais novas em relação às mais velhas”.
Preconceito
Em entrevista à Coluna Claudia Meireles, Cris comenta que fala-se pouco sobre envelhecimento, afinal há uma separação contrastante entre o velho e o jovem, em especial na sociedade Ocidental caracterizada pela industrialização. Por estar enraizada a esse fenômeno, existe uma proximidade entre a participação do indivíduo na sociedade e a utilidade dele. “Relacionamos muito o valor de uma pessoa com a atividade profissional dela. Está alinhada com a questão da aposentadoria”, argumenta a escritora.
Em conversa com o gerontólogo Alexandre Kalache, Cris aprendeu sobre a história da aposentadoria, que surgiu em 1881, na Alemanha. À época, a expectativa de vida era de 42 anos. Quem chegava aos 60 não aguentava se submeter ao trabalho braçal. Mais de 140 anos depois, o raciocínio continua igual, embora os indivíduos tenham conquistado mais anos de vida. “Há uma novidade na realidade, mas permanecemos olhando a longevidade do jeito que era, não como é agora”, pondera.
“O ser humano quando para de trabalhar deixa de ser útil para a família, sociedade…”, atesta Cris Pàz. Compartilhando da mesma opinião, Patricia Pontalti destaca existir uma discriminação com as pessoas que passam de determinada idade. “Como se elas deixassem de ser pertinentes, relevantes, interessantes e válidas”. Na avaliação da jornalista e autora, essa pressão reflete um preconceito Ocidental por associar o velho com o “defasado, obsoleto e ultrapassado”.
Ações de conscientização
Mesmo com todos os obstáculos e tabus, Mirian Goldenberg defende a tese de que o tema “saiu do armário” e atualmente “é impossível não falar de envelhecimento no Brasil”. No ponto de vista da pesquisadora, a reforma da Previdência e a pandemia da Covid-19 fizeram com que o assunto ganhasse destaque. Ela acredita que a população brasileira só se conscientizará a respeito da pauta por meio de debates, programas e abordagens. Divulgar e estar junto aos mais velhos é uma forma de combater o etarismo, garante.
Patricia analisa que a trajetória a ser seguida a fim de combater o etarismo deve começar com a educação de todas as faixas etárias sobre o envelhecimento. Ela sugere que a ação busque “tirar o peso da idade, mas também valorizar e respeitar o que se ganha com os anos a mais”. “Temos que desassociar, em todos os sentidos, a juventude como única fase interessante, bela e produtiva. É um caminho longo que inicia na família, escola, campanhas publicitárias e programas governamentais”, alega.
Aprendizado constante
Escritora, Cris julga necessário ter uma convivência intergeracional. “Existem pesquisas que mostram que dentro de empresas é benéfica essa interação entre gerações. Você aprende com pessoas mais velhas e elas aprendem com você. No caso, considera a idade uma vantagem”, afirma. Ela vê essa relação como “muita rica” por gerar o entendimento sobre os indivíduos serem constantes aprendizes.
“Quando nos colocamos nessa postura de aprendiz, não envelhecemos para a vida, mas continuamos com o viço nos olhos para olhar o mundo e fica mais gostoso conviver. Isso é incrível! Entendo que eu posso estar 80 anos, mesmo assim terei muito a aprender com quem fez 20, vice-versa”, endossa a autora. Aos pontos levantados por Cris e Patricia, a doutora de antropologia complementa com a questão de cuidar, tratar e dar autonomia aos idosos, em especial, respeitar os desejos e vontades.
Mirian adotou o termo velhofobia como sinônimo de etarismo. Nas pesquisas diárias que faz com famílias com integrantes octogenários e nonagenários, ela revela que a maioria dos idosos se queixam da falta de autonomia por parte dos filhos e netos. “Não escutam o que eles querem e ficam o tempo todo falando o quanto são teimosos, dando ordens como se fossem crianças”, ressalta. A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descreve o cenário como “tipo de morte simbólica em vida”.
Etarismo contra as mulheres
De acordo com Patricia Pontalti, a mulher é bombardeada desde sempre com cobranças, culpas e padrões. A jornalista reforça que há um peso maior para o público feminino em relação a envelhecer. Isso resulta da disseminação da ideia que “uma mulher interessante deve ser jovem”. “Aprendemos isso quando meninas”, enfatiza. No ponto de vista de Cris Pàz, o contexto nada mais é do que “um prolongamento do machismo”. “Existe empilhamento de preconceitos aí?”, frisa.
A escritora de 52 anos explica que o etarismo costuma “ser bastante cruel com as mulheres”, sendo ainda mais acentuado com as negras. Nome por trás do livro A Invenção de uma Bela Velhice, Mirian Goldenberg compara os públicos feminino e masculino na publicação. Segundo a pesquisadora, os medos dos homens relacionados ao envelhecimento não devem ser desprezados. “Eles sofrem e muito, só que calados, tanto é que morrem mais cedo e ficam deprimidos”, assegura.
Etarismo masculino
Enquanto o público feminino tende a relatar mais a respeito do processo de envelhecimento, o masculino enfrenta o período em silêncio, conforme certifica a professora: “As mulheres falam mais disso, da decadência física, da invisibilidade social e do medo de não terem liberdade”. Embora foque nelas, Mirian reconhece e procura dar espaço para discutir os receios dos homens quanto à fase da velhice.
“Há uma cobrança muito maior sobre as mulheres por conta do envelhecimento físico e da aparência, entretanto, é um mito falar que os homens não sofrem com o envelhecimento. Eles têm medo da aposentadoria, dependência motora e da impotência sexual e social”, salienta Mirian. Atualmente, a expectativa de vida da população masculina chegou aos 72,2 anos e a da feminina atingiu os 79,3 pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados em julho.
Qualidade de vida
Reiterando o tópico já abordado, a antropóloga acredita que envelhecer com qualidade de vida requer autonomia. Nas posições seguintes, ela lista as amizades, apoio e afeto. “As grandes bases de um envelhecimento saudável é ter amigos, ou seja, pessoas com quem possa contar. Eles são fundamentais”, exemplifica. Mirian lembrou de uma expressão dita com frequência pelos idosos: “Sentir-se útil”. Eles almejam permanecerem produtivos e ativos mesmo após a aposentadoria.
“Os mais velhos, depois de aposentados, dizem não precisar mais de trabalhar, mas querem se sentir úteis e ativos”, evidencia a especialista. No livro A Invenção de Uma Bela Velhice, Mirian traz que os idosos devem ter um propósito de vida ou uma motivação a fim de impulsionarem a buscar as próprias realizações. Em conversa com o gerontólogo Alexandre da Silva, Cris escrutou uma frase que a fez cair a ficha. O médico explanou a respeito do “envelhecimento ser uma construção”.
“Quanto antes admitir o envelhecimento e que ele faz parte da vida, pode construí-lo da melhor maneira possível”, apresenta a escritora. Ao entender esse processo etário, os indivíduos passam a cuidar com mais atenção de si mesmo, como investir em conhecimento, ter uma reserva financeira, criar boas relações e fazer atividade física. Patricia vê como pilares básicos para desfrutar da longevidade: alimentar-se de modo balanceado, praticar exercícios e ser feliz.
“É sobre encontrar, dentro do essencial, o que faz sentido para cada um de nós”, defende a jornalista. Ela completa a declaração com o questionamento: “De regras, nós já estamos cheios, né?”.
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