Mais que uma luta: descubra o universo do Muay Thai com Mestre Sandro
O professor de artes marciais recebeu a coluna para uma entrevista repleta de conhecimentos e compartilhou a sua trajetória
atualizado
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O que vem a sua cabeça quando você ouve falar em Muay Thai? Provavelmente você idealiza uma modalidade, um esporte ou, até mesmo, um estilo de vida muito comum no Oriente? Certamente, o conceito é muito mais amplo do que podemos imaginar, com história e filosofia de vida que têm muito a ensinar.
Para mergulhar fundo no tema a fim de entender os preceitos por trás do Muay Thai, a coluna Claudia Meireles conversou com o Mestre Sandro, professor de artes marciais e figura ímpar de Brasília, conhecido mundo afora. Ele nos recebeu para uma entrevista repleta de conhecimentos e compartilhou a sua trajetória.
Infância difícil
Nascido em Brasília, Sandro Luiz da Silva Bencsik Fertonani conta que teve uma infância difícil. Sem segurança e proteção em casa, ele precisou correr atrás de algo que o defendesse e garantisse sua segurança. Foi quando, em 1987, conheceu um professor de caratê que dava aulas gratuitas em uma quadra da Asa Norte, bairro em que morava. “Foi a primeira vez que pratiquei e isso virou uma paixão. Naquele momento, eu sabia que seria professor”, afirma.
O próximo passo foi se matricular em uma academia de Kung Fu. Contudo, na época, devido ao Plano Collor, Sandro e sua família perderam tudo o que tinham. Ele e a mãe se mudaram, então, para Barbosa Ferraz, um município localizado no Paraná, onde residia o padrasto. “Lá, eu fiz karatê, mas fui bastante discriminado por ser uma criança de cidade grande e filho de mãe solteira”, comenta ele.
Com o tempo, Sandro se mostrou sagaz na modalidade e virou destaque entre outros praticantes. Consequentemente, mais artes marciais entraram em sua vida: o Kickboxing, o Hapkido, o Krabi Krabong e o Muay Thai. Esse último, entretanto, causou estranheza por parte do brasiliense, que via a modalidade como uma luta agressiva e violenta. “Isso me perturbava e me fazia questionar muito”, revela.
A solução veio com um conselho da esposa, Helliane Brito, que sugeriu a ele que viajasse à Tailândia para investigar mais sobre o assunto. Em 2009, Sandro embarcou para o país do Sudeste Asiático, e percebeu muitas diferenças entre o Muay Thai tradicional e o aplicado no Brasil. “O que era ensinado aqui não tinha nada a ver com a arte marcial ensinada na Tailândia. É totalmente diferente”, explica.
Durante a visita ao destino, Mestre Sandro tornou-se aluno de um consagrado professor tailandês, o Mestre Suphan Chabairan. “Até hoje ele é meu mestre e amigo, além de ser um pai para mim”, destaca. Desde então, o brasiliense vem implantando o Muay Thai “original” em terras tupiniquins.
Atualmente, Sandro leciona Hapkido, Jiu Jitsu, Muay Thai e Krabi Krabong. Segundo ele, essas modalidades sempre têm algo em comum. “Quase todas possuem a mesma origem, e foram criadas como um sistema militar”, informa. De acordo com o instrutor, a arte marcial vem do mais cru âmbito do ser humano, quando o homem precisou se defender e proteger os filhos. “Até chegar a arma de fogo, tudo era decidido com armas brancas ou mão a mão. E até hoje é assim. Os exércitos ensinam seus soldados que, se acabar a munição ou perder a arma, a luta segue na mão”, completa ele.
Desbravando o Muay Thai
“Muay Thai é a cultura, a filosofia, o esporte, a religião e a vida de um povo que formou toda uma região no planeta, que envolve Tailândia, Vietnã, Camboja, Laos e Mianmar”, define o mentor. Segundo ele, esses países são formados nos preceitos do Muay Thai: hierarquia, disciplina e respeito. “O asiático, por exemplo, tende a ver uma pessoa mais velha como um grande sábio. O idoso, lá, é uma fonte de consulta, uma biblioteca viva”, ilustra.
Na opinião do instrutor, antigamente a prática era destinada a um determinado grupo de pessoas, em especial, a quem estava disposto a se machucar. Agora, é diferente. “Ela serve para todo mundo. A pessoa não é obrigada a ser atleta”, esclarece Mestre Sandro, que dá aulas para diferentes faixas etárias.
“O primeiro princípio da arte marcial é você melhorar a si mesmo. Não é uma competição. A competição é só uma parte”
Mestre Sandro
Sandro é presidente da Liga Nacional de Muay Thai e representante da Federação Mundial de Muay Thai para o Brasil. “Eu seleciono os atletas que vão para o campeonato mundial”, conta o professor. Ao assumir esses papéis, ele se vê diante de um importante legado em prol da verdadeira e fiel filosofia da arte marcial tailandesa.
Resultados desse complexo trabalho já podem ser vistos, como a obrigatoriedade de equipe médica e arbitragem preparada durante as competições. Graças a esse empenho, foi possível conquistar uma divisão de categorias mais ideal e um sistema de proteção adequado. “O Muay Thai parou de ser briga e virou esporte”, anuncia.
Outro desdobramento que vale ser ressaltado é a maior inclusão feminina na modalidade. “Quando as meninas começaram a perceber que havia um sistema de disciplina, moral e ética elas começaram a procurar pelas aulas. Antes da pandemia, por exemplo, tínhamos uma turma 120 pessoas, das quais metade eram mulheres”, diz Sandro.
“Aqui dentro não tem sexo, religião, política ou idade. Todo mundo se respeita e é amigo. E isso ameniza muito os conflitos. Pessoas de opiniões completamente diferentes convivem pacificamente. E todo mundo se dá bem”, declara Mestre Sandro.
Defesa pessoal
Como é de se esperar, as artes marciais têm uma importante atribuição na vida pessoal de cada indivíduo: defender-se. Sandro faz questão de lembrar o quanto o assunto é relevante atualmente.
“A primeira grande defesa pessoal é você saber estar no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas. Defesa pessoal não é um combate físico, é o pensamento tático de como evitar uma agressão. Uma agressão nunca é boa para alguém. Sempre vai trazer problemas para os dois lados. Se você evitar, terá muito sucesso”, acredita o instrutor.
Disciplina e respeito
Para o Mestre Sandro, com a popularização da luta marcial, sua prática, infelizmente, tomou rumos que acabaram saindo das normas instauradas inicialmente. “Em algumas academias, por exemplo, o Muay Thai deixa de ser uma arte marcial, e as pessoas precisam levar isso a sério”, opina.
“O tênis foi feito para ajudar a não escorregar, mas o pé precisa escorregar para chutar. Além disso, os alunos têm que tirar os brincos, anéis e relógios, pois eles podem estragar e até machucar”, explica ele. De acordo com o professor, esses preceitos visam proteção, segurança e padronização, para que todos estejam iguais no tatame.
Aposta para emagrecer e fortalecer
Dentre os inúmeros benefícios do Muay Thai, existe a alta queima calórica. “É extremamente forte no quesito preparação física e resultado. Trabalha bastante os membros inferiores, como abdômen, lombar, glúteos, quadríceps, bíceps femoral e panturrilha”, lista o mentor. Em 22 dias de treino na Tailândia, ele chegou a perder 16 quilos.
Entretanto, Mestre Sandro enfatiza que as aulas de Muay Thai acabaram sofrendo algumas alterações e, com isso, os resultados não são os mesmos. Ademais, no país de origem, os treinos são de seis ou sete horas diárias. Já no Brasil, a duração é de 1h a 1h30, oferecendo efeitos menos eficazes.
Quem também “agradece” pela prática é o cérebro. De acordo com o professor, o primeiro grande resultado acontece na mente, pois a atividade mantém longe o estresse. Além disso, durante a prática, o corpo libera endorfina.
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