Líder indígena, Ailton Krenak é condecorado pela Embaixada da França
O indígena Ailton Krenak recebeu a insígnia de Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra do embaixador da França, Emmanuel Lenain
atualizado
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“A nossa espécie se tornou uma ameaça biológica para o planeta. Nós somos cerca de 8 bilhões de pessoas sapateando o planeta. Nós precisamos, pelo menos, sermos capazes de dançar ao invés de sapatear, de marchar”, discursou Ailton Krenak durante solenidade na Embaixada da França na noite dessa segunda-feira (13/5). O ativista do movimento socioambiental e defensor dos direitos dos povos indígenas recebeu a insígnia de Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra do embaixador francês, Emmanuel Lenain.
Liderança histórica do movimento indígena, Ailton tem 71 anos e traz como sobrenome a denominação do seu povo, Krenak, que reside na área do médio Rio Doce em Minas Gerais. A luta do ativista começou aos 9 anos e perdura até os dias atuais, conforme destacou o embaixador no evento.
Segundo Lenain, o governo francês reconhece o importante trabalho do líder na defesa dos povos originários, inclusive por ter tido um papel fundamental na conquista dos direitos indígenas na Constituinte de 1988.
Ailton fez história por surgir na Constituinte de 1988 com o rosto pintado de jenipapo, fruto típico de regiões como a Mata Atlântica. “É nesse momento que você virou um dos porta-vozes emblemáticos dos povos indígenas”, salientou o embaixador da França no Brasil. Autoridades, diplomatas e lideranças indígenas e o Coletivo Azuruhu participaram da cerimônia e aplaudiram a liderança pelos feitos relevantes concretizados. A coluna Claudia Meireles também marcou presença no evento e aproveitou para entrevistar o grande homenageado.
“Filho da terra”
Incansável ativista e defensor do meio ambiente e dos povos originários, Ailton é escritor, professor, filósofo e poeta. Tamanha produção intelectual e artística o fez ser o primeiro indígena imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), assumindo a cadeira número 5.
E foi a literatura que deu o pontapé no bate-papo do ambientalista e líder indígena com a coluna. Ele aproveitou para trazer à conversa A Carta do Chefe Seattle, escrita pelo cacique Seattle em 1854 e enviada ao presidente dos EUA à época, Franklin Pierce.
“Grande chefe é um homem indígena, de uma sabedoria antecipada sobre esse caos ambiental que nós estamos vivendo hoje”, avaliou Krenak. Ele citou como exemplo a situação dos oceanos: “Estão se transformando em depósitos de material PET e resíduos industriais. Nas fossas dos oceanos, já tem montanhas de PET”. Autor do livro Ideias para adiar o fim do mundo, o líder detalhou que a devastação na área onde nasceu, no Vale do Rio Doce, aflorou o sentimento de lutar pela conservação da terra natal e de outros povos.
“Isso fez emergir em mim um sujeito com um sentimento de pertencimento tão radical àquele território, em que tudo o que acontece com o percurso do rio e com a montanha acontece com o meu corpo. Tudo o que acontece com a terra acontece comigo, porque eu entendi que tudo o que acontece com a terra, acontece com os filhos da terra”, explicou Ailton Krenak, escritor das obras O amanhã não está à venda, A vida não é útil e Futuro Ancestral.
Ao voltar no tempo e recordar sobre a região de Minas Gerais, o ativista ambiental frisou que “o rio era muito rico”.
Ele prosseguiu: “O rio foi devastado pela mineração muito antes de eu completar 50 anos. Agora, estou com 71”. Para mencionar a respeito dessa “violência” com a natureza no próprio território e na região do Vale do Rio Doce, Ailton confessou evocar um conterrâneo, o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade, a quem chama de “meu escudo invisível”.
“Quando estou tentando falar desse período em que a mineração industrial e siderurgia se instalou na região, que se chamava Floresta do Rio Doce e passou a ser designada como Vale do Aço, eu invoco Drummond para dizer que mau gosto nomear um lugar que historicamente foi a floresta do Rio Doce. Os naturalistas, que passaram lá nos séculos 17 e 18, disseram ser uma floresta esplêndida. Agora, os brasileiros enfurecidos chamam aquele lugar de Vale do Aço”, criticou a liderança indígena Krenak.
Movimento indígena
Após ver a devastação tomando conta do território em que nasceu e de outras regiões do Brasil, o ativista decidiu lutar — mas não estava sozinho. “A minha geração foi quem começou o movimento indígena no Brasil”, enfatizou.
No bate-papo com a coluna, o líder condecorado lembrou de outras personalidades indígenas históricas que não mediram esforços na busca e proteção do meio ambiente e dos direitos dos povos originários. Ele listou Marcos Terena, o saudoso deputado federal Mário Juruna e o cacique Raoni Metuktire.
“Hoje, quando você vê milhares de indígenas na Praça dos Três Poderes ou fazendo o Acampamento Terra Livre [ATL] pode até imaginar que sempre os indígenas estiveram aqui. Não”, reforçou a liderança do povo Krenak.
Ele complementou: “Quando pintei o meu rosto de preto na Constituinte, indígenas não vinham a Brasília. Os únicos a vir eram os que vinham reivindicar algo para a Funai, ao chefe do Executivo”. Segundo o ativista, foi nesse período em que houve “a construção da rede que, atualmente, se chama Movimento Indígena”.
À frente do Movimento Indígena, Ailton participou da fundação da Aliança dos Povos Indígenas, que reúne comunidades ribeirinhas e indígenas da Amazônia. Ele também contribuiu para a criação da União das Nações Indígenas (UNI). São tantas conquistas do ambientalista e escritor que a República Francesa, por meio da Embaixada da França no Brasil, viu-se no compromisso de conceder a insígnia de Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra.
“Grande contribuição para o mundo”
Para o governo francês sob a fala do embaixador, conceder a honraria a Ailton Krenak é uma forma de “homenagear a sua grande contribuição intelectual para o mundo”.
“Nos anos 1980, você participou e lançou várias iniciativas que formaram a base para essa notavelmente luta indígena”, ressaltou Emmanuel Lenain. Na avaliação do diplomata, a liderança condecorada assumiu a missão de ser “um dos porta-vozes emblemáticos dos povos originários”.
“Vocês continuam a lutar, porque os vossos direitos são constantemente ameaçados”, realçou o embaixador. Lenain aproveitou para afirmar que dar a insígnia a Krenak funciona como uma maneira de reforçar o compromisso da França com a defesa dos povos originários e do meio ambiente, tema prioritário da cooperação do Brasil com o país europeu. Vale lembrar que o presidente francês, Emmanuel Macron, esteve em Belém (PA), em março, e condecorou o cacique Raoni Metuktire.
De acordo com Emmanuel Lenain, Ailton Krenak não é apenas um grande representante indígena, mas também um “intelectual admirado”.
“O seu conhecimento, sua sabedoria nos relembra que nós e a natureza não podemos ser separados. Isso é algo muito importante de manter em mente”, endossou o embaixador. O homenageado da noite, que iniciou o discurso com o lema francês “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, finalizou dizendo que, atualmente, se vive em uma “relação de desigualdade absoluta”.
“Atualmente, experimentamos uma relação de desigualdade absoluta entre os povos que têm tudo e aqueles que não têm nada. É algo insustentável”, reiterou Krenak. Ele concluiu: “Nós estamos no século 21 cheios de ideias atrasadas do século passado. Nós vivemos o século 21 cheio de mal entendido do século 20. Eu me pergunto se, às vezes, estamos mesmo no século 21. Tomara que já estejamos.”
Confira os cliques da fotógrafa Wey Alves:
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