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Entenda o debate em torno da proibição do uso de implantes hormonais

Resolução da Anvisa proibiu a venda e o uso dos implantes; médicos a favor e contra a medida expõem pontos de vista

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Imagem mostra mão com luva segurando um pedaço fino e pequeno de plástico, o chip da beleza - Metrópoles
1 de 1 Imagem mostra mão com luva segurando um pedaço fino e pequeno de plástico, o chip da beleza - Metrópoles - Foto: Getty Images

Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada em outubro, suspendeu a manipulação, comercialização, propaganda e o uso de implantes hormonais manipulados. O assunto divide tanto pacientes quanto a comunidade médica. Desde que a medida foi anunciada, uma petição contrária à decisão mobilizou mais de 3.200 assinaturas de especialistas que fazem uso do tratamento para doenças como a endometriose e mioma uterino. Por outro lado, experts acreditam que os implantes podem causar efeitos colaterais gravíssimos.

Do ponto de vista de quem faz uso da terapia, as opiniões divergem. A engenheira Angela Donasiki Filipini, de 40 anos, é uma das pessoas que se adaptou ao tratamento, feito a partir de prescrição de um especialista. “Não sei o que será da minha vida com a suspensão dos implantes hormonais. Não acho justo com quem realmente necessita ser punido por conta de pessoas que fazem o uso inadequado. Graças ao método, eu consegui voltar a viver”, relata.

Já a educadora S.D.* viu a vida “parar”, como ela mesma recorda, de fevereiro a setembro de 2023, tempo em fez uso da terapia hormonal. “No meu caso, não deu certo”, expõe.

O depoimento da engenheira e o da educadora se somam a tantos outros sobre a terapia hormonal personalizada — a favor ou contra. Enquanto alguns pacientes frisam sobre a obtenção de qualidade de vida “graças” à técnica, outros narram os resultados negativos.

De acordo com a resolução publicada no Diário Oficial da União (DOU), a motivação para a Anvisa proibir os implantes hormonais derivou de evidências fornecidas pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Em entrevista à coluna Claudia Meireles, o presidente da Associação Brasileira de Hormonologia (ASBRAH), Luiz Paulo, compartilhou que mais de 3,2 mil médicos assinaram a petição contra a suspensão da Anvisa.

Chip da beleza
Médicos divergem quanto à resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Condições de saúde

Segundo o especialista, a suspensão tende a gerar prejuízo para a saúde dos pacientes que tratam condições como endometriose, hipogonadismo, mioma uterino, insuficiência ovariana prematura e transtorno disfórico pré-menstrual. Os implantes hormonais também são indicados para mulheres que fizeram o ooforectomia, ou seja, a retirada dos ovários em decorrência de um câncer. Luiz definiu a proibição como “uma catástrofe”.

“Para milhares de mulheres, o implante hormonal foi a solução, isto é, a melhor opção. Elas chegaram até esse tratamento e estão se sentindo bem, encontram-se estáveis. Algumas delas chamam [os hormônios implantáveis] como ‘a solução dos meus problemas’. E do nada, a Anvisa tirou esse recurso”, pontua Luiz Paulo. O presidente da ASBRAH enfatiza que não está descrevendo os hormônios implantáveis como “milagrosos”, mas, sim, como uma possível solução.

Quem também é “absolutamente contra” a proibição é o intensivista e cardiologista Carlos Eduardo Gracindo. “Tenho 3 RQEs [Registro de Qualificação de Especialidade] e total capacitação para realizar o procedimento”, enfatizou. O especialista prosseguiu que os implantes hormonais estão como opção terapêutica no Brasil desde 1993. Ele foi um dos profissionais a assinar a petição contra a resolução da Anvisa.

O médico assegura que existem artigos científicos publicados sobre o método, garantido sua eficácia e segurança.  O especialista cita, por exemplo, o artigo intitulado Baixas taxas de complicações da testosterona e implantes de estradiol para andrógenos e terapia de reposição de estrogênio em mais de 1 milhão de procedimentos, do médico especialista em hormônios Gary Donovitz.

O estudo foi publicado em 2021 pelo periódico Therapeutic Advances in Endocrinology and Metabolism. Para Carlos Eduardo, essa e outras pesquisas evidenciaram a “segurança e baixíssima ocorrência de efeitos colaterais” da terapia hormonal.

Foto colorida de mulher deitada em cama e com uma bolsa de água quente na barriga - Metrópoles
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Hormonologia (ASBRAH), Luiz Paulo, a terapia hormonal é usada para tratar endometriose

Tratamento

Existem dois tipos de tratamento, um com durabilidade de seis meses, em que o corpo absorve todo material utilizado, e outro de 1 ano. No tratamento de 12 meses, o medicamento fica dentro de um tubo de silicone, testado e aprovado para uso humano. Ao término, recomenda-se retirar o ducto subcutâneo vazio e colocar novos implantes.

A ideia é que, diferentemente de remédios ou terapias com uso tópicos, o implantes tenham 100% de aproveitamento.

Implante hormonal - Metrópoles
Enquanto alguns pacientes expõem os efeitos colaterais, outros listam os pontos positivos

A favor da decisão

Diretora de Defesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a médica Lia Damásio é a favor da decisão da Anvisa. “A falta de fiscalização e controle sobre esse tipo de implante coloca em risco a saúde das mulheres. Quando o produto é manipulado, não temos como mensurar o padrão da liberação hormonal no corpo da mulher e nem o impacto que pode causar à saúde”, valida.

De acordo com Lia, “existem relatos de efeitos colaterais graves” desencadeados pela terapia hormonal manipulada. Com doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), a ginecologista lista as condições decorrentes do uso: “Infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo, acidente vascular cerebral, além de complicações hepáticas, dermatológicas, psiquiátricas, renais, musculares e infecções associadas aos implantes.”

Relembre: Chip da beleza usado por Flay pode causar graves efeitos colaterais

A ginecologista e cirurgiã ginecológica Émile Almeida é outro nome favorável à medida da Anvisa. Entre as consequências para a saúde de adotar o método, ela aponta a possível elevação dos níveis de colesterol e triglicerídeos. “Contribui, assim, para o aumento dos riscos cardiovasculares e hipertensão arterial”, certifica. As duas especialistas abordaram “efeitos colaterais irreversíveis”, a exemplo da alteração da voz, além do aumento do clitóris e até problemas de infertilidade.

Acne - pele
A acne está entre os efeitos colaterais resultantes do uso de implantes hormonais

Émile argumenta ser contra a prescrição dos hormônios implantáveis por “não haver estudos de segurança suficientes”. Ela afirma que a terapia não dispõe de bula, e exemplifica: “Um medicamento, para ter bula, precisa passar por estudos com três etapas. Nesse estudo, são analisadas as melhores doses, efeitos colaterais, toxicidade e eficácia do que se deseja aprovar. A bula traz as informações do que aconteceu na terceira fase. De posse de todos esses dados, o medicamento vai para a aprovação.”

“Em geral, passa pelo FDA [Food and Drug Administration] antes de chegar aqui. É um processo longo. Só aprovado pelo FDA, órgão regulamentador dos Estados Unidos, e pela Anvisa, se a análise de risco benefício for mais favorável para os benefícios. Os hormônios manipulados não tem todos esses estudos. Isso é gritante”, justifica Émile Almeida. Ela continua: “Os implantes podem ser seguros? Sim, mas sem estudos não sabemos”.

As duas médicas salientaram, ainda, que o uso da terapia hormonal pode ocasionar queda de cabelo, aumento da oleosidade da pele, excesso de pelo no corpo e acne severa.

Foto colorida de implante hormonal - Metrópoles
Para as médicas, faltam estudos sobre os benefícios do método

Entenda a medida

A demanda teve início com uma carta de sociedades médicas com recomendação de proibir os implantes hormonais alegando colaterais graves. No documento enviado à agência, sete instituições atestam que a terapia hormonal dispõe de “ausência de comprovação de eficácia e segurança”.

“A Anvisa precisa regulamentar a manipulação de medicamentos somente pela via de administração na qual o medicamento foi registrado. Uma via diferente necessita de dados científicos publicados de eficácia, segurança e desfechos a longo prazo”, escreveram as associações na carta para a Anvisa.

Uma das referências bibliográficas usadas pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) envolve o uso de esteroides anabolizantes para fins estéticos e de performance.

De acordo com os especialistas a favor da terapia hormonal, algumas das referências que integram a carta “não tem relação” com implantes hormonais. Há menções de resoluções da Anvisa que suspendem determinados fitoterápicos e substâncias entorpecentes. Os médicos a favor da medida, por sua vez, reiteram que ainda não há provas científicas robustas para seguir com esse tipo de tratamento.

Ilustração de mulher de blusa amarela com o braço para cima e um implante instalado - Metrópoles
Implante é colocado na parte interna do braço

A coluna entrou em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia citada na resolução da agência. Em nota, a Febrasgo reiterou que “considera a iniciativa um avanço importante para a segurança dos pacientes, já que a falta de fiscalização e controle sobre esse tipo de implante coloca em risco a saúde da população.”

A federação alega que “relatos de boas experiências sintomáticas não sustentam o lançamento e comercialização de um novo medicamento”, no caso, os implantes hormonais. “Para que ocorra a liberação, existem protocolos necessários a serem seguidos”, realçou a Febrasgo.

À coluna, a diretora da Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo, a médica Lia Damásio justifica: “Importante destacar que nós, membros e representantes das sociedades médicas científicas, somos a favor da terapia hormonal, desde que com ética, ciência e segurança. Somos também a favor de novas modalidades de uso, inclusive de futuros implantes liberados, desde que devidamente aprovados por todos os protocolos nacionais, por todas as regras sanitárias, para aquele uso específico, aquela droga específica, aquele jeito específico de manipular, de produzir, para efetiva segurança de médicos que prescrevem e de seus pacientes”.

A Anvisa ainda não retornou o contato da coluna, e o espaço segue aberto para qualquer declaração.

*A entrevistada pediu para ser identificada apenas com a inicial do nome e do sobrenome

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