Endocrinologista esclarece mitos sobre os medicamentos para emagrecer
Daniela de Paiva conta tudo o que você precisa saber sobre o assunto, e também revela os remédios mais indicados pelos médicos
atualizado
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Emagrecer é uma meta para parte da população que luta não somente por uma conquista estética, mas também pela saúde e longevidade. Alimentação, atividades físicas e acompanhamento médico são aliados nessas horas, mas há um outro fator que ainda gera dúvidas e até mesmo preconceito: medicações para perda de peso. A ideia de que eles são maléficos ou contraindicados pelos profissionais da área ainda permanece, mas deve ser extinta e bem esclarecida. Se propostos e acompanhados corretamente, eles são capazes de mudar a vida do indivíduo e auxiliar na saúde equilibrada.
À coluna a endocrinologista Daniela de Paiva afirma que, sem dúvida, a maior demanda em seu consultório é para tratamento de sobrepeso e obesidade, além das complicações metabólicas relacionadas ao excesso de peso, como alterações de glicose e de colesterol e hipertensão arterial. Diante desse cenário, a médica vê que a maioria dos pacientes, logo na primeira consulta, já buscam por remédios que possam auxiliá-los. “Muitos relatam tentativas prévias frustradas de emagrecimento, tanto só com dietas e exercícios físicos, quanto com uso de remédios associados que não auxiliaram no processo ou geraram efeitos colaterais intoleráveis ou por recuperação de peso ao cessarem o uso do(s) medicamento(s)”, diz.
Por outro lado, a especialista destaca que outros pacientes ainda têm uma certa “resistência ao uso de medicamentos, mesmo quando têm indicação de usá-los”. “Acredito que por desconhecimento e por muitos tabus e preconceitos que ainda existem a respeito desse assunto”, opina.
Como eu sei que posso recorrer aos remédios?
Segundo Daniela, existem diretrizes do tratamento da obesidade realizadas pelas sociedades de Endocrinologia do Brasil, dos EUA, da Europa e de outros países que norteiam os médicos no tratamento farmacológico para emagrecimento. Essas diretrizes são consensos realizados por especialistas embasados em evidências científicas robustas. A profissional explica que o tratamento medicamentoso é indicado após se estabelecer o grau de obesidade por meio do IMC (Índice de Massa Corporal) nos casos de: o paciente tem IMC maior ou igual a 30 kg/m2 (obesidade); ou o paciente tem IMC maior ou igual a 25 kg/m² (sobrepeso) na presença de comorbidades ou há falha em perder peso com o tratamento não farmacológico.
A endocrinologista acrescenta que indivíduos com IMC normal mas com aumento da circunferência abdominal são considerados obesos viscerais (excesso de gordura nos órgãos) e devem ser tratados na presença de doenças associadas ao excesso de gordura corporal, como elevação de triglicerídeos e colesterol, hipertensão arterial e diabetes tipo 2.
Daniela é a favor do uso de remédios para perda de peso, mas somente quando bem indicados e acompanhados por um médico especialista na área. “A obesidade é uma doença crônica, ou seja, não tem cura, mas tem controle, e está associada a mais de 200 tipos de doenças, dentre elas as doenças cardiovasculares (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral), que são as de maior morbimortalidade atualmente, além de sabidamente ser o principal fator de risco para Covid-19 grave em pacientes jovens”, defende.
De acordo com a médica, a base do tratamento é a mudança do estilo de vida, que inclui alimentação saudável, equilibrada e de baixa caloria, e exercícios físicos regulares. Para ela, o tratamento medicamentoso é um auxiliar a essa mudança, e pode contribuir bastante, pois atua regulando o apetite e auxilia tanto na fase de perda de peso quanto na fase de manutenção do peso perdido, evitando recidiva (recuperação de peso) e o temido “efeito sanfona”.
Sem preconceitos
A esfera dos medicamentos para emagrecimento ainda não é bem clara para muitas pessoas, o que gera muito preconceito quanto ao seu uso. Na opinião da endocrinologista, isso se deve por desconhecimento, não só pela população leiga, mas também por profissionais de saúde que não tiveram formação acadêmica com abordagem adequada da obesidade. “Outro aspecto que contribui para esse preconceito é a automedicação, muito comum no Brasil, pois a maioria dos medicamentos para emagrecer não são de venda controlada”, alerta.
Outro motivo apresentado pela especialista é a utilização incorreta do remédio e por um período inadequado. “A automedicação pode causar efeitos colaterais indesejados e até graves”, frisa. Além disso, segundo Daniela, há remédios para emagrecer derivados de anfetaminas, que eram comercializados no Brasil até há alguns anos, mas que foram descontinuados pela Anvisa. Eles têm potenciais efeitos colaterais graves, como alterações neuropsiquiátricas (depressão, surtos psicóticos, insônia) e doenças cardiovasculares (infarto, AVC, arritmias cardíacas). Ainda necessitavam de indicações muito criteriosas por parte dos médicos prescritores, mas eram usados de forma indiscriminada e vendidos clandestinamente no “mercado negro”.
Cuidados
Além de acompanhamento com um endocrinologista, a profissional enfatiza a supervisão de uma equipe multidisciplinar, como nutricionista, educador físico, psicólogo e, em alguns casos, psiquiatra. “Sabemos, atualmente, que a obesidade é uma doença multifatorial, com grande influência genética (cerca de 70% dos pacientes obesos têm histórico familiar de obesidade) e, também, de fatores ambientais e culturais, como sedentarismo; hábitos alimentares inadequados adquiridos desde a infância; e ingestão de comidas prontas, ultraprocessadas e hipercalóricas”, informa a médica. Daniela pontua que há também a associação comum entre transtornos psiquiátricos e transtornos alimentares, como transtorno de ansiedade generalizada, depressão e compulsão alimentar periódica, cada vez mais prevalentes na sociedade moderna.
Após procurar por um especialista com o intuito de iniciar uma intervenção medicamentosa para perder peso, o indivíduo deve realizar um seguimento médico periódico e regular, o que é, conforme declara Daniela, imprescindível para possíveis ajustes de doses, suspensão ou associação de medicamentos. Tais medidas são baseadas na resposta e nos efeitos colaterais, assim como orientações de ajustes na alimentação e nos exercícios físicos, de acordo com a evolução da perda de peso e da composição corporal, além do acompanhamento com exames de sangue seriados. “Essas consultas de seguimento devem ser, preferencialmente, em curtos intervalos de 1 a 2 meses, na fase de perda de peso, podendo ser mais espaçadas na fase de manutenção do peso, de acordo com as necessidades e particularidades individuais”, detalha a profissional.
“Esse seguimento periódico também é muito importante para o paciente se manter motivado e não abandonar o tratamento inadvertidamente”
Daniela de Paiva
Contraindicações
A médica expõe que, via de regra, nenhum medicamento para emagrecer pode ser prescrito no período gestacional e na lactação. “Pacientes com doenças cardiovasculares prévias, como infarto do miocárdio e AVC, têm contraindicação de usar Sibutramina e Lisdexanfetamina. Já pacientes portadores de transtornos psiquiátricos e neurológicos podem ter contraindicação de alguns dos medicamentos utilizados e devem ser avaliados sempre em conjunto e concordância com o médico psiquiatra ou o neurologista assistente”, ensina.
Fármacos aprovados e disponíveis
Questionada sobre os rótulos que mais são prescritos pelos médicos, Daniela responde que, atualmente, quatro são aprovados em bula no Brasil: Liragutida (que tem como nome comercial Saxenda), Sibutramina, Orlistate e Lorcasserina, sendo que essa última ficou poucos meses em comercialização no país e logo foi suspensa, devido a um estudo americano conflitante apontando riscos associados ao seu uso. A endocrinologista insere na lista a Lisdexanfetanina (que tem como nome comercial Venvanse), aprovada em bula para Transtorno de Compulsão Alimentar Periódico e também usada em pacientes obesos que têm o transtorno.
A especialista afirma que existem, ainda, alguns outros medicamentos usados off label (sem indicação em bula para obesidade), mas com muitas evidências científicas de benefícios de uso quando o paciente não tem resposta adequada ou tem contraindicação de uso dos medicamentos on label. São eles: Semaglutida (nome comercial: Ozempic), Dulaglutida (nome comercial: Trulicity), Topiramato, Bupropiona, Naltrexona, Sertralina e Fluoxetina.
“Somente médicos estão aptos para prescrição de medicamentos para tratamento da obesidade e do sobrepeso. E o ideal é que o médico seja especialista, conheça bem os tratamentos disponíveis e saiba manejá-los adequadamente”
Daniela de Paiva
Efeitos colaterais
De acordo com a endocrinologista, os possíveis efeitos colaterais gerados pelas medicações são variados, sendo os mais comuns os sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos, constipação intestinal, diarreia), dor de cabeça e outros mais graves, como aumento de pressão arterial, frequência cardíaca, alterações do sono e do humor e tontura. “Por isso, é importante a prescrição e o acompanhamento médico adequados”, destaca.
Quanto tempo dura um tratamento?
Para a especialista, o tempo de uso do remédio é individualizado. Ele pode variar entre 6 meses e o uso crônico e contínuo. “Há pacientes que vão precisar do tratamento medicamentoso continuamente, pois sabemos que a obesidade é uma doença crônica, e o remédio auxilia muito na perda e na manutenção do peso”, comenta. Segundo a médica, alguns pacientes conseguem manter o peso perdido sem medicamentos, só com hábitos de vida saudáveis e controle da alimentação, embora seja a minoria dos pacientes que conseguem, especialmente os que têm obesidade mais severa e fator genético envolvido.
Quanto custa?
Conforme esclarece Daniela, o preço de um remédio para emagrecer pode oscilar entre R$ 40 e mais de R$ 1.000 por mês, a depender do medicamento, da dose e da quantidade de medicamentos prescritos. “O custo eleva se há necessidade de se associar mais de um tipo de medicamento, o que é comum quando há necessidade de grande perda de peso”, assinala. Além disso, há outros gastos envolvendo o tratamento, como as consultas com os profissionais de saúde, entre outros fatores.
Resultados
A entrevistada conta à coluna que os resultados das medicações têm sido satisfatórios. “Não só facilitam o processo, como também podem contribuir diretamente para melhoras de taxas nos exames, como de glicose, insulina, colesterol, triglicerídeos e outros marcadores de alterações metabólicas. E isso é demonstrado em estudos científicos de relevância, não só na minha prática clínica, que é embasada em evidências científicas robustas”, frisa.
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