Descubra qual é a filosofia aplicada por líderes para superar o caos
Aprenda sobre estoicismo, filosofia que ensina a manter o equilíbrio emocional diante de tempos difíceis, como o da pandemia de coronavírus
atualizado
Compartilhar notícia
Imagine fechar os olhos e se deparar com uma receita para sobreviver ao caos com equilíbrio mental. A prescrição parece inexistente. Diante da pandemia do novo coronavírus e dos obstáculos decorrentes, encontrar uma fórmula viável para suportar a realidade e o futuro incerto surge como luz no fim do túnel. Há quem não acredite que exista tal método, mas algumas pessoas remediam o presente com uma boa dose de estoicismo.
Em um mundo regido por rentabilidade, vaidade, tecnologia e, recentemente, pelo medo da Covid-19, as preocupações com o que acontece só aumentam, principalmente devido à situação atual, que nos dá a sensação de não estar sob controle. Em meio a apreensão sobre o agora, a frase “o vírus invisível pode estar em qualquer lugar” tornou-se um mantra.
Aos estoicos, o cenário descrito remete ao período de prisão, por impedir viver a vida como deve ser vivida, com satisfação. Tendo como “pai” Zenão de Cítio, a filosofia milenar, fundada por volta de 300 a.C., é atemporal e dispõe de respostas aplicáveis ao atual momento. Centrada em quatro virtudes (coragem, justiça, sabedoria e autocontrole), a escola tem muito a ensinar. Os princípios a serem adotados ficam evidentes ao longo da trajetória do estoicismo.
Na história
Um dos maiores expoentes desse conjunto de valores foi o imperador Marco Aurélio, por volta do século 2 d.C. Aos 11 anos, o soberano conheceu a filosofia estoica e fez dela um hábito diário. Para historiadores, o monarca ter seguido os ensinamentos foi fundamental para que comandasse por mais de 20 anos o exército e administrasse Roma até a morte.
O governo do soberano ficou marcado por guerras prolongadas e dificuldades internas, como conspirações e uma peste, que dizimaram várias pessoas. Diante de tantos problemas, o general mantinha-se controlado emocionalmente, pois compreendia que não podia lutar contra algo fora do próprio domínio.
Em vez do desespero, Marco Aurélio procurava descansar das batalhas e aproveitava para escrever em seu diário que, mais tarde, virou o clássico livro Meditações: “Se você está sofrendo com alguma coisa externa, não é isso que a perturba, mas seu próprio julgamento. E está ao seu alcance acabar com esse julgamento agora”, registrou Marco Aurélio no livro.
O imperador inspirou-se em outro grande nome do estoicismo: Epiteto. Ex-escravo, o filósofo grego deixou publicações em que ensina a minimizar o que está fora do controle para conseguir viver uma boa vida. “Se devo morrer, morrerei quando chegar a hora. Como, ao que me parece, ainda não é a hora, vou comer porque estou com fome”, escreveu Epiteto.
“Não espere que o mundo seja como você deseja, mas sim como ele realmente é. Dessa forma, você terá uma vida tranquila”, ressaltou o pensador em outro registro. Por propagar manter a calma em meio à turbulência, o estoicismo é conhecido como a filosofia da serenidade.
Piloto da marinha norte-americana, James Stockdale passou sete anos em um cativeiro vietnamita como prisioneiro de guerra. Ele conta o que passou no livro Stockdale on Stoicism. Tendo Epiteto como referência, James revelou que a escola filosófica o ajudou a resistir aos sofrimentos vividos durante o período. Ele ficou com as pernas acorrentadas e os olhos vendados por meses.
“Ele [Epiteto] me ensinou que sou totalmente responsável por tudo o que faço e digo. Sou quem decide e controla minha própria destruição e minha própria libertação”, salientou James.
Outro importante nome a contribuir com a escola de virtudes foi o filósofo, orador, poeta e político Sêneca. Ele foi uma figura essencial da política em Roma, senador com Calígula e conselheiro do imperador Nero. Em um exercício estoico, o pensador aconselhava os aprendizes a imaginar o pior desfecho para uma determinada situação.
Se algumas pessoas mentalizam a morte, Sêneca instruía a habilidade de blindar-se contra o infortúnio: “A maioria dos homens míngua e flui em miséria entre o medo da morte e as dificuldades da vida. Eles não estão dispostos a viver, e ainda não sabem como morrer. Por essa razão, torne a vida como um todo agradável para si mesmo, banindo todas as preocupações”.
Pandemia
No momento atual, qual seria o pior resultado possível para mim? O estoicismo estimula o questionamento e recomenda: “Abstenha-se e aceite [o que a natureza oferece]”, lema estoico do fundador Zenão de Cítio. Diante da pandemia, o conselho dos intelectuais seria cultivar o espírito, porque as adversidades não faltarão nem podem ser controladas no que está por vir no “novo normal”.
Professora da Escola Nova Acrópole, Lúcia Helena Galvão conversou com a coluna Claudia Meireles sobre estoicismo e como esses valores podem ajudar as pessoas neste período de pandemia. “Os estoicos ensinam a assumir a responsabilidade por aquilo que nos acontece, sabendo que vivemos aquilo que necessitamos para crescer como indivíduos e coletividade”, destaca.
Sob os conhecimentos de Epiteto, a filósofa afirma que a “prisão” consiste na luta contra acontecimentos que independem “de nós” e, no que se pode atuar, não fazer absolutamente nada. “A felicidade é um verbo. E o desempenho é contínuo, dinâmico e permanente de atos de valor. Nossa vida é construída a cada momento, e tem utilidade para nós e para as pessoas que tocamos”, diz uma das máximas de Epiteto que regem a vida de Lúcia Helena.
Aplicação pessoal
A filosofia estoica não é colocada em prática do dia para a noite. É vivenciada. De acordo com Epiteto, a ideia é tentar lembrar por 30 dias seguidos e dar início à corrente quando puder, sem quebrá-la. Na avaliação dos filósofos, a repetição dos princípios é chave para internalizar os conhecimentos e transformá-los em hábito.
Os aprendizados de Marco Aurélio, Epiteto e Sêneca inspiraram as ações de personalidades, políticos e esportistas. O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton lê as meditações do imperador romano mensalmente. Primeiro mandatário dos EUA, George Washington foi influenciado pelo estoicismo, seguindo a mesma tendência de Theodore Roosevelt.
Adepto da filosofia, Roosevelt atuou como 26º governante dos Estados Unidos. Para liderar a maior potência mundial, ele levou para dentro da Casa Branca os ensinamentos de Epiteto e Marco Aurélio, que inclusive contribuíram durante sua expedição pelo Brasil. Na ocasião, o presidente queria descobrir se o Rio da Dúvida era ou não afluente do Rio Amazonas.
No quesito esportes, o estoicismo foi a arma secreta para o time de futebol americano New England Patriots vencer tantos Super Bowls. Membro da equipe, Mike Lombardi disse em entrevista que o livro O obstáculo é o caminho: A arte de transformar provações em triunfo, de Ryan Holiday, foi um verdadeiro sucesso entre os jogadores. Novo nome do Tampa Bay Buccaneers, o quarterback Tom Brady segue a filosofia de vida.
Conhecida pela personagem Beca Mitchell no filme A escolha perfeita, a atriz e cantora Anna Kendrick revelou que as meditações de Marco Aurélio são reconfortantes e calmantes. A obra também é a queridinha de Brie Larson, intérprete de Capitã Marvel. CEO da Condé Nast, Jonathan Newhouse para onde vai leva publicações com conteúdos sobre estoicismo.
Exercícios
Segundo os estoicos, o efeito de incorporar a receita para lidar com o caos na rotina é encontrar alegria nos deveres diários e responder com mais resiliência aos problemas e desafios que surgirem, rumo ao estilo de vida incrivelmente satisfatório. De olho na “receita” dos pensadores? Confira abaixo alguns ensinamentos dos maiores intelectuais da escola filosófica.
Princípio 1: você não pode mudar as situações fora de seu controle, mas pode mudar sua atitude. Caso fique frustrado com as ocasiões externas, desperdiçará energia e promoverá emoções negativas. Ao interiorizar essa percepção, a mente pode tornar-se impenetrável.
“Você tem poder sobre sua mente – não eventos externos. Perceba isso, e você encontrará força”, escreveu Marco Aurélio no livro Meditações.
Princípio 2: não seja vítima da natureza materialista da sociedade moderna. Tente se esforçar para querer menos, o desejo diminuirá e você ficará mais satisfeito com o que tem.
“A riqueza não consiste em ter grandes bens, mas em ter poucos desejos”, garantiu Epiteto.
Princípio 3: imagine a vida sem as pessoas e posses que você precisa. Talvez, assim, começará a apreciá-las verdadeiramente e, consequentemente, encontrará a felicidade. Uma prática estoica é imaginar que perdeu bens valiosos. Ao imaginar o cenário, passará a dar valor ao que tem. Caso chegue a ficar sem, de fato, lembrará de que tudo é emprestado do universo.
“Não se entregue aos sonhos de ter o que não tem, mas reconheça o chefe das bênçãos que você possui e, depois, lembre-se com gratidão de como você as desejaria se elas não fossem suas”, reforçou Marco Aurélio em Meditações.
Princípio 4: seja genuinamente alegre em todas as suas intenções. Como a felicidade vem de dentro, proporcionar bondade ao mundo, ajudar as pessoas e promover a sociedade podem gerar a verdadeira realização interior.
“Um homem assim fundamentado deve, quer queira ou não, necessariamente ser acompanhado por alegria constante, uma alegria profunda e que brota do fundo, pois encontra deleite em seus próprios recursos e não deseja alegrias maiores que suas alegrias interiores”, enfatizou Sêneca.
Princípio 5: praticar seus valores é melhor do que pregá-los. Toda decisão tomada ao longo de um dia possui uma dimensão moral. Vale procurar fazer escolhas com base nos valores pessoais para aumentar o bem maior.
“Não explique sua filosofia. Incorpore isso”, considerou Epiteto.
Livros recomendados
De acordo com a professora Lúcia Helena Galvão, o livro A arte de viver: O manual clássico da virtude, felicidade e sabedoria, de Sharon Lebell, é bem fiel ao conteúdo original. Apenas a linguagem foi atualizada. “Uma obra que recomendo fortemente, pois propõe uma postura diante da vida que é atemporal”, argumenta. Confira mais publicações na galeria abaixo:
Para saber mais, siga o perfil da coluna no Instagram.