Com mais de 150 mil scanners cerebrais, Daniel Amen ensina a curar a mente
Para Amen, transtornos de saúde mental são problemas cerebrais. Ele indica especialistas a olharem para o principal órgão do sistema nervoso
atualizado
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Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) sugerem que 30% da população das Américas teve ou terá algum transtorno mental. No Brasil, depressão e ansiedade estão entre as doenças que mais causam incapacidade. As condições afetam a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas. Geralmente, ao serem diagnosticados com os distúrbios, os pacientes são tratados com medicamentos e terapias. Contudo, antes de prescrever as terapêuticas, há um equívoco, segundo atesta Daniel Amen, o psiquiatra mais popular dos Estados Unidos.
De acordo com o Amen, os psiquiatras continuam sendo “os únicos médicos a raramente examinar o órgão que tratam”. Na avaliação dele, as condições de saúde mental são, na verdade, problemas de saúde cerebral, o que propicia analisar o principal órgão do sistema nervoso. Assim faz o norte-americano de 66 anos com os milhares de pacientes da clínica que fundou, a Amen Clinics. Para diagnosticar e tratar as doenças da mente, o especialista usa a SPECT, em outras palavras, tomografia computadorizada de emissão de fóton único.
“Psiquiatras de antes e até mesmo de hoje fazem o diagnóstico como em 1840. Quando você tem o privilégio de mudar o cérebro de alguém, não só muda sua vida, mas dispõe da oportunidade de impactar gerações futuras”, ressaltou o psiquiatra em uma palestra na TEDx Talks, em 2013. Líder em neuroimagem, Amen é o responsável por liderar a maior base de dados de varreduras cerebrais. Até 2018, o médico e equipe da clínica tinham feito 150 mil escaneamentos do “computador central” de pessoas de 93 países.
Como funciona?
“Ao contrário da psiquiatria tradicional, que dificilmente olha para o cérebro, a Amen Clinics usa tecnologia de imagens do órgão com finalidade de identificar o seu tipo específico de cérebro. Dessa forma, podemos definir um plano de tratamento direcionado para melhorar sua qualidade de vida”, explicou o especialista no site da clínica. Na palestra, o médico disse sobre esse trabalho ter ensinado lições importantes para não lançar “dardos no escuro” nem “adivinhar” diagnósticos.
Um dos aprendizados é que doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ansiedade, depressão e vícios não atingem o cérebro de um único modo. “Há distintos tipos dos transtornos. Dois pacientes podem ter praticamente os mesmos sintomas, mas órgãos radicalmente diferentes. Como saber o que fazer com eles? Só se olharmos a atividade cerebral com objetivo de adaptar o tratamento de forma individualizada e não se pautar por conjuntos de manifestações”, salientou o médico.
A SPECT é um exame de imagem capaz de medir o fluxo sanguíneo em órgãos do corpo. O médico define esse tipo de tomografia como “um mapa capaz de orientar as pessoas a terem cérebros e vidas melhores”. Com a tecnologia, ele afirma ver as áreas de alta e baixa atividade cerebral. Ao examiná-las por meio do “scanner”, Amen consegue indicar os tratamentos e medicamentos mais eficientes. A primeira paciente do método do norte-americano foi Sandy Springs. A consulta ocorreu no início da década de 1990.
“Olhe o cérebro”
À época com 40 anos, Sandy tinha distúrbio de déficit de atenção (DDA). Na noite anterior à consulta, ela tentou se matar. E a SPECT revelou haver uma queda abrupta na atividade do córtex pré-frontal, o centro de decisão do cérebro. “Uma das maiores lições da imagem foi que ela nos ajudou a prevenir erros, como estimular um cérebro hiperativo, acalmar um que está subativo ou rotular o comportamento como intencional, de fato, se baseando na atividade cerebral”, atestou Amen na página da clínica.
O corpo clínico da Amen Clinics descreveu seis tipos de cérebros de pessoas com vícios, cinco relacionados à compulsão alimentar e três associados à violência. “A SPECT pode ajudar, especificamente, quem tem ansiedade, depressão e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); além de auxiliar pessoas a superarem conflitos conjugais, envelhecerem melhor e com problemas de peso”, escreveu o psiquiatra no site da clínica. O trecho foi usado em uma reportagem do The Washington Post sobre o método do especialista.
Alzheimer
Causa mais comum da demência, a doença de Alzheimer acomete 1,2 milhão de pessoas no Brasil e 35,6 milhões no mundo, conforme levantamento da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). Com o envelhecimento da população, os números deverão dobrar em duas décadas. Geralmente, a enfermidade afeta pessoas acima dos 60 anos e, segundo Amen, o problema começa no cérebro de 30 a 50 anos antes de surgir algum sintoma.
“Uma das lições mais profundas de nosso trabalho com imagens cerebrais é que a doença de Alzheimer e outras formas de demência podem ser vistas em exames de SPECT anos antes que as pessoas apresentassem quaisquer sintomas. Estudos anatômicos, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, são indicadores de atraso. Eles mostram problemas mais tarde no curso da doença, quando as intervenções tendem a ser menos eficazes”, defende o médico, líder em neuroimagem.
Reabilitação cerebral
O trabalho de imageamento ensinou aos profissionais da Amen Clinics que lesões cerebrais traumáticas leves são uma das principais causas de doenças mentais. “Praticamente ninguém sabia disso, porque eles iam aos especialistas por quadros de problemas de temperamento, ansiedade, depressão e insônia. Por não olhar o cérebro, como os psiquiatras deveriam saber?”, garantiu o médico no TEDx Talks. Ao abordar o assunto, ele cita um paciente que caiu de uma escada aos 3 anos. A criança ficou inconsciente por alguns minutos.
Daniel Amen atendeu o paciente com 15 anos de idade. Na época, o adolescente tinha o histórico de expulsão de tratamentos para violência. No ponto de vista do psiquiatra, recomendaram a terapêutica errada: “Ele precisava de um programa de reabilitação do cérebro, não apenas mais medicação atirada contra ele no escuro, ou terapia comportamental, por vezes, se pensar, é cruel. O comportamento é a extensão do problema e não o problema”.
Em um estudo, Amen verificou existir lesões cerebrais em jogadores da Liga Nacional de Futebol (NFL) – ativos e aposentados – em razão de danos provocados por golpes na cabeça, o mesmo ocorre com boxeadores. No programa de reversão do psiquiatra, há estímulos em áreas de fluxo sanguíneo, memória e humor. Em 2019, o especialista foi convidado pela Casa Branca para discutir tratamentos de saúde mental.
Livros
Ao longo de 30 anos de trabalho, o expert escreveu dezenas de livros, ocupando 12 vezes o posto de autor best-seller do The New York Times. Uma das obras mais vendidas de Amen é Mude seu cérebro, mude seu corpo, de 1996. Aos interessados, há uma versão do exemplar traduzida para português. A última publicação do especialista foi lançada em março de 2020 e tem como título O fim da doença mental: como a neurociência está transformando a psiquiatria, até então, somente em inglês.
Abaixo, confira uma galeria com os livros elaborados pelo médico:
“Higiene mental”
Em abril, Daniel Amen concedeu entrevista à página Make It da CNBC. No bate-papo, compartilhou alguns hábitos capazes de reforçar o cérebro. As atividades são caracterizadas pelo profissional como “higiene mental”. Segundo o psiquiatra, as técnicas simples ajudam a melhorar a saúde do principal órgão do sistema nervoso e a reduzir os padrões de pensamentos negativos, responsáveis por arruinar e desequilibrar uma pessoa.
Além de meditação, café da manhã saudável e tempo com a família, constam outras práticas. Descubra abaixo! Fica o lembrete do psiquiatra: “Você não está preso ao cérebro que tem, pode torná-lo melhor”.
Positividade matinal
Amen segue a linha de pensamento de médicos que batem na tecla sobre a importância do sono. Diariamente, ele dorme e acorda no mesmo horário, dando continuidade à rotina de quando podia sair de casa. Entretanto, o especialista considera mais importante trabalhar a positividade ao levantar pela manhã: “Digo a mim mesmo: ‘Hoje vai ser um grande dia’”. Segundo o especialista, a afirmação estimula a mente a procurar o que dá certo, em vez do errado.
10 mil passos
Não faltam tarefas na agenda do fundador da rede de clínicas Amen Clinics. Ao longo de 24 horas, ele atende a várias ligações e videochamadas. Durante as conversas, o especialista faz questão de não sentar-se. Ele prefere caminhar enquanto fala ao telefone. O psiquiatra se esforça para dar, pelo menos, 10 mil passos diariamente. Não é apenas como forma de praticar exercícios, mas também por beneficiar a saúde do cérebro, disse o médico na entrevista.
Pingue-pongue
Na pandemia, Daniel e sua filha, Chloe, de 17 anos, se distraíram com partidas de pingue-pongue. Na avaliação do especialista, o passatempo é um dos “melhores jogos cerebrais do mundo” por ajudar a manter a mente afiada. Ao contar a respeito do lazer, ele citou um estudo publicado na American Academy of Neurology que mostrou resultados promissores. A pesquisa traz a descoberta de pacientes com Parkinson que jogaram pingue-pongue uma vez por semana durante seis meses, e mostraram melhora nos sintomas.
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