Advogada de Cíntia Chagas fala sobre mulheres saírem de ciclo violento
Advogada de Cíntia Chagas, Gabriela Manssur frisa que as mulheres que expõem sofrer violência impulsionam outras a buscarem ajuda
atualizado
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“A violência não vê classe; não vê cor; não vê origem; não vê idade; não vê orientação sexual, religião, ideologia política. Qualquer uma de nós [mulheres] está sujeita”, destaca a advogada Gabriela Manssur.
Em entrevista à coluna Claudia Meireles, a presidente do projeto Instituto Justiça de Saia e fundadora da iniciativa Justiceiras discorre sobre a sua efetiva atuação no combate à violência doméstica e na defesa de mulheres que sofrem abusos, assédios e agressões. Ela atua no processo judicial movido pela influenciadora digital Cíntia Chaves, contra o ex-marido, o deputado estadual Lucas Bove (PL-SP).
Em setembro, Cíntia registrou um boletim de ocorrência de violência doméstica contra o deputado. Ele teria atirado uma faca em direção à então esposa depois que ela se negou a parar de jantar para tirar uma foto com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Michelle Bolsonaro, em um casamento no interior de São Paulo. No BO, a influenciadora relatou ficar com um ferimento na perna devido ao ato de Lucas. O pedido de medida protetiva foi acatado pela Justiça e a juíza responsável pelo caso determinou o divórcio compulsório do casal.
“Quebrar o ciclo da violência e buscar ajuda”
Quanto ao caso que está em segredo de Justiça, Gabriela declara que Cíntia Chagas se encontrava tão inserida em um ciclo de violência que não enxergava as consequências. “Ela estava adoecendo e em uma situação cada vez mais intensa de risco e de lesão aos direitos”, pontua. Conforme perícia técnica psicológica, a influenciadora desenvolveu “ansiedade, angústia, medos, bruxismo e intensa queda de cabelo” por conta do comportamento do ex-marido e dos efeitos gerados pela violência psicológica sofrida.
Para Gabriela Manssur, a influenciadora digital e professora de português “parecia estar com um véu sobre os olhos”. “Uma mulher linda, talentosa, lutadora, corajosa, rica, em pleno sucesso profissional, estava se deixando levar para o buraco”, cita. Na avaliação da advogada, tanto Cíntia Chagas quanto outras mulheres que são figuras públicas e expuseram ter sofrido violência doméstica deram — até sem saber — coragem para outras revelaram abusos e agressões enfrentados.
Segundo a advogada, mostrar que mulheres “ricas, escolarizadas e famosas” também sofrem violência pode também impulsionar para que outras nas mesmas situações se sintam encorajadas a “romper o obstáculo do medo, da vergonha e da insegurança de quebrar o ciclo da violência e buscar ajuda”. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2021, indicaram que uma a cada três mulheres em todo o mundo sofre violência física ou sexual.
“Quando a mulher tem uma voz que alcança milhares de mulheres, e se, claro, ela se sente confortável em expor a sua história, indubitavelmente, é um processo muito eficaz”, enfatiza a presidente do Instituto Justiça de Saia sobre a exposição de casos de personalidades femininas vítimas de violência. Ela emenda: “Quando uma voz que faz eco se propaga, muitas mulheres se identificam e se sentem seguras e encorajadas para dizerem: ‘Eu também!’. A voz de uma mulher pode salvar muitas outras da violência.”
Voz que salva e dá coragem
Antes de advogar em defesa das mulheres vítimas de violência, Gabriela Manssur esteve no papel de Promotora de Justiça por 20 anos. Entre tantos processos em que atuou, um dos mais emblemáticos foi o do João de Deus, condenado a mais de 118 anos de prisão por crimes de estupro de vulnerável e de violação sexual mediante fraude. Durante a entrevista, ela rememorou a importância da identificação e poucas vozes femininas mobilizarem tantas outras.
“Lembro-me do caso João de Deus — que, no início, eu tinha apenas três vítimas. Junto à imprensa e com o apoio institucional do Ministério Público, arquitetamos uma força-tarefa e, com a exposição da história dessas três vítimas na imprensa, em menos de 48 horas, fui procurada por mais de 200 vítimas do João de Deus”, recorda a ex-promotora. As denúncias contra o médium surgiram em 2018 e a condenação ocorreu em setembro de 2023.
Alvo
Atuar na defesa de mulheres vítimas de abusos, assédios e agressões não isenta a fundadora da iniciativa Justiceiras de também ser vítima de comentários depreciativos na internet. Pelo contrário: a tornou um alvo. “Percebi que os ataques não são direcionados a mim, enquanto promotora, advogada ou Gabriela Manssur”, explica. Ela explana quanto ao motivo dessas críticas acontecerem: “O ataque é contra mulheres que, de alguma forma, abrem portas para outras mulheres saírem da violência.”
“O ataque é contra mulheres que desmascaram homens agressores, que muitas vezes, estão escondidos sob o manto da impunidade, da profissão, do poder econômico, do cargo, da liderança espiritual ou religiosa, e até do poder familiar”, avalia.
Diante de determinadas manifestações, Gabriela aciona a Justiça: “O que configura crimes e ofensas à minha honra, à minha reputação, à minha imagem, à minha privacidade e, principalmente, venha macular um legado ilibado que construí e que venho construindo, tomo as providências jurídicas necessárias.”
A presidente do Instituto Justiça de Saia toma essas medidas como uma forma de se proteger e, indiretamente, de salvaguardar as mulheres que defende judicialmente. “Sempre atuei e atuarei de forma ética, técnica e apaixonada pelo que eu faço”, alega.
O fascínio pelo direito está no DNA de Gabriela. Filha da advogada Regina Manssur, ela acompanhou a trajetória da mãe de perto e isso foi um dos quesitos que a suscitou em seguir a profissão. “Não sei se por vontade de Deus ou por missão de vida”, recorda.
Advogada de família, Regina Manssur tinha de lidar com “casos de mulheres que sofriam vários tipos de violência, sem ter onde pedir ajuda e sem ter quem escutasse suas vozes”, conforme relembra a ex-promotora. Mal sabiam as vítimas que as confissões de abusos e agressões eram ouvidas por Gabriela e as tristes histórias serviram como um “chamado” profissional para a adolescente. As narrativas desencadearam na jovem o desejo de “dar voz a todas elas”.
“Na verdade, eu nasci com essa vontade, está no meu DNA, é algo indissociável da minha pessoa, é muito mais que um trabalho, que uma profissão, é a minha própria vida”, alega a advogada.
Ela acrescenta: “E foi assim, unindo o amor pelo direito, o sentimento de indignação e a vontade de salvar aquelas mulheres que passei a me dedicar quase que exclusivamente aos estudos para ingressar no Ministério Público do Estado de São Paulo e poder fazer a diferença na vida das vítimas que batem nas portas da Justiça e precisam de proteção da própria Justiça.”
“Quem salva uma, salva todas”
Na função de promotora, Gabriela Manssur sentiu que precisava ir além, principalmente na defesa dos direitos das mulheres. “Passei a perceber a necessidade de alterações e inovações legislativas sobre os direitos das mulheres, como ampliação do acesso à Justiça, à saúde, à autonomia financeira delas, à fiscalização das medidas protetivas de urgência, à capacitação das autoridades que atuam no combate à violência contra a mulher e punição mais rigorosa para os autores de violência”, lista.
Comprometida com a causa, a promotora resolveu se lançar como candidata à deputada federal por São Paulo. “Acabei não obtendo êxito na minha eleição”, afirma. De uma hora para outra, ao se ver sem o cargo no Ministério Público, ela precisou arregaçar as mangas e se valer do que tinha: conhecimento jurídico. “Inaugurei o escritório Gabriela Manssur Advocacia para Mulheres, e hoje sinto-me realizada, podendo ajudar cada vez mais mulheres, de qualquer parte do país e do mundo”, garante.
Com mais liberdade para focar nos projetos do Instituto Justiça de Saia — no qual é presidente — e ampliar o impacto social, a advogada deu ênfase na iniciativa Justiceiras, que integra atendimento multidisciplinar on-line jurídico, socioassistencial, rede de apoio, acolhimento e psicológico.
Ao longo de quatro anos e meio, já foram realizados mais de 17,6 mil atendimentos no Brasil e em 27 países. Em torno de 16 mil voluntárias contribuem com a empreitada, entre elas, advogadas, psicólogas e assistentes sociais. “Quem salva uma, salva todas”, conclui.
Você pode pedir ajuda ao Projeto Justiceiras pelo número de WhatsApp (11) 99639-1212, pelo site justiceiras.org.br ou pelo Instagram @justiceirasoficial.
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