metropoles.com

Você tem a impressão que viu o Brasil americanizar?

Essa semana a gente até esqueceu que tem Covid-19, e ficou entre Biden e Trump

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Yegor AleyevTASS via Getty Images
Protesto nos EUA durante eleicoes 2020
1 de 1 Protesto nos EUA durante eleicoes 2020 - Foto: Yegor AleyevTASS via Getty Images

Sempre que eu ia pra Campo Grande, pegava o trem em Bangu, e ia olhando pela janela do trem, os muros, os trilhos, as casas da Zona Oeste Pobre.

De primeiro, a Zona Oeste toda era meio caída, aí inventaram a Barra. A Barra foi criada na década de 1970. Oscar Niemeyer passou de carro uma vez em frente ao New York City Center, recém-inaugurado, na década de 1990, e disse, triste:

“O imperialismo venceu.
Isso aqui é uma coisa horrorosa.”

Ao ver uma réplica desproporcional e mal ajambrada da Estátua da Liberdade em frente ao NYC Center, o homem que idealizou Brasília e foi colega de Le Corbusier e Lúcio Costa, um brasileiro que impressionou o mundo numa área técnica, dificílima, dominada pelos coloniais alemães e franceses, esse homem, inclusive comunista, disse que o imperialismo venceu.

A Barra nasceu querendo ser Miami. E com sua existência, passamos a ter duas Zonas Oeste. Uma rica, horrorosa, outra pobre. Onde se situa a favela de Vila Aliança, onde morei.

Essa semana a gente até esqueceu que tem Covid, e ficou entre Biden e Trump. Eu, se me candidatasse a vereador, ia pegar a onda e me denominar Joe Biden de Magé do Gás, pra vocês saberem que eu não estou pra brincadeira. Aqui é pesquisa de tendências.

Você tem a impressão que viu o Brasil americanizar? Pela janela do teu trem, do teu tempo, da tua vida? Tua TV, teu celular, teu carro, ônibus, Uber?

Raul Seixas disse: “Quando eu cheguei por aqui, a minha luta era exibir uma vontade féla da puta de ser americano, e hoje olha os mano.”

As eleições americanas são sim pauta no mundo inteiro.
Mas eu estou em outro país, e aqui as pautas locais continuam em primeiro lugar. Os portugueses não tem esse interesse subserviente nos americanos. Respeitam, claro, há o glamour, um país continental, rico. Mas depois do fim da ditadura aqui, em 1974, a sociedade portuguesa é politicamente crítica, com exceção dos habituais bolsominions, que sim, já os temos em versão lusa.

Mas o Amapá está sem luz. A Covid continua matando centenas de vidas por dia, um avião por dia; a governadora em exercício em Santa Catarina decretou a volta das aulas presenciais; Flávio Bolsonaro está por fim mais próximo da cadeia; uma mulher foi estuprada e humilhada num tribunal de justiça por homens sádicos, sexistas, sujos e misóginos, um espetáculo demoníaco de violência; um jornalista reforçou as violências e chora nas redes sociais se dizendo vítima de linchamento; uma jornalista branca tem zero empatia com a mulher e perde tempo debatendo tecnicidade ao invés de estender sua mão e oferecer sua voz para que a justiça seja feita. Tudo isso acontece, enquanto estamos dentro do trem, olhando pela janela.

E o que vemos lá fora?
Pessoas que se recusam a usar máscaras. Pessoas que desafiam os Direitos Humanos. Pessoas segurando uma bandeira, mas não é vermelha, tampouco verde-amarela. É azul, branca e vermelha.

O Brasil, tanto fez, tanto fez, que vai ser tornar o 51º estado americano. Nossas dores e nossas reações estão cada vez mais idênticas. Imagina agora, arma na mão desse povo.

Em breve, seremos isolados por Washignton. Uma Cuba às avessas. Órfãos de Trump, o neo-Stalin.

Niemeyer, se visse hoje que há estátuas por centenas de lojas da Havan, e um país mergulhado na loucura bolsonarista-religiosa, acharia horrível, e talvez mesmo se arrependesse de ter criado Brasília.

O horror.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?