Quem vai vencer com o BBB? No fim, todo mundo vai perder
No Brasil de 2021, as TVs estão ligadas num programa que começou como entretenimento e virou um programa de entristecimento
atualizado
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Eu sei que você pode até não acompanhar.
Mas isso não vai excluir você de algo que está acontecendo neste momento em Curicica, bairro da Zona Oeste do Rio: um jovem, negro, hostilizado e emocionalmente esgotado, colocou a mão na maçaneta e abriu a porta de saída de um dos programas mais assistidos da TV brasileira nos últimos 20 anos.
Isso não te exclui. Não ter TV em casa não te exclui.
Assim como ter votado em branco em 2018 não te exclui dos resultados daquele ano.
No Brasil de 2021, diante de um massacre social, econômico, de mortandade, desemprego, fome e violência contra pretos e mulheres, neste mesmo Brasil as TVs estão ligadas num programa que começou como entretenimento e menos de um mês depois já deixa de ser um programa de entretenimento, para um programa de entristecimento.
Você está se entretendo vendo isso?
Seja sincero. Ao terminar de ler as notícias sobre o Planalto, sobre sua cidade, no caso a minha, o Rio, depois de ouvir todas as preocupantes projeções do nosso futuro, depois de ver que a esquerda não tem nome para 2022, e que o PT ao escolher Haddad, formalizou seu apoio a Bolsonaro, ligar a TV pra ver um jovem negro ser trucidado por outras pessoas, isso te entretém?
O Brasil está em caos por fora, e por dentro. A nossa crise é na alma. Estamos doentes. Adoecidos na psique.
Do outro lado, há um diretor de televisão. Boninho, homem forte da emissora, está aos poucos, mesmo que involuntariamente, levando a Globo para um lugar mais delicado. Ao ponto de pensarmos: Quem precisa de Bolsonaro para afundar a Globo, se temos Boninho?
Eu, senhores. Que sou um mero colunista que não influencia o pagode na casa de ninguém, sou aconselhado a mudar frase, palavra, texto, e um diretor geral de TV parece que pode tudo, se Boninho assumisse essa coluna, ele poderia expor o veículo onde trabalha a tanto risco?
Eu espero que esta seja a última edição deste programa.
A saída de Lucas foi um gesto gigante: ele não está usando máscara, num momento em que todos estão. E não me refiro a N95, mas a pior máscara: a hipocrisia. O que está acontecendo ali é da ordem da barbárie.
E veja: pessoas negras contra pessoas negras. Em primeiro lugar, não podemos crucificar essas pessoas. Brancos fazem as mesmas coisas, todos os dias. Depois de 500 anos de opressão, não tem como a cabeça de uma pessoa negra ser 100% saudável.
Mas a “militância” está em cheque. Não foi por isso que Abdias e Lelia Gonzales lutaram. Não foi por isso que Sueli Carneiro lutou e luta, para acabar com a divisão entre pretos e pardos. Não foi pra lacrar, condenar o outro a uma prisão psicológica de dor e isolamento, que Angela Davis, Frei Davi, Amilcar Cabral, Franz Fanon, Audre Lorde, bell hooks, Malcolm X e tantos outros lutaram.
A militância da internet é co-responsável pelo massacre que está acontecendo no Projac. E sabe-se lá o que será do emocional deste menino. Mas sabemos quem são os responsáveis: de um lado, um diretor que pode tudo, e decidiu explorar a miséria.
De outro, uma militância que só fala, fala, e não vive o que prega. Eu não estou no camarote vendo. Eu estava há anos denunciando, nome e sobrenome, o Major Edson, executor de Amarildo, condenado, e agora reintegrado na PM. Um ato de escárnio.
Nós, e me incluo, alimentamos os heróis de mentira. Acontece que nós alimentamos um discurso onde só gente perfeita pode existir. E ninguém é perfeito.
Enquanto isso, a direita ri. Porque na direita, pelo menos, ninguém se julga perfeito, pelo contrário, sabem das próprias maracutaias, e vivem bem com isso.
Quem vai vencer? Um milhão e meio vale nossa sanidade? Eu lembro de uma ex-presidente, que disse algo meio sem sentido na época, mas que agora soa como profecia: “ninguém vai ganhar ou perder. Todo mundo vai perder.”
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.