Ninguém segura mais a mão de ninguém
Coronavírus, dólar a R$ 5 e um presidente que vale por uma crise. O mundo já acabou, só não fomos avisados
atualizado
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O mundo não vai acabar com um aviso da Defesa Civil, ou o William Bonner na bancada do Jornal Nacional:
– Informamos que este é o fim do mundo. Eu e toda a equipe gostaríamos de agradecer a todos os brasileiros, brasileiras, funcionários da Rede Globo de Televisão, por todo o apoio. Não sabemos o que vai acontecer. Portanto, desejo a todos que fiquem abraçados com seus parentes ou amigos mais próximos. Boa noite.
Isso dá um filme. Mas não é assim que funciona. O fim do mundo, na minha opinião, já aconteceu, e foi quando Joelma saiu do Calypso. Pode conferir. Daquele ponto em diante, foi ladeira abaixo.
Eu sinceramente não sei nem se vale escrever essa coluna com as coisas que acontecem hoje, porque é provável que quando você ler, já estejamos em ruínas.
Mas eu não posso deixar de dizer isso: o dólar a R$ 5. Cinco “merréis”. O cara, pra comprar um dólar, precisa fazer um empréstimo na Caixa ou pegar do cheque especial. Guedes, esse lindo, disse: “SE FIZERMOS MUITA BESTEIRA, O DÓLAR VAI A 5 CONTO“.
Eu nem me impressiono com a alta do dólar, mas com a VELOCIDADE COM QUE ELES FIZERAM MUITA BESTEIRA. Uns 4 dias úteis separam essa declaração, do pico histórico do dólar. Mais uns dois dias, o dólar bate 7 “merréis”. Aí estaremos diante de um capítulo nunca vivido desde o início do Plano Real.
As bolsas estão fechando, parando atividades no meio do dia. Corona torando no mundo, num momento em que o Brasil já estava vulnerável. É como você estar com uma caganeira braba, aí pega uma gripe, e uma virose, e fica com outra caganeira. O Brasil teve um crescimento abaixo do esperado, o presidente manda um humorista pra não explicar o PIB, a pasta econômica do governo exposta, o plano de governo, feito num Power Point, já naufragou, e o inesperado acontece: um vírus, lá na casa do carvalho, que desencadeia uma série de reações que impactam o mercado e a distribuição de produtos, logo onde?
Na China
E se praticamente tudo vem ou depende da China, não demorou muito pra Europa e Estados Unidos sentirem o impacto. As bolsas suspenderam mais uma vez as operações. O índice Bovespa caiu de 88 pra 82 mil pontos. E isso num cenário de moeda mais desvalorizada do mundo. A questão é essa: na manhã dessa quinta-feira (12/03), Merkel disse à imprensa que, lá, 70% dos residentes poderão ter a gripe. Mandou, na lata, um “corram para as colinas”, mas é a Alemanha do Todo Dia um 7 a 1 diferente. Mandam no Euro, moeda que já custa, no consumidor final, R$ 5,78. O maior problema da Alemanha agora é uma quarentena, o NOSSO menor problema é esse. Bolsonaro é o maior problema, antes mesmo do vírus.
O Dieese diz que o Brasil não tá pronto pra crise que está vindo, e o corona é só a ponta do iceberg. E o presidente nega, mas convoca milhares de pessoas pras passeatas no próximo dia 15 de março para “defender Bolsonaro das chantagens do Congresso”, porque tá todo mundo contra ele, sujeito íntegro, que ganhou eleições fraudadas, e vai provar.
Alguém tem dúvidas que Bolsonaro não vai largar o Planalto, e que já estamos vivendo dias muito dramáticos? Mais de 80 instituições se manifestaram na ONU afirmando que o Brasil já vive dias similares aos da ditadura.
Bolsonaro pode vir a ser o primeiro presidente com coronavírus, e isso está tendo impacto mundial, porque um de seus secretários teve o quadro confirmado, e eles não quiseram fazer o teste em Miami, como, inclusive, determina a OMS, mas é aquela parada, quem pode, pode.
Se lascaram, igual
O pior não é ele estar doente. O pior é ele vir, irresponsavelmente, dois dias antes, dizer que coronavírus não deve ser levado a sério, porque já teve gripe que matou mais. O pior é que Bolsonaro não precisa de doença pra piorar. Ele, e seus representantes, já são o que de pior temos. O ministro da Educação, além de humilhar publicamente Drauzio Varella, debochou do cancelamento do evento do Dia da Educação, dizendo que aquilo é um “antro de comunistas”.
O Guedes não sabe mais o que está fazendo. E se você olhar bem fundo nos olhos dele, você vai perceber que ele NEM QUER MAIS ESTAR ALI.
Enquanto isso, pra divertir a plateia, eles jogam Regina Duarte pra arena. E Regina entra em cena, crente que tá abafando. É uma desgraça atrás da outra, e NEM PRECISOU DE VÍRUS, entende?
Trump fechou as fronteiras pra União Europeia, que agora está por conta própria. Aqui, em Portugal, ruas mais vazias, pessoas comprando horrores nos supermercados. E eu não sei o que esse povo tem, que taca-lhe papel higiênico. Acabaram os estoques de papel higiênico em vários supermercados em Portugal, e eu me pergunto, meu pai: esse pessoal só encara gripe se estiver com o bumbum limpinho?
Tudo cada vez mais vazio aqui. Metrô, gôndolas mais vazias, sem álcool gel, sem máscara. Eu nunca usei uma máscara, eu vivi pra ser mais um na multidão com esse troço branco na cara.
E todo mundo comprando muita, muita comida. Eu até compraria, mas tô sem um puto. Meus dinheiros vêm do Brasil, demora dias pra entrar, e quando entram, deixam de existir, porque o Euro tá deitando o Real na porrada. Eu consigo, se muito, pagar um potinho de cotonete e comprar um tablete de manteiga. Me senti excluído hoje no mercado. Os cara comprando litros de comida, eu com um tablete de manteiga, pra passar a crise do coronavírus.
Mas o que virá depois? Depois do vírus, o mundo volta ao “normal”? Que normal? Que normal estávamos um mês atrás?
Pra muita gente, o mundo acabou quando o primeiro preto entrou pra faculdade. Quando o primeiro gay se tornou celebridade. Pra muita gente, da família brasileira tradicional, o mundo acabou quando Liniker estampa edição histórica da Cláudia. Pra nós, o mundo acabou quando acabou mesmo. Quando a direita estabeleceu subserviência aos Estados Unidos, como o The Intercept denuncia, com registros que Deltan abriu mais do que deveria para os investigadores americanos.
O mundo acabou quando mataram Marielle. Antes até. Quando criaram coragem de matá-la. Acabou quando a direita, e a esquerda, dizem que José Padilha pode, sim, dirigir um documentário sobre ela. Acabou quando os milicianos da Barra da Tijuca chegaram ao Planalto. Quando a Igreja e o Estado voltaram a se unir. Quando a Terra Plana voltou a ser uma crença de milhares.
Quando não choca mais a morte de criança com tiro nas costas. Quando PM infrator do MBL provoca coronel pra ser eleito vereador, e ele é o novo padrão político brasileiro, aceitável, heroico.
O mundo acabou quando aprovaram a reforma da Previdência. O mundo acabou muitas, muitas vezes, aos poucos, todos os dias.
E mesmo a esquerda, desarticulada e sem conhecimento de povo, depois de mais de uma década no poder, cai, atônita, diante deles. O que será de nós depois de hoje, depois do pregão da Bolsa, depois da nova operação do Bope, depois de o presidente abrir a boca mais uma vez, depois de milhões de brasileiros ficarem contaminados e o SUS não dar conta do que vai acontecer, depois de a favela sempre pagar o preço mais alto porque continua abandonada, o que será de nós? Um governo declaradamente militar? Uma economia que vai levar duas décadas ou mais pra voltar à estabilidade?
Seja pela falta de conexão com a realidade, seja pelo coronavírus, agora, ninguém segura mais a mão de ninguém. Se Bonner não vai dizer isso no Jornal Nacional hoje, eu te digo. Acabou o mundo. Esse aqui já é outro.
Porque todos os amanhãs chegaram,
Juntos.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.