Hoje deu saudade do Brasil, do requeijão, da Robauto, do euro a R$ 2,70…
A vida tem duas fases: aquela na qual você faz coisas pra poder ter saudade, e a em que você sente saudade das coisas que fez
atualizado
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Deu saudade do Brasil, e do requeijão.
Eu tive saudade de vários Brasis hoje.
Engraçado, porque tem um tempo na vida que a gente não sente saudade de nada, a gente só vai vivendo. Então, é exatamente neste período que estamos acumulando coisas pra sentir saudades no futuro.
Então a vida tem duas fases: a fase onde você faz coisas pra poder ter saudade, e a fase em que você sente saudade das coisas que fez – pra ter saudade.
Tô meio carente hoje, sagitariano tem disso. Aliás, no meu horóscopo hoje dizia:
Júpiter, seu regente, que começa a se preparar no dia 10,
mas ganha força somente a partir do dia 15, aos 17 graus de Capricórnio.
Apesar de ainda pressionado por Plutão e Saturno,
Júpiter pode trazer promete trazer crescimento.
Prepare-se para dar novos passos na direção do sucesso financeiro.
TODA UMA TRETA entre Júpiter, Plutão, que tananina Saturno pegou a bolsa e saiu mais cedo 17 graus de febre, pistola da Covid na testa, tananã, ninguém se comunica direito, ninguém ouve ninguém, resultado:
PREPARE-SE para o sucesso financeiro.
É o que diz Sagitário, hoje.
Quem está pronto pra ouvir
“Se prepare, pois vai enriquecer?”
Ainda mais no Brasil da nota de 31 euros?
Misericórdia. A nossa maior nota, de maior valor, não dá pra comprar um bolo de chocolate pro aniversário em confinamento.
Bateu saudade do euro R$ 2,70. Até do euro R$ 4,50 deu saudade agora.
Mas é minha sina, diante dos astros, fazer muito sucesso financeiro. E escrever colunas dentro de uma banheira de ouro puro, banhada não, maciça, de outro, pisos de mármore belga, muito Royal Salut e salmão defumado.
A gente precisa se iludir com alguma coisa. Tipo o lobo-guaraná. Guará, guaraná. Acerola. Mel, caramelo. Doce, lobo doce, cachorro de rua, magro, com nome de alguma coisa doce.
Hoje eu tava na rua, indo na padaria, e bateu a lembrança daquela música:
O RIIIIIIIIIIIIIIIII de Piracicaba.
Rapaz, eu chorei, com um pacote de biscoito creme crack na mão.
E eu nem sei onde é esse rio, sei que o Almir Sater cantando isso com o Chitão e Xoxoró me deu uma vontade de chorar danada.
É um Brasil que existe. E eu não tive tempo de conhecer.
Mas há outros Brasis.
Lembro bem da ROBAUTO.
Só quem viu aquele Rio da década de 1980, sentiu o cheiro da galinha de panela na rua, andou pela Pavuna, beirando os trilhos do trem, sabe bem a delícia de chupar sacolé de KiSuco de laranja e de comprar na Robauto.
Era o mercado informal, digamos, da economia colaborativa.
Obviamente, não autorizada pelos fornecedores, todos, em sua maioria, roubados.
Tinha de tudo. De vela de bateria e retrovisor de Chevette 78 a botijão de gás. Disco do Roberto Carlos, telefone fixo, novo, que naquele tempo quem tinha telefone em casa era uma pessoa de posses.
A Robauto é a mãe de todas as feiras piratas brasileiras.
Acabou.
DIZEM.
Eu não acredito. Acho que ainda existe, no subsolo da estação de trem.
Agora vende a cebola do Outback feita pelo Gordo Lanches. Igualzinha.
Ele roubou? Roubou uma cebola empanada? Ele hackeou a receita?
A essência do brasileiro é a Robauto.
Como boa parte de nós não tem dinheiro pra ter o original, dá seu pulo.
Fora da lei, é verdade.
Mas num país onde 50% do povo nem saneamento tem, quem dirá TV à cabo, completona. Assina um gato net. Aliás, acho que a desigualdade e a pobreza é que abrem espaços para que o crime se organize nesse vácuo.
Mas que exemplo nós temos?
Quem, dos homens de Estado, pode servir de inspiração de que o crime não compensa?
Espeto de camarão.
Também uma iguaria da feira da Robauto.
Espeto de camarão crocante, com pimenta. Tocava Lecy Brandão nas rádios.
Eu, na rua, num bairro no meio de Lisboa, com um pacote de biscoito, e o coração todo mergulhado nos Brasis que, a cada dia, parecem mais e mais distantes.
Quem vier pros lados dessa terra, traz um copo de requeijão pra mim.
Embora, se considerarmos o preço do óleo, o requeijão deve estar financiado pela Caixa. Tem que parcelar.
Esse biscoito seco aqui.
Sem o requeijão da minha saudade.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.