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Comam croassã. Ou morram tentando

Eu tenho aprendido que eu MEREÇO. Mereço viver. Mereço comer a merda do croissant. Mereço não passar fome, NUNCA MAIS na minha vida

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Yanka Romão/ Metrópoles
Ilustração Anderson França Croissant
1 de 1 Ilustração Anderson França Croissant - Foto: Yanka Romão/ Metrópoles

Dia desses eu fui numa padaria pequena aqui perto de casa, e pedi um croissant.
Veja bem, croassã. Croaçã. Croçã. Crossan.

Tem em Nova Iguaçu? Tem. Com massa de JOELHO, vulgo italiano em Niterói, enroladinho em São Paulo, e, por motivos ainda não esclarecidos, ESFIHA em partes de Madureira e na Cascadura Setentrional, onde não há qualquer fiscalização de português ou fontes fiáveis sobre gastronomia ou QUALQUER OUTRO ASSUNTO relativos à vida em sociedade.

Ocorre que comer um croissant com massa de joelho é o correspondente de comer cachorro quente de pote.

Estamos na mesma página?
Você está ciente do que eu quero dizer com JOELHO de presunto e queijo, ou sua versão LIGHT, de frango com queijo?

Aquele travesseiro de massa, dobrado, quadrado ou retangular, levemente assado na parte de cima, eu vou mesmo ter que te explicar isso, meu amigo? Estamos nesse nível de constrangimento? Explicar pra uma pessoa o que é um joelho é mais constrangedor que explicar a um homem de 40 anos como se bota a camisinha. Numa suruba. Você e ele ali. Suando, tesão insuportável. Aí ele para, nervouser, e te pergunta:

– Amigo, você poderia me explicar como se bota uma camisinha OU QUEM SABE COLOCAR PRA MIM NESTE MOMENTO? É um gesto humanitário, eu diria.

Desce, anda qualquer 15 metros, e tu vai ver uma pastelaria do china. Lá terá um joelho. Um só não, vários. Espero que inclusive você coma um pensando em mim.

Porque no Reino dos Joelhos, há dois tipos de joelhos que são dignos de curso de férias do Le Cordon Bleu: o joelho do china que fica em frente a Praça do Méier, e o joelho de buteco português em Irajá, debaixo do viaduto, lugar permanentemente escuro, úmido e repleto de sujidades urbanas.

Português sabe fazer joelho, like no other.
Aqui em Portugal há o joelho, chamam de MISTO.
Salgado misto, MERENDA mista, o primeiro nome fica por conta do teu subjetivo. Acho que já pra evitar essa conspiração de em certo lugar chamarem joelho, no outro italiano, no outro esfiha.

Whatever, misto.
Qualquer coisa, misto. Essa porra, misto.

O problema,
o grande problema deste colunista hoje,
é que croissant não é feito com massa de joelho.
Isso é uma afronta a Deus.
Mas o Brasil não respeita distanciamento social nem receita original.
Sempre achei croissant um alimento da categoria dos supérfluos, pequeno-burgueses e fernandohenriquianos. Fernando Henrique, ex-presidente, manifestava fino interesse pelo delicatessen matinal, ao que penso que o BRIOCHE era o alimento preferido do então primeiro autarca da República. Mas foi Maria Antonieta que meteu essa: se não tem pão, que comam brioches. Maria meteu a loka da panificação na França em chamas do século 18.

Todas as pessoas em volta de mim que comiam croissant entravam imediatamente para a categoria de pessoas não confiáveis. Usuárias de cachecol em vernissages em Santa Teresa no Rio, corrigem tudo e todos com suas elaboradíssimas e modernas atualizações sobre o que é correto. O Pravda da esquerda ciranda sempre publicou a todo vapor.

Ocorre que esse meu bloqueio com croissant se estendeu até hoje, perdão, até ontem.
Eu olhei pra porra do croissant, 39 centavos de euro, o que no Brasil dá 5 mil reais. Sério, no Brasil dá uns R$ 2,20.

Quer ficar deprimido?
Não é 1 euro que vale R$ 6,60 reais,
São R$ 6,60 que valem 0,17 centavos de euro.

Aqui, a relação é 1:1, portanto, 39 centavos num croissant é o mesmo que 39 centavos num croissant no Brasil. Seria lindo, em tese. Mas, na real, não é. Um croissant igual aos que tem em qualquer padaria ridícula aqui, no Brasil é vendido por uns 10, 15 reais. É mais caro que aqui.

Por isso, Seu Jorge.
Burguesinha. Só no croissant.

Mas eu pensei: até quando eu vou permitir que todas as lutas e perdas que tive na merda da minha vida continuem me pautando até que eu morra extremamente infeliz porque não pude curtir nem as pequenas coisas? São 39 centavos, porra, eu posso comprar isso. E daí se vão me colocar na categoria que eu mesmo criei? Rodrigo Maia não pediu desculpas ao Guedes e tá tudo certo? Se eu falasse que eu achava croissant comida de burguês, tu ia saber? Então, é o papo. Comi aquela merda, ainda passei mais manteiga. Com café.

Lição que eu aprendi com o Setembro Amarelo?
Pelo menos quatro leitores me mandaram últimas mensagens antes de, infelizmente, se suicidarem. Sabe o que é isso?
Eu tenho aprendido que eu MEREÇO. Mereço viver. Mereço comer a merda do croissant. Mereço sumir, pegar uma bicicleta, andar até um lugar e ver o sol se pôr. Mereço dormir até 2 da tarde. Mereço. Mereço não passar fome, NUNCA MAIS na minha vida. Mereço coisa boa.

O maior poder que a pobreza tem sobre alguém é psicológico.
O de fazer você pensar que você NÃO MERECE nada. Merece sofrer, Deus quis isso, porque você não tem fé, porque você não deu o dízimo, porque você não foi competente.

Ou se você vem do morro, nunca na vida pode curtir. Tua vida tem que ser sempre uma dor, um drama, lágrimas e dor.

Hoje não.
Já comi pão francês dormido, que esquentava na boca do fogão, até queimar, com Qualy, dentro de mim, imaginando que tava comendo Big Mac. Não nasci imaginativo, me tornei.

Agora, quero sentir mesmo o gosto da parada.
O ano tá acabando.
Faz o que você sente que merece. Ou tenta.
Não podemos gastar os dias das nossas vidas, sofrendo.
Senão, eles terão vencido.

A conversa que tive, com a candidata a prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’Ávila, em que ela manda essa: “Eles não vão me fazer desistir. Se paro de viver minha vida, eles terão me vencido.”

Comam croissant.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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