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Quatro razões confirmam que Jack Kirby é o Rei dos Quadrinhos

No centenário do maior desenhista de super-heróis, ainda é possível ver o seu legado nas revistas e no cinema

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No dia 28 de agosto, veremos o centenário de Jack “King” Kirby, considerado por muitos o maior artista de quadrinhos da história. É claro que, sob certo ponto-de-vista, isso é questionável. Afinal, os HQs não se resumem aos “comics” (revistas de super-herói americanos). Que critérios iremos usar para saber se ele foi maior do que Moebius, Crepax, Eisner, Tezuka e tantos outros?

O fato é que Kirby produziu uma obra colossal, tanto em volume de trabalhos quanto em influência. No gênero mais popular do mundo (que hoje ocupou quase todo o mainstream cinematográfico), ele nada de braçada. Nos super-heróis, é um Michael Phelps, um titã insuperável.

Talvez, fazendo mais jus ao campo da arte, seja interessante comparar o serviço que Kirby fez aos comics com o de Hitchcock no cinema. Afinal, ambos começam ajudando a solidificar a era de ouro de seus meios.

Nos anos 1940, Kirby já era um dos maiores artistas dos comics, ganhou dinheiro, criou e definiu personagens (Capitão América, por exemplo). Hitchcock iniciou no cinema mudo, fez escola nos filmes clássicos ingleses e, na mesma década, tornava-se um dos mais prestigiados e visados diretores de Hollywood.

Porém, é nos anos 1950 e 1960 que ambos atingem maturidade e angariam condições para revolucionar seus meios. Kirby participa, com Stan Lee, de um boom extraordinário na remodelagem do conceito de super-heróis e cria vários dos personagens que hoje geram milhões nos cinemas.

Hitchcock aos poucos saía de sua estrutura clássica (engrenagem do suspense) para caminhar em direção ao cinema moderno, fazendo uma conjugação íntima entre elementos de linguagem e significados secretos. Os filmes deixam de ser literais. Já Kirby também revolucionou a linguagem ao aplicar ousado dinamismo e psicodelia ao imaginário dos super-heróis.


De origem judaica e crescido no lower east side de Nova York, Kirby nasceu como Jacob Kurtzberg, e sua juventude foi pontuada por delinquência (gostava de uma porrada) e agruras da “working class”. Sua fantástica trajetória inclui o quase absoluto autodidatismo, lutar na segunda guerra e diversas tretas e desentendimentos com seus pares na Marvel (Stan Lee incluso).

Em uma época em que a profissão de ilustrador de quadrinhos era paga como freelancer, Kirby lutou por direitos e garantias para a profissão. Quando a Marvel fazia enorme sucesso com merchadising nos anos 1970, ele não recebia royalties por suas criações. O performático Stan Lee, que virou o RP oficial da editora, ganhou todos o créditos e desfruta deles até hoje. A família do antigo parceiro ainda hoje luta na justiça para abocanhar uma parte dos lucros gerados pelas criações do lendário desenhista.


Mas, afinal, o que faz de um Kirby, um Kirby? Há muitas razões, mas decidi me concentrar em quatro delas:

1 – Ajudou a sedimentar a indústria dos comics: Kirby foi fundamental na era de ouro dos quadrinhos americanos (anos 1930 e 1940). Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, criou, iniciando uma duradoura parceria com o artista Joe Simon, o Capitão América. Deslocando a fantasia heróica para um contexto mais iminente e realista, eles estamparam o herói desferindo um soco potente na cara de ninguém menos que Adolf Hitler. A edição vendeu 1 milhão de exemplares. Os quadrinhos adquiriam uma função social.
Além disso, Kirby realizou, nesta época, quadrinhos de toda a fauna de gêneros que iluminou a era de ouro: faroeste, guerra, ficção-científica, terror. Em 1947, ele lança, junto à Timely (precursora da Marvel), “Young Romance”, pioneira das HQs voltadas ao público feminino (vendeu mais 1 milhão). Nos anos 1950, recrutado por um jovem e desesperado Stan Lee, ele assume títulos de ficção-científica da editora, começando a desenvolver o estilo (tecnologias estranhas, feições meio “quadradas”, cenas de ação imponentes) que lhe ficou característico e os temas futuristas que engajaria no Quarteto Fantástico e outras criações.

2 – Um criador absurdamente original: quando o Quarteto Fantástico foi lançado em 1961, ocorreu aos super-heróis uma verdadeira “renaissence”. O público baby boomer havia crescido e rapidamente se interessou pelos heróis “humanizados” da Marvel, como o Coisa, alter-ego de Kirby, um sujeito sensível preso em um corpo e modos truculentos. Em pouco menos de três anos, Kirby e Lee desenvolveram também o Hulk, Thor, Homem-Formiga, Homem de Ferro, os X-Men, Surfista Prateado, Pantera Negra, os Vingadores, etc.

A Marvel se tornou um fenômeno global e seus quadrinhos penetraram o imaginário contracultural dos anos 1960. Nem todos sabiam quem eram Lee e Kirby, mas a editora era “cool” e as consequências  eram das HQs são explícitas hoje. Kirby criou o uniforme, o design e os coadjuvantes de vários desses personagens.


3 – Revolucionou a narrativa dos quadrinhos: Lee e Kirby estabeleceram, no início frenético dos anos 1960, o que se convencionou chamar “Marvel Way” de se produzir histórias. Lee enviava resumos de enredos e argumentos para Kirby, que desenvolvia tudo em narrativa de quadrinhos, deixando espaços apenas para balões e letreiros. Lee então recebia o material e escrevia o texto.


O “Marvel Way” tem implicações maiores do que simplesmente racionalizar a produção. Bom de briga, Kirby sabia desenhar cenas de ação com potência, dinamismo e elegância. O movimento no sentido kirbyano impulsiona o código narrativo, leva o quadrinho como um carrossel, vivifica a experiência mental do leitor.

4 – Um artista inconfundível: Kirby, logicamente, foi um dos maiores ilustradores de todos os tempos. Não apenas pela diversidade de gêneros que ele dava conta, ou pelas inovações narrativas, mas pura e simplesmente pelo seu traço sólido, sua absurda imaginação e sua capacidade de fazer escola. Na Marvel, gigantes como John Romita e John Buscema descendem diretamente dele. Ao longo dos anos, especialmente entre meados dos anos 1960 e 1970, seu estilo vai adquirindo traços de psicodelia, elementos new age, além de estilemas próprios à sua maneira de desenhar.


A tecnologia pensada por Kirby possui vontade própria, é um organismo autônomo. Seus cenários, sejam paisagens espaciais cheias do que hoje chamaríamos nebulosas e quasares, são quentes e borbulhantes. Cidades como Asgard parecem erigidas sob rigorosos conceitos arquitetônicos. Quando Kirby decide ir para a DC em 1970, seu estilo atinge o auge, com as fabulosas criações alienígenas dos Novos Deuses, pertencentes a um universo novo, chamado Quarto Mundo. Porém, talvez, a melhor maneira de reconhecer Kirby como “rei” dos comics seja observar como ele desenha socos. Um soco kirbyano desmonta qualquer argumento.

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