Por que histórias com muitos super-heróis são uma droga?
“Liga da Justiça” corta na complexidade para aumentar na porrada: resultado é ruim
atualizado
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Eu tenho uma máxima: quanto mais super-heróis existem em uma história, pior ela é. Frase de efeito? Certamente. Exagero? Também. Pensem comigo: um protagonista a mais acarreta em outra origem esdrúxula, novo uniforme ridículo e outras baboseiras para engolirmos. Filmes do gênero não são adaptações comuns. Há que se “traduzir” a “essência” do personagem (é o que dizem), coadjuvantes, poderes, e, eventualmente, sua aparência física.
Cada herói a mais é uma bola excedente para encaçapar, e há várias sinucas de bico neste processo
Um exemplo clássico é a mega-saga “Guerras Secretas”, publicada pela Marvel nos anos 1980 como chamariz para lançar uma nova linha de brinquedos. Ela colocava os “maiores heróis da Terra” em luta contra quase todos os seus arqui-rivais. Lembro-me de, ainda criança, sentir frustração ao ler essa história diluindo os personagens em prol de uma narrativa imbecilizante baseada na porradaria.
Cada personagem a mais é um naco a menos de personalidade e originalidade. O fato de essa saga ter sido pensada para divulgar brinquedos explica muita coisa. Porradaria e licenciamento são motivos o suficiente para se ficar criando blocos de super-heróis. Em 2015, saiu uma terceira versão das “Guerras Secretas”, dessa vez séria e ambiciosa. Não consegui avançar na leitura. Aquilo é tipo um carnaval onde cada quadrinho parece estar em uma história diferente. O mesmo vale para outras narrativas ruins como “Crise Infinita”, “Guerra Civil” ou os caça-níqueis crossovers entre Marvel e DC.
Liga insípida: porradaria e licenciamento
Levanto esta questão, logicamente, para comentar algo sobre este filme da Liga da Justiça. Essa equipe foi criada em 1960, quando a DC Comics precisava encontrar uma maneira de fazer a indústria dos quadrinhos sobreviver à era da televisão. Colocar todos os seus grandes heróis em um mesmo grupo, naquela época, parecia uma forma de racionalizar e capitalizar a produção. As consequências dessa ação são visíveis até hoje: a Marvel os copiou com o Quarteto Fantástico e, posteriormente, com os Vingadores. O desenho animado “Superamigos” ainda está no imaginário de gerações.
Os problemas de “Liga da Justiça” são muitos e não cabem aqui. Gostaria apenas de me atentar ao aspecto “quanto mais heróis, pior”. Certo, você pode me dizer “mas ‘Vingadores’ foi legal”. De fato, no entanto, a coisa é um pouco diferente quando se tem o espaço de pelo menos cinco outros filmes (fora um conceito bem azeitado e unificado) para preparar o terreno. Os longas da DC dão a impressão de precisarem ser reiniciados a cada novo lançamento para compensar o fracasso da tentativa anterior.
Cada herói novo inserido numa história ou filme retira algo do que já estava lá. “Batman vs Superman” errou completamente no tom. Ambos heróis perderam um pouco de si no processo. Porém, sobreviveu algo de exclusivo e mítico porque esses personagens ainda tinham chance de desenvolver suas idiossincrasias. Não é à toa que os longas do Batman funcionam muito melhor solo, o que ocorre também em suas melhores HQs, na série “Tales of the Dark Knight” (“Um Conto de Batman”).
Em “Liga da Justiça”, a necessidade de “apresentar” Flash, Ciborgue e Aquaman, em contextos ao mesmo tempo complexos e ridiculamente resumidos, faz com que as várias outras diretrizes e módulos de ação narrativa do filme se compliquem enormemente. A cada motivação de um Aquaman, menos motivação de um Batman, e assim por diante. Uma produção de super-heróis assim é um cobertor muito curto para uma cama muito grande (perdoem a metáfora tosca).
Sim, “Liga da Justiça” é insípido. Trata-se de um roteiro que um aspirante em Hollywood poderia ter pensado. Há heróis demais, quantidades pornográficas de CGI, falas manjadas e um aproveitamento muito ruim de personagens clássicos.
Nem tudo está perdido
Como em toda regra, há exceções. Gostaria de deixar a dica para duas séries em quadrinhos de grupos de super-heróis que são excelentes. A primeira é a longa fase dos insuperáveis Marv Wolfman e George Pérez nos “Novos Titãs”, durante os anos 1980: histórias mirabolantes despreocupadas com verossimilhança, recheadas de aspectos oníricos e delirantes.
A segunda, quem diria, é a “Liga da Justiça Internacional” – escrita a partir de 1987 por Keith Giffen e J.M. DeMatteis e ilustrada por Kevin Maguire. Os autores abordaram esse “mal” originário super-heroico (suas roupas, suas origens ridículas, seu senso moral datado), revertendo-o na forma de virtudes.
Nesta versão da Liga, que parece mais uma “sitcom” de Chuck Lorre (nos dias bons), o aspecto “marombado” dos supers é deixado de lado para privilegiar suas contrapartidas mais humanas: flertes, mesquinharias, inveja, desentendimentos e laços de amizade. Neste caso específico, cada herói novo na Liga era uma adição, e fica o exemplo sobre como se conduzir este espinhoso gênero.
E vem aí “Vingadores – Guerra Infinita”, com 4.8K de heróis da Marvel saindo pelo ladrão. Depois não digam que não avisei.