American Crime Story: Versace é tratado sobre universo gay dos anos 90
Temporada recém-encerrada narra a vida de Andrew Cunanan, assassino em série que matou o famoso estilista italiano
atualizado
Compartilhar notícia
Semana passada foi ao ar o último episódio de The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story, série que conta o assassinato do famoso estilista. Nessa versão, ela foca a história de Andrew Cunanan, o assassino. Mas, para mim, nessa temporada, o produtor Ryan Murphy fez um verdadeiro tratado sobre a homossexualidade norte-americana de 20 anos atrás.
Regredindo no tempo episódio a episódio, a série começa com o assassinato e, a cada novo capítulo, conta um momento na vida de Andrew – até chegar à sua infância, tentando entender como nasce um maníaco fruto do adubo que alimenta o american dream. De mãe italiana e pai filipino, as altas expectativas sobre Andrew o fazem cair das nuvens para o violento impacto de encontro com o solo.Por isso, o famoso estilista se torna objeto do seu ódio e entra na mira da sua arma (além de mais quatro pessoas ao longo do caminho). Também imigrante, foi vencedor onde o outro tinha tudo para se dar mal. Até o fato de Versace assumir sua homossexualidade e conseguir superar o preconceito, numa época em que celebridades não saíam do armário, guarda relação com os motivos do assassino.
Todo episódio tem uma cutucada em algum aspecto sobre ser gay nos EUA. Logo de cara, por exemplo, o preconceito e descaso da polícia de Miami ao tratar o crime como “coisa de veado”, devendo envolver drogas e garotos de programa – portanto, era de se esperar que ele morresse daquela forma. O companheiro de Gianni há 15 anos, interpretado por Ricky Martin, é tratado simplesmente como alguém pago para realizar os desejos sexuais de um velho pervertido, descartando-se qualquer possibilidade de relacionamento amoroso ou constituição de família naquela casa fabulosa.
Sem contar o episódio em que Versace decide falar sobre sua homossexualidade e a longa relação com Antonio. Donatella – irmã, musa e braço direito na companhia – foi inteiramente contra. Ela justifica sua posição através da empresa: isso traria prejuízos incalculáveis, podendo levar até à falência. A circunstância fica naquela zona cinzenta, na qual é impossível definir o real motivo da sua crítica: se por homofobia internalizada ou preocupação com toda a lama que a imprensa jogaria sobre seu tão amado irmão.
No episódio Don’t Ask, Don’t Tell, a homossexualidade é o tema central. Sob a ótica dessa política, que na época foi apresentada como libertadora para os LGBTs dentro do exército norte-americano, o roteirista da série questiona: libertadora para quem? Não se fala sobre o assunto, não se dividem as alegrias ou tristezas como os outros oficiais que constituem famílias heterossexuais. E assim reproduzimos opressões e produzimos mais casos de injustiças.
No balanço final, além de uma bela homenagem ao artista que Gianni Versace foi, Murphy trouxe um retrato diverso e complexo da homossexualidade naquele país, o qual acaba sendo bem parecido com qualquer lugar do Ocidente.